A diretora-geral da associação Acreditar disse, esta quarta-feira, que os pais de crianças com cancro estão preocupados com “a rotatividade bastante grande” dos profissionais de saúde nos hospitais, temendo que possa pôr em causa o tratamento dos filhos.
“O que os pais nos reportam com imensa preocupação é que os profissionais em quem eles vão confiando vão saindo”, contou Margarida Cruz, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Internacional da Criança com Cancro, que se assinala na quinta-feira.
A diretora-geral da Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro referiu que existe “uma rotatividade bastante grande de profissionais” nos hospitais e o que acontece é que vão sendo substituídos por outros que, “obviamente, serão bons e bem escolhidos, mas que são necessariamente pouco experientes”.
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Mas há casos em que existe “uma dificuldade notória” de recrutamento em determinadas áreas, para substituir os profissionais de saúde que vão saindo por diversos motivos, disse, adiantando que a Acreditar está em diálogo com os locais onde isso acontece.
Margarida Cruz salientou que “até agora a qualidade do tratamento não está a ser colocada em causa”, mas reconheceu que “esta rotatividade e esta dificuldade grande de repor as pessoas que, entretanto saem, são ameaçadoras do ponto de vista de ser uma preocupação para as famílias”.
Em 2023, a Acreditar acompanhou 711 famílias, através da atribuição de 1.735 apoios, tão diversos como apoio económico, psicológico, estadias nas Casas Acreditar, bolsas escolares, ações de formação e atividades lúdicas dirigidas a crianças e jovens, entre outros.
Segundo a responsável, chegam à associação cada vez mais pedidos de apoios, sobretudo, económicos, porque as famílias não conseguem fazer face ao aumento das despesas.
“Além de termos muitos pedidos, temos pedidos em valores médios cada vez maiores, porque obviamente as contas do supermercado subiram muito, a habitação subiu muito e estas famílias têm que fazer face a despesas maiores”, afirmou.
Margarida Cruz avançou que o valor em termos de apoio social vai ter este ano, mais uma vez, um incremento de 30% e confessou estar preocupada que possa não ser suficiente caso as situações se mantenham.
Segundo Margarida Cruz, o que se tem assistido é que não só o valor entregue por família é maior como o apoio tem que ser estendido por muito mais tempo do que tinham inicialmente previsto como sendo “o razoável e o adequado”.
“Muitas pessoas perdem o emprego”, mas sobretudo muitas veem diminuído o seu rendimento e acrescidas as despesas porque têm que se deslocar para tratamentos com os filhos durante bastante tempo e às vezes têm de manter duas casas.
A Acreditar procura ter “uma resposta de qualidade” a nível de alojamento, que foi agora reforçada, tendo capacidade para acolher 32 famílias.
“Mas não é só o alojamento, há o transporte, a alimentação, todas essas coisas que as famílias deslocadas têm que fazer face e é essa questão que elas se queixam”, declarou.
A Acreditar tem vindo a insistir para que os pais recebam, pelo menos, o valor líquido que recebiam antes de terem um filho doente.
Para Margarida Cruz, esta medida de política pública “poderia minorar algumas destas dificuldades”, até porque “o número de famílias não é assim tão significativo do ponto de vista do peso orçamental”.
Em termos globais, a Acreditar tem estimada uma verba anual entre os 350.000 e os 400.000 euros que é distribuída por várias áreas de atuação.
“Há cerca de cinco anos a verba que nós tínhamos orçamentado para essa área [social] andava à volta dos 100.000 mil euros”, disse, explicando que “o apoio social é importante, mas não é a parte central daquilo que é a essência da Acreditar, da sua missão e dos seus objetivos”.
O objetivo principal é apoiar as crianças e jovens com cancro e famílias em várias áreas, sobretudo, apoio emocional, psicológico, na parte da escolaridade e no alojamento.
Apenas IPO Lisboa tem consulta de seguimento para sobreviventes de cancro pediátrico
Apenas o Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO de Lisboa) tem uma consulta para sobreviventes de cancro pediátrico que terminaram o tratamento há mais de cinco anos, alertou a associação Acreditar, defendendo que deveria existir em todos os centros de referência de oncologia pediátrica.
Todos os anos são diagnosticados em Portugal cerca 400 novos casos de cancros pediátricos que, apesar da taxa de sobrevivência ser de cerca de 80%, continuam a ser a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes.
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Na véspera de assinalar o Dia Internacional da Criança com cancro, a associação Acreditar afirma que “uma das iniquidades mais gritantes no caso dos sobreviventes de cancro pediátrico é não terem uma consulta de sobrevivência estruturada” em todos os centros de referência (Hospital Pediátrico de Coimbra, IPO Porto e Hospital de São João) como acontece no Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
Diretora-geral da associação Acreditar disse à agência Lusa que em Lisboa está estabelecida a “Consulta dos duros” para os doentes que ultrapassaram a realidade oncológica com sucesso, com um plano individual de seguimento que depende do tipo de cancro e do tratamento realizado.
“Mas não temos isso no resto do país, a não ser em questões pontuais em que o médico tenha interesse num caso ou noutro e que queira segui-lo”, lamentou.
Margarida Cruz defendeu que este princípio devia estar contemplado na Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, Horizonte 2030, que entrou em vigor este ano, e que tem como um dos objetivos aumentar a equidade no acesso a cuidados de saúde.
Para a responsável, “não pode existir equidade de acesso se os jovens que são sobreviventes de cancro não tiverem acesso a consultas de acompanhamento em igualdade de circunstâncias”.
“Este tipo de seguimento é uma exigência mínima desta população que não está plasmada neste programa. Eu sei que existem problemas em outras áreas, mas isso não é motivo para que não coloquemos esta orientação e estes princípios num plano que tem um horizonte temporal relativamente alargado”, defendeu.
Segundo a Acreditar, a degradação dos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a preocupar pais e doentes, insistindo, por isso, que a estratégia deve integrar as recomendações do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro, que insta os Estados Membros a dar primazia ao cancro pediátrico, e espelhar as necessidades e especificidades desta área, como a associação defende desde que o documento esteve em consulta pública em 2021.
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“Aquilo que os responsáveis nacionais entendem é que o cancro pediátrico tem já um tratamento muito bom em Portugal e, portanto, que não carece de uma menção. A Acreditar entende que de facto há progressos bons (…) mas isso não pode levar a que o cancro pediátrico, que é relativamente raro e são muitos cancros diferentes, não tenha uma menção explícita”, nomeadamente em “aspetos que são essenciais e que não podem ser negligenciados”, declarou.
Margarida Cruz apontou o facto de haver tratamentos que não foram desenvolvidos especificamente para as crianças, o que disse ter “consequências muito gravosas na sobrevida destes doentes. A falta de investigação e a falta de tratamentos adequados leva a que dois terços dos sobreviventes tenham sequelas, que na maioria dos casos têm a ver com o tipo de tratamentos que foi efetuado”.
“Sem olharmos para a qualidade destes tratamentos e a adequabilidade dos mesmos, não podemos melhorar a vida destas pessoas e a vida destas pessoas é desejavelmente uma vida longa”, salientou.
Para a Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro, a estratégia também devia garantir o acompanhamento dos filhos por parte dos dois pais, sobretudo em fases agudas da doença, e assegurar que os pais possam manter o rendimento que tinham antes do diagnóstico.
“Nós percebemos que não possa ser implementado tudo uma vez, mas tem que haver um caminho, e se tem um plano com um horizonte temporal até 2030, tem que estabelecer o caminho necessário para lá chegar e chegar a bom Porto”, rematou.