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"Vão chamar-nos de heréticas e loucas". 16 freiras de Burgos rompem com a Igreja Católica por questão imobiliária

Este artigo tem mais de 6 meses

Freiras de Belorado e de Ordunã, em Espanha, já não estão em comunhão com o Vaticano e aliam-se a religioso excomungado. Tudo por Igreja não permitir a compra de um convento e suposta "perseguição".

As freiras de Burgos já não estão em comunhão com o Vaticano e não reconhecem o Papa Francisco como legítimo
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As freiras de Burgos já não estão em comunhão com o Vaticano e não reconhecem o Papa Francisco como legítimo

PAULO CUNHA/LUSA

As freiras de Burgos já não estão em comunhão com o Vaticano e não reconhecem o Papa Francisco como legítimo

PAULO CUNHA/LUSA

As clarissas dos conventos espanhóis Santa Clara de Belorado, em Burgos, e de Ordunã, em Biscaia, romperam com a Igreja Católica. Não reconhecem o Papa Francisco como legítimo, nem a Igreja Conciliar como Católica, já não estão em comunhão com Roma e afirmam sofrerem de “perseguição” por parte de superiores. A diocese fala de um “ataque de cisma”.

Não foi nas portas do convento que penduraram o aviso: as freiras optaram pelo digital para divulgar, esta segunda-feira, um manifesto e uma carta de abandono, em que deixam clara a rutura com o Vaticano. Tudo, alegadamente, por causa da rejeição da venda de um mosteiro.

“A partir de hoje, dia de Nossa Senhora de Fátima do ano de 2024, a nossa comunidade (Belorado e Orduña), saindo da Igreja Conciliar a que pertencia, passa a fazer parte da Igreja Católica sob a tutela e jurisdição do seu Ilustre Reverendo Dr. Dom Pablo de Rojas Sánchez-Franco, Bispo legítimo da Santa Igreja Católica”, afirmam num manifesto de 70 páginas, assinado pela irmã Isabel de la Trinidad, madre abadessa das Clarissas. Segundo a publicação, o manifesto é subscrito por todas as 16 freiras pertencentes à Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara. No entanto, o Arcebisco de Burgos, Mario Iceta, defende que deve ser averiguado se esta declaração é unânime.

As freiras, conhecidas pelos seus doces (chocolates e trufas), já participaram em competições como o Madrid Fusión e até fazem parte do cardápio de restaurantes com estrelas Michelin. Agora detalham o desconforto que sentem dentro da Igreja Conciliar: “Vão chamar-nos de heréticas e cismáticas, loucas e muitas outras coisas, muito caluniosas e desagradáveis. Não acreditem, pelo menos desta vez, não se deixem enganar”.

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[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]

Os textos divulgados pelas religiosas são longos e repletos de acusações polémicas. Questionam o “silêncio obstinado” e “aquiescência dos pastores, deixando-as sozinhas, sem proteção ou defesa contra os lobos”. Além disso, apontam para um “caos doutrinário e moral”,  “uma dúvida sobre quem dirige o barco de Pedro e os seus colaboradores imediatos” e referem mesmo que a “Igreja Conciliar não é a Igreja Católica”.

Por fim, acusam Francisco de heresias e defendem que Pio XII, que morreu em 1958, foi o último Papa legítimo, reiterando ainda que o atual direito canónico e catecismo são “heréticos, anticanónicos, ilícitos e inválidos”. “Deus nos salve dos lobos em pele de cordeiro!”, lê-se no final do manifesto.

As razões da rutura com a Igreja e união a bispo excomungado

Além de tudo, as freiras acusam Roma de bloqueio e de não querer atribuir-lhes “uma licença para vender o convento de Derio”, que é sua propriedade desde 2013. As religiosas tencionavam vender o convento para fazer face à compra do Mosteiro de Ordunã, da mesma congregação das freiras, mas localizada em Biscaia, para onde foram transferidas em 2020.  — que ocuparam sem pagar os devidos valores acordados com a comunidade —, bem como de rescindirem o contrato de venda “sem aviso prévio”, após três anos.

“Eles colocaram um freio na nossa comunidade em todas as frentes: na sua fama e no seu avanço, nas suas decisões, nos seus empregos, nos seus mais velhos, seus parentes e, finalmente, na sua vida e na sua paz”, afirmam.

