Aterrámos em Kuusamo, cerca de 680 km a norte de Helsínquia, num pequeno avião com turbo-hélice que é sempre uma experiência mais romântica do que voar a jato, para os apaixonados da aviação. À nossa espera no pequeno aeroporto, estavam os elementos da organização e uma frota de Mitsubishi Eclipse Cross para nos levar até ao resort Rukan Salonki, perto do limite sul da Lapónia finlandesa.
Chegamos pelas 23 horas e, depois de uma refeição ligeira com sabores escandinavos servida no chalet, ainda houve tempo para sair com os olhos no céu à procura da Aurora Boreal. As famosas Northern Lights são uma atração para qualquer visitante que se aproxime do ártico durante o inverno, constituindo mesmo um dos melhores postais ilustrados da região escandinava, a par do Sol da Meia-Noite que se observa melhor em junho e julho.
A noite passou depressa, com o fuso horário a ajudar. E de manhã, nas instalações do circuito, o programa começou com uma breve apresentação do evento pelos responsáveis europeus da Mitsubishi. Foram apresentadas as principais novidades, em particular o novo Outlander PHEV. No ar ficou também a certeza de que a marca nipónica está a desenvolver um novo SUV 100% elétrico, com estreia prevista para 2025.
Ser Mitsubishi
Os avanços na eletrificação da Mitsubishi, iniciada em 1971 com o Minica EV, foram descritos por Kentaro Honda, que mostrou como funciona o sistema híbrido plug-in. O engenheiro explicou em detalhe a arquitetura eletromecânica do Outlander PHEV, com dois motores elétricos em cada eixo, de 85 kW à frente e 100 kW atrás, bateria de 20 kWh e motor a gasolina de 2,4 litros.
É aqui que o conceito se diferencia de outros modelos híbridos. Dependendo da velocidade, potência exigida e ocupação (pessoas e carga transportada), o automóvel pode funcionar em três modos distintos. Como um elétrico, como um híbrido em série (o motor funciona apenas como gerador para fornecer energia aos motores elétricos) ou como um híbrido paralelo (o motor a gasolina e os elétricos funcionam em conjunto).
As explicações sobre a tecnologia de tração integral permanente foram dadas pelo engenheiro Kaoru Sawase, o criador do conceito que teve as primeiras aplicações no Mitsubishi Galant e levou ao desenvolvimento do primeiro diferencial com vectorização de binário, estreado no Lancer Evo IV, em 1996.
Condução mais fácil e segura
Sawase explicou as complexidades do S-AWC, realçando o nível de desenvolvimento da atual geração do sistema. Em resumo, o efeito resulta da ação sincronizada dos dois motores elétricos com o motor a gasolina, ABS e controlo de estabilidade para fornecer tração, estabilidade e facilidade de condução em qualquer tipo de piso. Com potência combinada de 248 cv e peso superior a duas toneladas, o Outlander PHEV consegue ainda assim oferecer uma autonomia de 61 km em modo elétrico.
É uma opção racional e versátil para quem procura um elétrico capaz de garantir os trajetos diários mais curtos, a bateria como se fosse um citadino. E, ao mesmo tempo, não dispensa o conforto e segurança de um SUV familiar para viagens mais longas. Tudo isto, claro, enquanto reduz as emissões de gases nocivos.
Depois do briefing, seguimos para o circuito de testes. Com a planície branca à nossa frente, tinha chegado o momento de colocar o Outlander à prova, para sabermos do que é capaz o sistema S-AWC num dos ambientes mais inóspitos para guiar.
Já é Primavera
Para os finlandeses, as temperaturas máximas de -2ºC e mínimas de -13ºC, em março, significam que a Primavera está a chegar. Frio? “Isso começa nos -20ºC, no auge do inverno”, diz um dos instrutores de serviço.
“Esqueça tudo o que sabe sobre guiar na neve com AWD”. Esta foi a primeira lição sobre o sistema S-AWC da Mitsubishi, quando peguei no volante do novo Outlander para explorar os diferentes modos de condução no circuito. Ao todo são sete, mas passamos a maior parte do teste entre os modos Neve e Lama, que se revelou o mais eficaz num piso que parecia envidraçado.
