O Patriarcado de Lisboa diz estar a acompanhar de perto o caso das supostas agressões contra uma criança nepalesa numa escola na zona de Lisboa, que foi denunciado esta semana por uma instituição da Igreja Católica e sobre o qual têm surgido várias informações contraditórias no espaço público.

“O Patriarcado de Lisboa acompanha em geral todas as instituições por si tuteladas. Estas gozam de autonomia para a tomada de decisões no dia-a-dia e o Patriarcado de Lisboa está sempre disponível para as acompanhar, sem prejuízo da sua autonomia”, disse ao Observador fonte oficial do Patriarcado de Lisboa, entidade com a tutela canónica do CEPAC.

“No caso do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), o diretor do departamento responsável por estas instituições já se encontra em contacto para acompanhar da melhor forma a situação. Por seu turno, o CEPAC mostra-se totalmente disponível para o diálogo com as autoridades competentes, quer no foro civil, quer eclesiástico”, acrescentou a mesma fonte da diocese liderada pelo patriarca Rui Valério.

Enquanto PSP recolhe dados, Ministério da Educação nega agressões a aluno nepalês. Além de reforço policial, monitorização passa pelas redes

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O caso surgiu na terça-feira, quando a Rádio Renascença noticiou que um menino nepalês de nove anos tinha sido “vítima de linchamento” numa escola de Lisboa. A notícia da Renascença baseava-se nas declarações de Ana Mansoa, a diretora executiva do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), uma instituição da Igreja Católica que se dedica ao acompanhamento de imigrantes em Portugal.

“O filho de uma senhora acompanhada pelo CEPAC, que tem nove anos, e que é uma criança nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. Foi filmado e divulgado nos grupos do WhatsApp das crianças”, contou Ana Mansoa àquela rádio, explicando que a criança ficou com “hematomas pelo corpo todo”. Os ferimentos foram tratados pela mãe da criança, que “teve medo e quis evitar ir a um hospital ou centro de saúde”.

[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]

Segundo a mesma versão, a família da criança agredida teria acabado por pedir transferência de escola, enquanto as crianças agressoras (que terão gritado expressões como “vai para a tua terra” ou “tu não és daqui”), foram punidas de forma leve: uma delas foi suspensa por três dias pela escola. A escola não terá denunciado o caso — e a própria família também não apresentou queixa às autoridades, por medo de sequelas. As agressões tiveram um forte impacto psicológico no menor, que “acorda de noite com pesadelos e a chorar”, e recusa ir para a escola.

Na notícia original, não foi identificada a escola onde as agressões ocorreram. A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, anunciou um reforço do policiamento junto das escolas portuguesas na sequência do caso. Contudo, nas horas que se seguiram à publicação da notícia, surgiram várias informações contraditórias que lançaram a confusão em torno do caso.

Questionado pelos jornalistas, o Ministério da Educação esclareceu na quarta-feira que não tinha conhecimento do caso. Segundo uma comunicação escrita do gabinete do ministro Fernando Alexandre, os serviços do ministério “contactaram a associação que denunciou o alegado episódio [à Renascença], tendo esta inicialmente recusado colaborar”.

“Após insistência, os serviços da DGEstE conseguiram apurar o estabelecimento de ensino em que a suposta agressão teria ocorrido, que afirmou desconhecer qualquer agressão”, explicou o Ministério da Educação. “Contactada a escola em causa, na Amadora, a direção informou que os únicos alunos de nacionalidade nepalesa a frequentar o Agrupamento estão no Ensino Secundário. Informou ainda desconhecer por completo o alegado episódio ou qualquer situação semelhante, não tendo inclusive recebido qualquer participação sobre um ato idêntico.”

Governo reforça “policiamento junto das escolas” após agressão a aluno nepalês em escola de Lisboa

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, também se pronunciou de viva voz sobre o caso, afirmando aos jornalistas que, “à partida”, o caso teria ocorrido “fora da escola”.

Já depois destes desenvolvimentos, o CEPAC voltaria a pronunciar-se sobre o caso, apenas através de comunicados escritos. Num primeiro momento, a organização garantiu que já participou o caso às autoridades, a quem cabe “fazer o seguimento da situação”. Num segundo momento, o CEPAC explicou que a sua diretora contou o caso à Renascença durante uma “conversa telefónica, que se teve de boa-fé”.

Ana Mansoa foi questionada pela Renascença sobre “casos concretos que sustentassem a preocupação manifestada em relação ao aumento de atitudes e comportamentos racistas e xenófobos e à urgência de combater o discurso de ódio, em particular contra as pessoas migrantes”. Na resposta, durante a conversa telefónica, “foi referido como exemplo, de memória, o caso em questão, conforme artigo e declarações gravadas que vieram, parcialmente, a público”.

O CEPAC informou ainda que “não prestará mais declarações sobre o caso aos meios de comunicação social” e apelou “ao respeito pela privacidade da criança e sua família e demais partes envolvidas”.

Já esta quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República confirmou ter recebido uma denúncia, mas disse que a única nacionalidade indicada é a da mãe da vítima — que não é nepalesa.

Supostas agressões a aluno nepalês. PGR confirma ter recebido denúncia, que refere apenas a nacionalidade da mãe: e não é nepalesa

O Observador questionou o CEPAC através de Ana Mansoa e da responsável pelo gabinete de comunicação, no sentido de clarificar os contornos do caso na sequência das informações contraditórias trazidas a público pelo Ministério da Educação. Nenhuma das duas responsáveis respondeu às mensagens ou atendeu o telefone.

O Patriarcado de Lisboa, por seu turno, confirmou ao Observador estar a acompanhar o caso de perto. “O Patriarcado de Lisboa lamenta todo o tipo de violência, para mais quando acontece com crianças e jovens, quer em ambiente escolar, quer em outros contextos. Alerta que este é um tema sério, que deve ser tratado com toda a diligência, mas também protegendo a privacidade das vítimas”, disse o porta-voz do Patriarcado ao Observador.

O Centro Padre Alves Correia é uma instituição fundada em 1992 pela Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo. Pelos seus estatutos, está “sujeito à vigilância do Patriarcado de Lisboa” nos termos do Código do Direito Canónico.

O CEPAC presta “acolhimento e apoio a imigrantes, particularmente os provenientes dos países de língua portuguesa”, apoiando também a “integração social e comunitária de outras populações em situações de exclusão social”. O foco geográfico do CEPAC situa-se preferencialmente nos “bairros degradados da cidade de Lisboa e sua periferia”.