O Banco de Portugal teve em 2023 um prejuízo operacional de 1.054 milhões de euros, tendo de recorrer a provisões antigas para evitar fechar as contas globais do ano no vermelho. Este prejuízo operacional do Banco de Portugal já era esperado, dada a inversão da política monetária agressiva que existiu na zona euro até 2021/2022. Ainda assim, em abril o ministro das Finanças manifestou “surpresa, espanto e preocupação” face a este resultado operacional. Mário Centeno diz, em conferência de imprensa nesta quinta-feira: “Preparámo-nos para este momento que sabíamos que ia acontecer“. E garante que falou com Miranda Sarmento sobre este tema, mas terá sido depois da declaração do ministro.
“O resultado antes de provisões e impostos (RAPI) de 2023 foi negativo em -1.054 milhões de euros”, indicou o Banco de Portugal, acrescentando que “a materialização do risco de estrutura de balanço criou um desencontro entre a remuneração dos ativos e o custo dos passivos”. Isto é, “os títulos dos programas de política monetária apresentaram rentabilidades fixas inferiores às dos passivos de curto prazo, que são remunerados a taxas variáveis, associadas maioritariamente às taxas de política monetária, gerando uma margem financeira negativa”.
Porém, “as provisões acumuladas ao longo dos anos permitiram absorver este resultado“, diz o Banco de Portugal, explicando que foi utilizada a “Provisão para Riscos Gerais (PRG) para cobertura completa do RAPI, tornando o resultado antes de impostos (RAI) nulo“. Ou seja, a conta global de lucros/prejuízos ficou em zero, graças ao consumo de parte da provisão.
O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, disse em meados de abril, no Parlamento, que tinha recebido com “surpresa, espanto e preocupação” a notícia de que o Banco de Portugal (BdP) iria registar um prejuízo operacional superior a mil milhões de euros, uma informação que “não estava na pasta de transição” que recebeu de Fernando Medina.
Apesar desta declaração de Miranda Sarmento, os prejuízos operacionais não só do Banco de Portugal como de praticamente todos os bancos centrais da zona euro foram um fenómeno amplamente noticiado desde o início deste ano e até antes.
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Centeno diz que “obviamente” falou com Miranda Sarmento (e Medina) sobre perdas
Sobre esta polémica, Mário Centeno diz que sempre “foi tornado público, bastante público, aquilo que é a evolução destas dimensões no Banco de Portugal”. O governador do Banco de Portugal lembra que “o único detentor do capital [do supervisor] é o Estado, apresenta as contas ao Ministério das Finanças dentro dos prazos legais, fê-lo desta vez, também, portanto não houve nenhuma descontinuidade na normalidade institucional”.
Mário Centeno acrescentou que “obviamente eu falei com o anterior ministro [Medina] e com o atual ministro [Miranda Sarmento] sobre esta matéria“. “Eu falo com muitas pessoas, com todas as pessoas, na verdade”, disse Centeno.
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Questionado pelo Observador na conferência de imprensa, Mário Centeno recusou dizer exatamente quando é que transmitiu esta mensagem a Miranda Sarmento (se foi antes ou depois de 11 de abril, o dia em que Miranda Sarmento manifestou a sua surpresa).
“Eu não vou revelar a minha agenda com o sr. ministro das Finanças“, afirmou Centeno, acrescentando que “após a tomada de posse” o governador do Banco de Portugal solicitou “uma audiência que foi bastante produtiva, durou mais do que cinco minutos, e todos estes temas foram abordados”.
O Governo de Luís Montenegro tomou posse a 2 de abril. Um outro jornalista insistiu nesta questão e Centeno disse que “não há nenhuma razão para concluir que foi antes” da declaração do ministro das Finanças”. “Na verdade, não foi”, acrescentou Centeno.
Caberá ao ministro das Finanças decidir se Mário Centeno irá renovar o mandato de governador do Banco de Portugal, mandato que termina no verão de 2025. Centeno diz que “falta mais de um ano” e “é um evento que ainda vem bastante no futuro”.
“O mandato de governador do Banco de Portugal é muito exigente, embora tenha estes momentos de grande prazer que é estar aqui convosco”, disse Centeno, dirigindo-se aos jornalistas. “Acho que há aqui um grande trabalho a fazer e seguramente que nos vamos ver muitas vezes aqui até junho de 2025”.
