O ano de 2023 trouxe limitações ao alojamento local. Aconteceram com o Mais Habitação, que entrou em vigor em outubro, mas os travões foram anunciados logo em fevereiro e isso notou-se no setor. Rui Silva, diretor geral da GuestReady em Portugal, revela ao Observador que os resultados de 2023 acabaram por ficar abaixo do inicialmente projetado e a empresa teve de ajustar-se: “tínhamos um plano bastante diferente e tivemos de colocar em prática o plano B para conseguirmos manter o rumo”.

Acabou por ser, nas suas palavras, “um bom ano”. Em Portugal, a GuestReady, que gere arrendamentos de curto e médio prazo, fechou o ano com mais de 85 mil reservas em mais de 1.300 unidades de alojamento sob gestão, crescimentos de 30% e 20%, respetivamente. Rui Silva aponta, ainda, o aumento de custos que se fez sentir também neste setor em toda a Europa e “Portugal não foi caso exceção”.

“Portugal é um país muito forte para a GuestReady e estávamos a contar que os resultados fossem um pouco melhor, não que um crescimento de 30% seja mau. Não é tão bom como estávamos à espera”, salienta em declarações ao Observador o responsável pela operação nacional. O objetivo é continuar a crescer, ainda que Rui Silva recorde as restrições impostas pela situação económica na Europa, mas também, em Portugal, “pelas limitações regulatórias do final do ano [Mais Habitação], que começaram a ser noticiadas desde fevereiro“.

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Há “menos proprietários a arriscar no alojamento local”, garante Rui Silva, dizendo que essa realidade se começou a sentir logo no início de 2023, ainda que, por outro lado, tenha havido uma corrida aos registos — com a perspetiva de que iriam acabar nas principais cidades, houve projetos que estavam em obra que foram acelerados. E este ano já se começa, mesmo, a assistir a saídas de intervenientes do alojamento local.

“Começa a fazer-se contas e, devido a toda a incerteza e à carga que veio aplicada ao setor, há muitos proprietários pequenos que se retraem e preferem deixar o setor, optando por outras soluções”. Casos haverá que, não tendo conseguido registo a tempo, os proprietários estão a optar por alojamento de média duração, estudantes ou mesmo nómadas digitais. Rui Silva garante não conhecer qualquer caso de saída do alojamento local para o mercado paralelo.

Além do travão aos registos, 2023 trouxe a obrigatoriedade, no final do ano, de os proprietários fazerem prova de vida. De um total de 120.719 alojamentos locais registados, cerca de 62% apresentaram prova de atividade. Cabe às autarquias avançar com “a tramitação subsequente”, que pode chegar à caducidade do registo, conforme determina a lei que foi aprovada ao abrigo do Mais Habitação.

Rui Silva garante que a GuestReady, que gere 1.300 propriedades, ajudou os seus clientes a fazerem essa prova de vida, tal como assume que irá ajudá-los a cumprir com o pagamento da CEAL (contribuição extraordinária sobre o alojamento local). “É mais uma carga, coloca mais pressão sobre o setor”, pelo que Rui Silva acredita que vai levar a mais saídas do alojamento local. “Só vão conseguir manter-se os de qualidade mais elevada. Os outros vão perceber que não compensa”.

Trazer centro de apoio para Portugal

Neste momento, a GuestReady tem, em Portugal, mais de 130 trabalhadores diretos, já que muitos dos serviços que presta acaba por garanti-los por subcontratação.

O plano de expansão em Portugal passa por trazer o centro de apoio a clientes (customer experience center) — proprietários e hóspedes — para o Porto.

A ideia é colocar tudo no Porto, o que estava descentralizado em vários países ficará centralizado no norte do país. “Está a ser feito” e a migração ficará concluída este ano.

Olhar diferente para o setor e reforçar gestão de hotéis boutique

Face ao que está a acontecer no alojamento local, “as previsões para este ano obrigam-nos a olhar de forma diferente para o setor, de forma mais qualitativa”, assume Rui Silva, garantindo que, ainda assim, “queremos continuar a crescer”.

