A linha entre a competitividade num encontro de qualificação para uma fase final e num jogo particular pode ser ténue a vários níveis. No empenho, na velocidade, na própria concentração. Não existe um botão de on e off nos jogadores mas é quase inconsciente que não é a mesma coisa. Aqui entra a ação dos jogadores, a todos os níveis. Na motivação, no puxar pelos objetivos a atingir, na capacidade de manter dinâmicas positivas em qualquer compromisso de qualquer competição ou particular. Na receção à Suécia em Guimarães, Roberto Martínez tinha esse primeiro “teste”. Desde que assumiu o comando da Seleção, o espanhol fez o pleno de vitórias em dez encontros de qualificação para o Europeu tendo uma média de quatro golos por jogo mas nunca tivera a oportunidade de orientar uma partida mais para consolidar processos e testar novas opções. Também aí, num encontro que não tinha pontos, voltou a somar mais três para no futuro rentabilizar.

“Foi um teste muito importante para nós. Trabalhámos conceitos defensivos, gostei muito das novas ligações, o espírito foi muito bom. O compromisso que os jogadores mostraram foi muito bom mas agora há outros conceitos que precisamos de trabalhar e melhorar. Foi um bom exercício. Temos muita velocidade e podemos utilizar isso melhor. Não o utilizámos para penetrar na pressão mas temos a qualidade e tempo para trabalhar nisso. Gosto de equipas que gostam de pressionar alto porque o espaço para nós… Vimos isso, o Leão teve muitas oportunidades para entrar no espaço. É bom para o nosso percurso ter equipas com ideias de arriscar”, comentou Roberto Martínez depois dessa goleada por 5-2 frente aos escandinavos.

Ponto 1: a forma como Portugal mostrou que está bem mais evoluído em termos táticos desde que o técnico assumiu o comando da Seleção, assumindo diferente esquemas táticos e ideias de jogo sem descurar uma identidade forte que se encontra consolidada. Ponto 2: a maneira como Portugal conseguiu mais uma vez exibir um leque de opções que, no plano do binómio qualidade-quantidade, só teve pela última vez no início do século, por altura do Europeu de 2004 e do Mundial de 2006. Ponto 3: a facilidade com que cria oportunidades, joga no último terço e marca golos a qualquer equipa que vai encontrando pela frente exibe uma confiança e um prazer em jogar como há muito não se via. Sendo um particular, valeu três pontos. E a ideia agora passava por prolongar esse momento, no último teste antes da convocatória para o Europeu.

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“Possíveis surpresas? “Faz parte. Acho que antes da lista final há que analisar os momentos de forma dos jogadores, tudo pode acontecer. É muito importante para levantarmos alguma informação sobre os jogadores que estão aqui. Precisamos de mostrar novamente os conceitos que mostrámos frente à Suécia. É um jogo muito importante para nós e para essa lista. Agora, se a lista tiver 23 ou 25 jogadores pode haver diferenças, mas o foco é que o trabalho foi muito bom durante os treinos. Estou muito contente com a atitude e compromisso dos jogadores. Agora é uma oportunidade para mostrar isso. Vi os jogos da Eslovénia na fase de qualificação para o Europeu. À semelhança da Suécia, é uma seleção que joga com dois avançados. São uma ameaça, principalmente no contra-ataque. É uma equipa que normalmente apresenta dificuldades aos seus adversários. Será um grande teste para nós”, explicara Roberto Martínez antes da partida em Ljubljana.

Na teoria, tudo fazia sentido. Na prática, tudo perdeu sentido. Sem que nada o fizesse prever, até por manter a capacidade de controlar encontros mesmo quando não joga bem, Portugal teve a pior exibição, a pior noite no ataque e o pior resultado da era Martínez ao 12.º encontro. O que faltou? Um pouco de tudo: velocidade, mobilidade em posse, agressividade sem bola, definição no último terço e, na parte final, capacidade para ocupar espaço nas transições defensivas. Apesar de ter sido a primeira derrota com o técnico no comando, nem por isso há qualquer sinal de alarme mas aquilo que ficou provado frente a uma Eslovénia que, diante da habitual Seleção, dificilmente não sairia vergada com uma derrota, é que sem as peças que são nesta fase “as” peças nucleares como Bruno Fernandes e Bernardo Silva a equipa perde argumentos em termos coletivos e que por mais opções que possa ter à disposição só mesmo sendo fiel à sua identidade pode vencer.