O S-AWC ajusta os níveis de potência em cada eixo para melhorar a tração ao acelerar e a estabilidade a curvar. A vectorização de binário, em ambos os eixos, envia potência para a esquerda ou para a direita, de modo a inibir o movimento lateral ao acelerar em condições escorregadias. Além disto, também reduz a oscilação do carro ao fornecer binário no lado oposto ao da curva e pode aumentá-lo conforme necessário para sair melhor, em caso de perda de aderência.
O que distingue o S-AWC?
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O sistema de tração integral All-Wheel Control (AWC) da Mitsubishi foi sendo desenvolvido ao longo de várias temporadas do Campeonato Mundial de Rally e também no rali Dakar, que a marca venceu pela primeira vez em 1985 com o saudoso Pajero. Foi também a primeira vitória de um construtor japonês naquela prova de resistência.
O sistema combina o controlo eletrónico de derrapagem (ou spin, o modo como o veículo tende a girar para a esquerda e para a direita em torno do centro de gravidade, em condições de fraca aderência) com um diferencial central ativo, ABS e controlo de estabilidade (ASC).
Tornou-se Super All-Wheel Control (S-AWC) no Lancer Evolution X, lançado em 2007, quando passou a ter a capacidade de transferir potência para as rodas da esquerda e da direita, e não apenas para frente e para trás. A tecnologia é genericamente conhecida como vectorização de binário e permite aumentar a eficácia dos veículos em pisos escorregadios com neve, gelo ou lama. No caso do S-AWC, o binário é distribuído longitudinalmente e lateralmente, melhorando significativamente a tração e o controlo da direção. O novo Outlander PHEV vai chegar ao mercado com a mesma legenda e promete elevar a experiência de condução do SUV mais crescido da marca.
O sistema híbrido plug-in conjugado com a tecnologia S-AWC do Mitsubishi Outlander PHEV comprova que não há motivo para temer a eletrificação. Há quem diga que os veículos modernos inibem a diversão, perdem o carácter e também a qualidade de construção, sendo menos fiáveis. Mas as marcas que têm um legado a defender, como acontece com a Mitsubishi, devem oferecer uma experiência de condução diferenciada em qualquer modelo da gama, dos utilitários aos SUV como o Eclipse Cross e o Outlander.
Menos volante, mais pedais
A direção responsiva inspira confiança, permitindo um controlo preciso, mesmo quando exageramos na abordagem. Quando a frente desliza, ainda que apenas ligeiramente, a eletrónica atua em frações de segundo e transfere binário para a roda frontal externa enquanto na traseira interna é aplicado um toque de travão.
Acelero, falho a travagem e entro demasiado depressa numa curva fechada. Com a frente a escorregar e os pneus à procura de gelo mais duro onde pudessem agarrar, sente-se a mão invisível do sistema S-AWC a corrigir a trajetória e a devolver-me o carro na direção certa. A arte de guiar no gelo passa por controlar a direção do carro com os pedais e não apenas com o volante. Depois é preciso olhar para longe, antecipar movimentos e prever trajetórias, porque as ações demoram mais.
A cada curva lenta entre troços mais rápidos, o carro nunca pareceu desequilibrado, apesar dos esforços para o baralhar, à procura de uma “atravessadela” ou de uma saída de pista… nada! O Outlander manteve sempre a compostura, deslizando sobre a superfície congelada. À medida que tentamos levar o carro aos limites do disparate, o Outlander demonstrou sempre uma notável capacidade de aceleração e travagem, garantindo segurança e controlo mesmo quando abusamos.
Sempre em frente, mas de lado
A extensa planície gelada foi ainda palco para uma atuação muito especial. O prometido co-drive com Niko Kankkunen a bordo de um Mitsubishi Evo X, com “apenas” 360 cv que ainda são suficientes para boas descargas de adrenalina. Foi neste modelo que o Super All-Wheel Control surgiu pela primeira vez em 2007.
Numa breve demonstração de habilidade e precisão, o filho mais novo de Juha Kankkunen mostrou-nos o seu parque de diversões privado numa série de manobras. Entre curvas rápidas e slides exuberantes, o Evo X dançou no gelo com a graça e agilidade de uma bailarina, benefício óbvio de não estar a correr contra um cronómetro.
