A coordenadora do Grupo VITA disse esta terça-feira que o Presidente da República se mostrou “surpreendido” pela abrangência do trabalho desta estrutura criada pela Conferência Episcopal Portuguesa, que recolhe testemunhos e desenvolve apoio às vítimas de abuso no seio da Igreja.

“O senhor Presidente mostrou-se muito recetivo ao nosso trabalho, surpreendido até pela abrangência do mesmo, pelo facto de ser uma abrangência nacional, e pelo facto de estarmos a trabalhar com as vítimas, mas também com os agressores”, disse Rute Agulhas à agência Lusa, minutos depois de uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, quando se completa um ano de trabalho do Grupo VITA.

Segundo a psicóloga, além da “surpresa pela positiva”, o chefe de Estado terá também reconhecido “a necessidade de prevenir a reincidência” e colocado o foco “na área da prevenção e na área da capacitação” das estruturas da Igreja.

Marcelo Rebelo de Sousa terá salientado, por outro lado, “a importância da pedagogia” e defendido que “o Grupo VITA deve pensar em criar, a médio prazo, uma estrutura que permita garantir a continuidade deste trabalho”, por forma a que este não seja um grupo “com uma data-limite e com um fim anunciado”, disse Rute Agulhas.

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“Nós temos efetivamente um fim anunciado. Fizemos uma estimativa a três anos, mas entendo que deve ser criada uma estrutura de permanência, de continuidade e, até, eventualmente de expansão”, acrescentou a coordenadora do Grupo VITA, frisando que o Presidente da República, neste capítulo, focou “a importância de se pensar em que medida é que o Estado pode intervir e assumir um papel importante”.

Segundo Rute Agulhas, “no fundo, [apontando à] criação deste tipo de resposta mais especializada, quer para vítimas, quer para agressores, quer numa perspetiva de prevenção primária. Mas aí, naturalmente, uma resposta mais transversal a todos os contextos da sociedade”.

Por outro lado, no encontro desta tarde no Palácio de Belém foi sublinhada a lacuna de não existirem ainda, em Portugal, um estudo de prevalência “que permita perceber a realidade deste fenómeno” dos abusos sexuais, bem como um estudo de reincidência, “tendo em conta as pessoas que cometem crimes de natureza sexual e depois tem algum tipo de pena, seja ela qual for”.

À saída da reunião com Marcelo Rebelo de Sousa, mostrou-se satisfeita, destacando a concordância do Presidente da República à proposta de uma “estratégia nacional” para o combate aos crimes de violência doméstica, bem como de apoio às vítimas e agressores.

Sobre o trabalho feito desde que foi criado, o Grupo VITA reconhece que “há ainda muito a fazer”, mas que o caminho feito tem sido positivo e “as pessoas hoje confiam nas comissões diocesanas [de proteção de menores e pessoas vulneráveis] mais do que confiavam há um ano”.

Por outro lado, “algumas estruturas da Igreja têm-nos dito que entendem que vai ser sempre necessário haver um Grupo independente, um Grupo autónomo de profissionais com o qual as pessoas possam partilhar” os seus problemas e fazer as suas denúncias.

Na segunda-feira, o Grupo VITA revelou que já existem 32 pedidos de indemnização apresentados por vítimas de abusos sexuais sofridos ao longo das últimas décadas no contexto da Igreja Católica portuguesa.

“Trinta e duas vítimas pediram, até ao momento, uma compensação financeira – pedidos que, tal como já adiantado pela Conferência Episcopal Portuguesa [CEP], poderão ser formalizados entre junho e dezembro de 2024, de acordo com critérios a anunciar brevemente”, lê-se na nota enviada à comunicação social pela estrutura coordenada pela psicóloga Rute Agulhas, quando há cerca de três meses (17 de fevereiro) existiam apenas 12 pedidos.

Grupo Vita revela que 12 vítimas de abusos avançaram com pedidos de indemnização à Igreja

De acordo com o comunicado, que assinala um ano da entrada em funcionamento, em 22 de maio de 2023, o Grupo VITA já recebeu 98 pedidos de ajuda de vítimas de violência sexual, que se traduziram em 60 atendimentos (presenciais ou online) e no acompanhamento psicológico regular de 18 pessoas por profissionais da bolsa de especialistas que foi criada.

No dia 18 de junho, em Fátima, o Grupo VITA apresentará o seu segundo relatório de atividades.

Criado em abril de 2023, o Grupo VITA pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (915090000) ou do formulário para sinalizações no ‘site’ www.grupovita.pt.

O Grupo VITA surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.