À semelhança do que tem sido habitual nos jogos com Martínez, Portugal assumiu desde início o comando da partida. Com mais posse, com mais jogo no meio-campo contrário, a sair a jogar a partir de trás, a tentar dar largura com a subida dos laterais e a mobilidade dos avançados que apoiavam Ronaldo. Faltava, ainda assim, o passe decisivo no último terço. Faltava e continuava a faltar durante longos minutos num impasse que foi bem comparado pelo Goalpoint com o que se passava a essa hora na escolha do presidente da Assembleia da República, havendo só uma tentativa de remate meio atabalhoada de Sporar nos 20 minutos iniciais aproveitando uma má comunicação da defesa nacional com uma saída precipitada de Diogo Costa.

Era esse o principal problema de Portugal. Otávio teve um lance em que conseguiu furar no espaço entre o central e o lateral, parecia ter ganho posição mas caiu no relvado sem que fosse assinalada falta. Vitinha deu um toque a mais após passe de Diogo Dalot e já não foi a tempo de ganhar espaço para visar a baliza de Jan Oblak. Ronaldo, quando saía da sua zona mais central como acontece no Al Nassr, não criava desequilíbrios por fora nem abria espaços por dentro. João Cancelo chegou a aparecer no lado contrário e nas costas da defesa eslovena mas terminou também no chão num lance na área que levantou mais dúvidas mas que não deu também penálti. Se não estivéssemos na fase decisiva da época, este parecia mesmo um jogo de final de temporada mas em março, com a Seleção presa de movimentos e a jogar de forma segura mas devagar.

O intervalo chegaria sem golos e com a já habitual invasão de relvado para uma selfie com Ronaldo a ficar como o principal ponto de interesse – algo que por si só resumia o que se passou ao longo de 45 minutos. Os dois laterais portugueses, com Cancelo a cair na esquerda e Dalot a fazer o flanco direito, estavam a ter uma prestação positiva, a forma como Danilo subia ou descia com ou sem bola trazia bons resultados mas faltava algum rasgo individual que conseguisse fintar a monotonia pela falta de velocidade. Por isso, e logo durante o intervalo, Roberto Martínez quis mexer com as dinâmicas da equipa, trocando, além de Pepe (entrou António Silva), Otávio pelo estreante Francisco Conceição, numa tentativa de apostar mais no 1×1 pela direita.

Percebia-se a ideia, a aposta teve algum impacto sem continuidade e Portugal continuava a jogar demasiado lento tendo em conta aquilo que precisava para derrubar a organização defensiva contrária. Assim, e com o passar dos minutos, percebia-se que era tão ou mais provável que o perigo resultasse de um erro contrário do que por mérito da construção ofensiva. Foi isso que aconteceu, em dois momentos: António Silva teve uma saída de bola a partir de trás com excesso de confiança, perdeu a bola para Sesko e o avançado rematou forte para uma grande defesa de Diogo Costa para canto (52′), depois foi a defesa contrária quase que a devolver a gentiliza para uma recuperação em zona alta de Ronaldo, Francisco Conceição perdeu o tempo de passe para João Félix e Vitinha assistiu Ronaldo para um remate de pé esquerdo ao lado (60′).

O destino que parecia talhado para o nulo acabaria por ser furado mais tarde. Na melhor jogada coletiva de todo o encontro até esse momento, e com uma coisa que Portugal nunca teve chamada velocidade, a equipa da Eslovénia conseguiu colocar a bola nas costas de Gonçalo Inácio numa transição, Sesko antecipou-se a António Silva na área e Cerin apareceu de trás para rematar cruzado e fazer o 1-0 (72′). Pela primeira vez na era Martínez, a Seleção estava em desvantagem. Pela primeira vez no encontro, houve uma reação, aquela faísca, algo mais. João Félix acertou no poste após cruzamento de Rúben Neves na direita (75′), Vitinha teve o primeiro remate (79′). Em paralelo, e numa das raras vezes no encontro, existiam espaço nas costas dos laterais nas transições. Aliando a isso uma enorme falta de agressividade no momento sem bola, o 2-0 surgiu de uma forma quase natural, com Elsnik a aproveitar toda essa passividade na área (80′).