E como? “Em vez de olharmos apenas para o setor do alojamento local, começámos olhar também para o setor dos boutique hotels. Não queremos entrar na luta por grandes hotéis, não é esse o nosso mercado”.

Nos hotéis boutique, a GuestReady já avançou em 2023. “É uma alternativa em que nós podemos continuar a fazer a diferença na hospitalidade, queremos continuar a profissionalizar o setor e, por isso, podemos contribuir nos hotéis boutique e em hotéis mais pequenos”, ainda que assuma a ambição de continuar a crescer no alojamento local, apontando para um segmento de maior qualidade.

Já são cerca de meia dúzia os edifícios de hotéis boutique que a GuestReady está a gerir. A gestão é um pouco diferente, já que nos hotéis os quartos são standard, o que não acontece no alojamento local. O potencial, na leitura de Rui Silva, é grande, assumindo que este ano no Porto vão abrir cerca de 98 hotéis (nem todos grandes, nem todos boutique). “É um setor alternativo nos centros das cidades”.

Mas Rui Silva garante que, apesar dessa aposta, não vai retirar as fichas do alojamento local, nem apostar tudo nos hotéis pequenos. Até porque, “temos de mitigar o risco. Não queremos virar o nosso negócio todo [para aí]. Queremos estar nesse setor, tem futuro, pode proporcionar boas experiências, mas não sabemos o que irá acontecer no futuro”, nomeadamente em termos de regulamentação.

Além disso, o projeto de crescimento passa por mais serviços aos clientes. “Queremos estar em tudo o que estiver relacionado com hospitalidade”, assume, realçando que o turismo em Portugal é muito importante, por isso “se perdermos isso estamos a perder a identidade do país, que tem a capacidade de receber bem as pessoas”. Agora, “não se espera que haja crescimento como houve desde 2014, nem as renovações das cidades com a mesma força”.

Taxa de ocupação nos 80%

No alojamento local, a taxa de ocupação da GuestReady manteve-se, em 2023, nos 80%, tendo atingido nas duas principais cidades 85%. Ainda que em épocas altas, como a da Páscoa ou a do verão, tenha conseguido mais de 90%. Estando a maior parte das 1.300 unidades sob gestão no Porto e Lisboa, Rui Silva explica que no Algarve preferem trabalhar através de parceiros. “É um mercado demasiado sazonal para a nossa estratégia”, explica.

Das mais de 85 mil reservas, 15% chegaram de Espanha, 14% de França, o mesmo que Portugal, 8% do Reino Unido, 6% dos EUA, 4% do Brasil e 3% de Itália. “Entre todos os turistas que reservaram em alojamento local, a grande maioria (88%) viajou sem crianças”, indica a GuestReady, acrescentando que o número de noites por hóspedes tem vindo a aumentar de cerca das duas noites que se registava em 2016 para cerca de quatro noites.

O perfil dos proprietários é ainda, na maioria, o do pequeno proprietário que tem uma segunda habitação e investiu numa fonte de rendimento alternativa. “Foi assim até agora”, diz Rui Silva, admitindo que também nesta característica tenha haver mudanças nos últimos tempos, com a entrada de mais investidores estrangeiros com mais do que dois apartamentos.

A GuestReady, fundada em 2016, está presente em França, Reino Unido, Portugal, Espanha, Dubai e Arábia Saudita. Mercados muito diferentes entre si. Espanha, por exemplo, tem experiência no alojamento local há 30 anos. É, diz Rui Silva, “muito mais maduro”. “Quanto comecei em 2014 era impensável os proprietários de casas em Portugal quererem receber turistas nos apartamentos. Em Espanha é normal há imensos anos”, recorda Rui Silva, assumindo que também por isso países como França ou Espanha “estão muito mais rígidos do que nós há mais tempo. Portugal era um exemplo para a Europa. Estávamos bem balanceados e com políticas equilibradas. O impacto [das decisões regulatórias tomadas] que vai ter sobre o setor da habitação não vai ser o esperado, prejudica o pequeno investidor em prol do grande investidor. Não faz sentido e continuamos a não ter acesso a mais habitação”.

Aqui, não há festas para ninguém. Como a GuestReady quer combater excessos nos alojamentos locais