“Essa coisa de propriedade deve ser muito doce para alguns, porque são pano de fundo para as artimanhas a que temos sido submetidas nos últimos anos. É um modus operandi, desmantelar comunidades ‘tradicionais’ e manter as suas propriedades para as vender. Já ouvimos falar de alguns casos”, sustentam ainda as freiras.

A arquidiocese de Burgos confirma, em comunicado, publicado poucas horas depois do anúncio, que este distanciamento deve-se, assim, à questão imobiliária envolvendo a compra e venda dos mosteiros, referindo que as freiras concordaram em comprar o mosteiro de Ordunã, por 1,2 milhões de euros. Primeiramente, contribuíram com 100 mil euros e depois comprometeram-se a fazer pagamentos regulares, que acabaram por não acontecer.

“Em março de 2024, Irmã Isabel afirma que tem um benfeitor que vai comprar e colocar o Mosteiro em nome do próprio benfeitor, eles farão um acordo de uso e revenderão para a comunidade de Belorado quando obtiverem o valor junto ao venda do Mosteiro de Derio”, lê-se no comunicado, que preocupou o sacerdócio por “suspeitas de que esta pessoa estaria fora da Igreja Católica”.

Os pedidos para saber o nome não foram atendidos e foi, desta forma, decidido rescindir da compra e venda do convento de Derio. Neste sentido, as freiras alegam que o contrato de venda foi rescindido sem aviso prévio. O assunto está agora em tribunal desde o início do mês e sem solução à vista, depois de a Irmã Isabel,  ter entregue, no notário a convite de resolver a rescisão, “um documento exigindo 1.600.000€ como pagamento pelo valor das obras realizadas pela sua comunidade no Mosteiro de Orduña e 30% por danos”.

A rebelião das freiras, liderada pela irmã Isabel, deixa assim de reconhecer autoridade ao bispo de Burgos e coloca-se sob a jurisdição de um bispo excomungado, Pablo de Roja.

A eleição da nova abadessa estava marcada para este mês, no dia 29, e, depois de ter esgotado todas as possibilidades de acordo com o direito canónico de reeleição, a irmã Isabel precisava de autorização expressa do Vaticano, segundo a Arquidiocese de Burgos.

Quem é o Pablo de Roja?

No momento, Pablo de Rojas Sánchez-Franco é considerado pelas religiosas como “bispo legítimo da Santa Igreja Católica”, apesar de ter sido excomungado — por celebrar sacramentos na diocese sem poder fazê-lo — por Maria Iceta, arcebispo de Burgos e bispo de Bilbao, em 2019, através de um comunicado publicado no site da Diocese de Bilbao.

Autoproclamado bispo, Rojas é um dos fundadores da Pía Unión de Santiafo Apóstol, existente desde 2005 na região de Bilbao e Palência e considerada uma seita segundo a Igreja Católica, a quem as 16 freiras prometeram obediência, refere o El País. Já de acordo com o jornal El Independiente, é apresentada  como “uma espécie de Milícia Guerreira predestinada a se destacar acima de tudo o que existe”.

Ainda segundo o mesmo jornal, na sua biografia, Rojas procura deixar claro estar numa boa posição económica, ser proveniente de origens nobres e de uma família que se dedicou “durante séculos” à ourivesaria. No entanto, neste momento, o negócio das joias deu espaço à área imobiliária. De acordo com o El Mundo, dentro da hierarquia da Igreja desta região, teoriza-se que Pablo de Rojas poderia ser o benfeitor da compra do convento, com a promessa da Irmã Isabel continuar à frente do grupo das freiras.

site da doutrina que lidera esclarece que não é uma ordem religiosa, mas uma “União Pia”, tal como indica o nome. Porém, não é aberta a todos, apenas aos católicos que se sentem abrangidos pela causa pré-conciliar. A sua estrutura organizacional inspira-se na do Opus Dei, onde teve a sua formação académica.

O religioso conta com o apoio financeiro de alguns fiéis. Nas redes sociais e no seu site, onde aparece praticamente sozinho, divulga, em todas as publicações, informações de como os seguidores pode contribuir para a manutenção do seu grupo, referindo até que as contribuições podem ser deduzidas nas declarações de imposto de renda.