O génio do S-AWC
É difícil não nos curvarmos diante de Kaoru Sawase quando o cumprimentamos, ainda mais quando se trata de um japonês, doutorado em engenharia e com 50 patentes registadas em seu nome. Uma propriedade intelectual que começou a ganhar forma nas estradas sinuosas das montanhas do Japão, onde nasceu.
Numa noite de revelação, Sawase perdeu o controlo do carro e despistou-se numa ravina cheia de neve. Este episódio levou-o a assumir a missão de criar um veículo com tração às quatro rodas que respondesse de forma precisa e previsível, independentemente do piso.
Sawase-san ingressou na Mitsubishi em 1988 e começou logo a mostrar serviço nesse ano com o Galant VR-4. Em 1996, desenvolveu o Active Yaw Control (AYC), o primeiro exemplo de vectorização lateral de binário que distribui a força entre as rodas de cada lado, esquerdo e direito. Estreado no Lancer Evo IV, o sistema tornou o carro muito mais rápido e seguro a curvar.
Sorridente, o engenheiro Sawase explicou que “o desenvolvimento do S-AWC vai continuar, pode haver alguma inovação nos componentes mecânicos, mas é ao nível do software, da capacidade de análise e processamento de dados que a evolução vai ser maior”.
Há 40 anos, Sawase imaginou que seria possível distribuir o binário de forma independente para cada roda. Hoje, a flexibilidade e o binário instantâneo dos motores elétricos tornam isso possível. O Outlander tem apenas dois motores elétricos, mas no futuro pode vir a ter mais um no eixo traseiro.
Finlandês voador
Os amigos apelidam-no de Kankers e também de KKK, que curiosamente é uma antiga marca alemã de turbocompressores utilizados em carros de competição, na década de 1990. Vai fazer 65 anos em abril e passa o tempo entre o Mónaco e a Finlândia, onde nos meses de inverno se dedica à Juha Kankkunen Driving Academy. Em Kuusamo, o tetracampeão mundial de ralis criou uma escola de condutores que, além das experiências e cursos de condução no gelo, realiza também eventos corporativos. Muitos pilotos vêm aqui treinar e desenvolver competências, não só de rali, mas também de Fórmula Um.
Curiosamente, Juha Kankkunen venceu o Rali de Portugal pela primeira vez a 6 de março de 1992, há 32 anos, num Lancia Delta HF Integrale. Somando 23 vitórias em ralis do mundial, o finlandês voltou a vencer a prova portuguesa em 1994 num Toyota Celica Turbo 4WD. Mais recentemente, em 2010, venceu o Rali de Portugal Revival, organizado pelo Automóvel Club de Portugal nas estradas do Algarve.
Boa moto, boa mesa
Depois de patinar nos circuitos de gelo sem perder o controlo, cortesia do S-AWC, tivemos a oportunidade de descontrair num passeio em motos de neve. O baixo centro de gravidade, os dois esquis na frente e um sistema de lagarta que fornece tração tornam estes veículos muito seguros e previsíveis, sendo considerados o melhor meio de transporte quando a neve impede a circulação de automóveis.
Com as pistas da estância de esqui de Ruka e as torres do teleférico no horizonte, fizemos um percurso de 20 quilómetros, serpenteando sobre lagos congelados, entre subidas e descidas, numa experiência que foi tão divertida quanto memorável.
Para o fecho desta crónica, breves linhas dedicadas aos foodies que estejam a pensar em visitar a Finlândia. De facto, a Mitsubishi Ice Driving Experience também foi uma experiência gastronómica na rota dos 1000 Lagos. Durante os dias do evento, a rena e o alce foram as estrelas no menu a par do salmão, arenque e truta, peixes omnipresentes na gastronomia finlandesa. Entradas compostas por saladas frias, patês, peixes marinados e o sublime carpaccio de rena ou de salmão. Várias sopas quentes e acompanhamentos vegetais de couve-flor e batata doce. Sobremesas que incluem doçaria e bolos com canela, gengibre, chocolate, arandos e o típico alcaçuz, indicado para ajudar a digestão e como anti-inflamatório. Um festim de sabores do Ártico que impressionam sempre o palato mediterrânico.
À medida que a aventura na Lapónia finlandesa chegava ao fim, sem ver uma Aurora Boreal, a certeza do regresso foi ficando tão forte como aquela paisagem etérea, envolta num manto de neve que parece abraçar-nos.