Centeno: “Preparámo-nos para este momento, que sabíamos que ia acontecer”
Mário Centeno, em conferência de imprensa em Lisboa, nesta quinta-feira, desvalorizou estes resultados operacionais negativos lembrando que, além de serem “esperados” dada a influência da política monetária, “o Banco de Portugal não existe em função dos seus resultados, existe em função da sua missão de controlo da inflação e preservação da estabilidade financeira”.
“Preparámo-nos para este momento que sabíamos que ia acontecer“, diz Mário Centeno, salientando que os “bancos centrais estão perfeitamente equipados para enfrentar este desafio”.
Os resultados do Banco de Portugal têm sido moldados pelas decisões de política monetária, que incluem programas com uma dimensão nunca vista de compra de ativos, de cedência de liquidez e, em 2023, muito marcada pelas decisões de taxas de juro. O conjunto destas componentes determinam não só a dimensão do balanço do banco, que atingiu valores máximos de muitos anos mas está a reduzir-se em virtude das decisões de política monetária”, diz o Banco de Portugal
A expectativa do Banco de Portugal é que “estes resultados se mantenham negativos nos próximos anos, retomando valores mais próximos do equilíbrio a partir de 2026“. “Mas isto não é uma previsão”, diz Mário Centeno, repetindo que “a função do Banco de Portugal é o combate à inflação. Os resultados virão a seguir e não interagem com as decisões de política monetária”.
O custo daquilo que no balanço do Banco de Portugal é passivo “está muito associado às taxas diretoras da política monetária, reflete diretamente essas taxas diretoras (a taxa dos depósitos e a taxa das operações de refinanciamento aos bancos)”. Os dados apresentados nesta quinta-feira dizem que a rendibilidade dos ativos do Banco de Portugal rondou no final de 2023 os 1,5%, ao passo que o custo do passivo aumentou para 2,14%.
É isso que justifica os resultados do último ano, afirma Mário Centeno, indicando que, por força daquilo que é determinado pelo Banco de Portugal, “há uma redução do balanço, de 13 mil milhões de euros, para um pouco menos de 185 mil milhões de euros (184.848 milhões)”.
Neste contexto, por ter sido parcialmente utilizada em 2023, a provisão para riscos gerais baixa de 3.912 milhões de euros para 2.858 milhões de euros, uma “almofada que foi criada ao longo do tempo mesmo para a situação em que hoje nos encontramos”. Além disso, diz Mário Centeno, “há outras reservas que o Banco tem, um valor próximo de dois mil milhões de euros”
Ou seja, garante o governador do Banco de Portugal, esta “movimentação das provisões não coloca nenhuma dificuldade à gestão da situação patrimonial do Banco de Portugal por razão daquilo que foi a preparação que o Banco de Portugal fez com vista a este momento”.
Porque é que os bancos centrais têm prejuízos (operacionais)?
O que está em causa é que durante a era das taxas de juro negativas, nos últimos anos, os bancos centrais passaram a cobrar juros aos bancos comerciais quando estes lá “parqueavam” a sua liquidez excedentária – ou seja, passou a ser uma receita para o Banco de Portugal aquilo que em tempos normais seria uma despesa. Mas, agora, voltou-se à normalidade: os bancos centrais do Eurossistema não só deixaram de cobrar juros como já estão a pagar aos bancos (comerciais) por esses depósitos.
A margem financeira do Banco de Portugal também está a ser pressionada pelas rendibilidades muito baixas (até negativas) dos títulos de dívida portuguesa que esteve a comprar nos últimos anos. Foram essas compras de dívida, iniciadas em 2015 e intensificadas na pandemia, que engordaram o balanço do banco central para mais de 100 mil milhões de euros.
Muito devido à própria ação dos bancos centrais, que ajudaram a comprimir os juros dos países através das suas compras, nos últimos anos os Estados conseguiram emitir novas séries de dívida com juros anuais (fixos) muito baixos – e boa parte desses títulos, depois de ser vendida a investidores privados, acabou no balanço do banco central e por lá continua (a render muito pouco).
Foi diferente nos primeiros anos desses controversos estímulos monetários. No início, os títulos de dívida pública portuguesa que o Banco de Portugal comprava no mercado (a investidores privados) contemplavam o pagamento de juros anuais mais elevados e, por outro lado, o Banco de Portugal comprava-os a desconto em relação ao chamado par.
O par é o capital que o Estado português teria de reembolsar (e reembolsou, a 100%, à medida que os títulos foram atingindo a maturidade). Mas porque o banco central os comprou a desconto, isso maximizou a mais-valia – e foi por este duplo efeito é que as compras de dívida foram muito rentáveis para o Banco de Portugal e, em diferentes medidas, para a generalidade dos bancos centrais da zona euro.