Diocese “perplexa” com o afastamento

Em resposta aos afastamento da freiras, a arquidiocese de Burges mostra “perplexidade” ao manifesto. Afirma que as religiosas “nunca” manifestaram “qualquer desacordo”, referindo ainda que os documentos que anunciam a saída ainda não foram recebidos de forma oficial e confiável.

Neste momento, a diocese está empenhada em “ter um diálogo para esclarecer os factos”, na tentativa “de reverter esta situação”, afirma Mario Iceta, arquebispo de Burgos e bispo de Bilbao, durante uma conferência que aconteceu também poucas horas depois da divulgação do manifesto. Além disso, explica que nem os “pastores” — termo utilizado no manifesto —, nem o presidente federal têm competências para impedir pagamentos ou rescindir o contrato de venda dos mosteiros, dado que é da responsabilidade das partes contratuais.

Para mais, Iceta refere que todas as solicitações das religiosas “foram atendidas, seja no que diz respeito à realização de retiros, formações ou assistência espiritual de qualquer natureza” durante uma conferência poucas horas depois. Alerta ainda sobre a “gravidade” do ato e a pena canônica de “cisma” em que incorrem, já que, desde 24 de abril, foi iniciada uma investigação preliminar dentro dos mosteiros, em resultado de uma “suspeita de uma possível prática do crime”.

O arcebispo de Burgos deixou claro que agora vai seguir as instruções da Santa Sé e pediu aos fiéis para se absterem de participar em qualquer ato litúrgico realizado nos mosteiros de Santa Clara, em Belorado e em Ordunã.

Os pedidos do arcebispo não foram atendidos e clericais participaram, esta terça-feira, numa cerimónia religiosa, realizada no convento em Belorado, mas por um dos seguidores de Pablo de Rojas, noticia o El Mundo. Além disso, o movimento de rebelião das freiras criaram nos últimos dias um site e publicaram fotografias da missa, com a data do dia  14, de forma a comprovar todos os seus atos futuros de uma forma oficial.

Apesar disso, a Agência EFE destaca que, na tarde de segunda-feira, os fiéis não tiveram tanta sorte e os que se deslocaram para assistir à missa programada para as 18h encontraram tanto o portão como a porta da igreja fechados. Também o mosteiro está agora encerrado, com uma placa de proibição de entrada.

Clarissas de Burgos quebram o silêncio no Instagram

A trama que envolve as freiras de Burgos parece estar longe de acabar. O último novo capítulo aconteceu esta terça-feira à noite, quando as freiras publicaram um vídeo caseiro na rede social Instragram, explicando que as religiosas ainda se encontram  no convento, fechado desde segunda-feira.

“Paz e bons irmãos, estamos na pousada San Damián, no convento de Santa Clara de Belorado, a nossa casa. Temos intenção de comunicar, pelas preocupações que recebemos, que estamos bem, que a nossa realidade não é que sejamos raptados e longe das nossas famílias”, afirma a feira, nos primeiros segundos da gravação.

A protagonista do vídeo termina o mesmo com a garantia que as irmãs não abandonam a Igreja Católica e que nos próximos dias haverá mais desenvolvimentos: “Iremos compartilhar pouco a pouco convosco a nossa experiência, o nosso desejo de ser fiéis à verdade de Cristo, à fidelidade, à fé, à doutrina da igreja católica, não iremos sair da Igreja, vamos explicar, então tenha paciência enquanto vamos explicar e a realidade que temos é poder mostrar-vos que temos descoberto, a verdade e o abraço com Cristo”. Desta forma, reforçam que futuros possíveis pronunciamentos serão feitos através desta conta, que administram. A primeira publicação é uma fotografia, sem descrição, do convento, com a data de sábado.

Depois do vídeo, partilharam ainda uma fotografia sorridentes com familiares,  reforçando a mensagem de polémica com a descrição: “Irmãs chamadas ‘cismáticas’, presas, sequestradas, manipuladas e longe das suas famílias”. Já, esta quarta-feira à tarde, publicaram um segunda parte do vídeo, com a mesma freira do primeiro vídeo, a mostrar as restantes irmãs, mais uma vez, alegres junto do familiares, que surgem na imagem partilhada antes.

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