António José Seguro não chegou a cantar, mas ensaiou um trautear ligeiro da canção “Dez anos”, de Paulo de Carvalho — “Dez anos são muito tempo…” — quando esta sexta-feira fez uma das suas raras aparições públicas, uma década depois de ter saído da liderança do PS. O convite era para falar sobre “Economia em democracia”, num congresso sobre seguros, mas o antigo secretário-geral do PS acabou por aproveitar o breve regresso para deixar mensagens muito políticas em tempo de campanha eleitoral — incluindo um apelo aos partidos para que se deixem de “trincheiras” e cheguem a entendimentos alargados no pós-eleições.

Depois de ter feito a piada inicial — “é um prazer estar no meio de tantos seguros”, gracejou, no palco do Congresso Nacional dos Agentes e Corretores de Seguros — e garantido que quando foi convidado para ali estar estava “longe de imaginar que estaríamos a meio de uma campanha”, Seguro dedicou-se a uma intervenção mais teórica sobre como os regimes políticos contribuem, ou não, para o crescimento da economia. Depois, passou ao conteúdo prático (e aos alertas práticos).

“Como é possível que os partidos não se entendam depois das eleições? Há uma coisa que não percebo: a ideia de que não se pode fazer acordos e entendimentos. Parece que é sinal de fraqueza. Passou-se de uma cultura de algum entendimento e diálogo para uma cultura de trincheira. Perdeu-se a cultura de diálogo, de respeito pelo outro (…) e isso cria deslace social”, atirou o líder que, quando estava à frente do PS, chegou a fazer um acordo com o PSD para descer o IRC (que acabou já no tempo de António Costa por não haver uma contrapartida que envolvesse uma redução do IRS).

Desta vez, Seguro deixou um aviso: “Os protagonistas políticos têm de perceber que há momentos para as escolhas e os entendimentos. Têm de valorizar entendimento em detrimento do conflito e da clivagem”. E, sobre o modelo de debates atual, considerou que acaba por contrariar a “essência da democracia” e por se transformar num “duelo e disputa de personalidades”. Recusando “dar conselhos” aos protagonistas políticos: “Cada um faz a política que entende, se calhar eu é que estou démodé. Mas sou livre, tenho opinião e isso vou ter sempre”.

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O antigo secretário-geral do PS, que foi desafiado e derrotado por António Costa sem ter oportunidade de disputar eleições legislativas, continuou: “Sempre achei uma imbecilidade que as pessoas associassem convicção a berros e gritaria. Convicção a ver com coerência, e para isso não preciso de gritar, apenas de agir em coerência”.

Apesar de recusar sempre que estivesse a dirigir os alertas a algum protagonista específico, ou que estes fossem moldados pelo quadro atual de eleições, Seguro ainda aproveitou para deixar mais um capítulo do seu guião sobre boas práticas políticas — e de governação. Neste caso, sobre lidar com populismos: depois de avisar que as democracias já não morrem “só de golpes militares e pela força, mas lentamente, com uma espécie de vírus que joga o jogo democrático” para depois o desfazer, declarou que “hoje a tensão entre o ideal de democracia e o funcionamento em concreto é grande, a distância e a desilusão é grande, dimensão de populismo é muito grande”.

Como é que isso se resolve, disse o professor Seguro, que pelo meio lembrou que nestes tempos de afastamento da política tem de facto dado aulas (além de ser produtor de vinho e azeite)? “Cuidar da democracia é cuidar das pessoas, garantir que se resolve os problemas das pessoas, dos rendimentos, da Habitação, do acesso aos cuidados de saúde. Gerar riqueza para que as pessoas possam corresponder às necessidades e progredir”. E, já agora, deixar de “depender de fundos comunitários” para assegurar o crescimento do país. Continuou a dar exemplos sobre quebrar ciclos de pobreza, com um “entusiasmo” que, acrescentou, seria maior na sua “outra encarnação”, como líder do PS.

Quanto à campanha, e mesmo sem dizer que está a referir-se a esta em particular, disse “não resistir” a deixar mais um aviso: “Mais parcimónia nas promessas eleitorais que se fazem, para que depois possam ser cumpridas. Mais respeito pelos eleitores, falando verdade, apresentando propostas exequíveis, mais transparência nos dinheiros públicos. Em vez de desculpas, assunção de responsabilidades. Prestação de contas”.

No final, Seguro foi ainda questionado pelo moderador sobre se equaciona uma candidatura presidencial. E optou por não responder diretamente: “A única coisa que lhe posso dizer é que sou uma pessoa livre e o facto de ter uma opinião não faz de mim candidato absolutamente a nada”.

Desta vez, o antigo líder foi “comedido” nas declarações sobre política que fez, sentenciou o próprio, recusando ir mais além nas poucas frases que disse aos jornalistas no final da sua intervenção. “Convidem-me se acharem interessante, para uma próxima…”.

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