O ex-diretor da EMEF Francisco Fortunato sugeriu esta quarta-feira que nenhuma norma foi cumprida na indemnização de 80.000 euros paga pela CP à atual secretária de Estado da Mobilidade, considerando que o processo lesou o interesse público.
“Nenhuma norma foi cumprida, a indemnização paga pela CP foi, em minha opinião, um ato de má gestão lesivo do interesse público, feito à total revelia dos normativos existentes e da política de austeridade então aplicada pelo Governo à generalidade dos trabalhadores”, afirmou Francisco Fortunato, em audição na comissão parlamentar de Economia, Obras Públicas e Habitação.
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O antigo diretor de logística da empresa que repara os comboios (EMEF) lembrou que tinha denunciado a questão da indemnização paga à então administradora da CP — Comboios de Portugal em 2015, no âmbito de uma rescisão por mútuo acordo, considerando que o processo tem “contornos nebulosos”. Francisco Fortunato foi dirigente sindical.
Francisco Fortunato lembrou que, na altura, no âmbito das políticas de austeridade do governo liderado por Pedro Passos Coelho, as rescisões por mútuo acordo nas empresas públicas eram possíveis apenas em casos muito especiais, para pessoas com idade mínima de 55 anos, com incapacidade física definitiva para o exercício da atividade profissional e nos casos de extinção do posto de trabalho sem possibilidade de reconversão noutras funções.
“A saída de Cristina Dias não era considerada pela empresa como um caso muito especial”, vincou o ex-diretor da EMEF.
Francisco Fortunato apontou ainda que o início de um processo de rescisão por mútuo acordo carece de um parecer de um superior hierárquico.
“Sendo Cristina Dias administradora, não havia hierarquia. Terá sido Cristina Dias a dar parecer positivo à saída de Cristina Dias da empresa?”, questionou o ex-responsável.
O Público noticiou que Cristina Pinto Dias, atual secretária de Estado da Mobilidade, saiu da CP em julho de 2015, com uma indemnização de cerca de 80.000 euros, e foi depois para a administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), convidada pelo governo PSD/CDS-PP. Confrontado com a polémica depois de ter sido escolhida para secretária de Estado da Mobilidade, numa das primeiras conferências de imprensa deste Governo, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro comentou que “é uma indemnização igual a perto de 400 trabalhadores e dentro de um programa aberto durante quatro anos com regra aplicáveis a todos”, disse Leitão Amaro.
O ministro defendeu que Cristina Pinto Dias recebeu a sua indemnização com base em 18 anos de trabalho na CP e que até se lhe aplicou “o mais baixo dos dois salários que poderia ser ponderado”, como técnica superiora e não como administradora, cargo que exercia quando deixou a empresa.
Leitão Amaro salientou ainda que, como deixou a CP para integrar um órgão regulador, “perdeu o direito de regressar à empresa onde estava para garantir a ética e a seriedade”.
“Não há comparações possíveis quanto a cenários discutidos no passado”, disse, numa alusão implícita ao caso da ex-administradora da TAP Alexandra Reis, que recebeu cerca de meio milhão de euros, caso que acabou por provocar a demissão no anterior governo do ex-ministro das Infraestruturas e atual secretário-geral do PS Pedro Nuno Santos.
Tal como o Observador avançou, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, foi informado sobre indemnização que a sua secretária de Estado recebeu da CP antes de ir para o regulador e não viu ilegalidade.
Na audição deste quarta-feira, Francisco Fortunato, que trabalhou com Cristina Dias, disse que a antiga administradora, tendo sido convidada para a AMT, não podia ficar na CP e “encontrou uma forma de ter um pé de meia”.
Esteve também agendada a audição da ex-diretora de Recursos Humanos da CP, Marta Pereira, mas, segundo o deputado do Chega Filipe Melo, a antiga responsável recusou o convite. Francisco Fortunato considerou que seria “extraordinariamente difícil” que Marta Pereira prestasse esclarecimentos ao parlamento, porque, apontou, “não há nenhuma intervenção direta dos Recursos Humanos no processo” de Cristina Dias.
O deputado do PSD Gonçalo Laje citou uma lista dos trabalhadores que saíram da empresa ao abrigo do programa de rescisões e avançou que abrangeu 52 técnicos superiores, de várias idades e categorias profissionais, o que causou celeuma, com o deputado Filipe Melo a adiantar que o seu grupo parlamentar pediu documentos à CP, em 03 de maio, que ainda não recebeu.
Já o grupo parlamentar do PSD pediu informações ao Governo na terça-feira ao final do dia e recebeu os documentos, incluindo a referida lista, horas antes do início da audição.
Depois da audição, durante a reunião da comissão parlamentar, o deputado Filipe Melo explicou que tinha havido um erro do seu grupo parlamentar, que não tinha pedido os documentos da CP em forma de requerimento aos serviços da comissão, razão pela qual não foi feito qualquer pedido à CP pelos serviços.
Já o deputado do PS José Carlos Barbosa perguntou ao PSD onde está o estudo a indicar que a secretária de Estado da Mobilidade era excedentária na CP.
Em resposta ao PSD, Francisco Fortunato considerou “curioso que se queira dar a entender que a doutora Cristina Dias, técnica superior, podia ser considerada excedentária”.
“Eu considero a doutora Cristina Dias uma excelente quadro, uma pessoa extremamente competente, como uma pessoa que conheço, que foi minha presidente, com quem eu lidava na EMEF, portanto não lhe faço essa injustiça”, apontou o ex-diretor.
E acrescentou: “Por ser um excelente quadro é que não percebo e não compreendo como é que a CP lhe vai pagar uma indemnização, parece então que a CP não a queria”.
Francisco Fortunato disse ainda ter ficado surpreendido ao saber que a CP ainda não disponibilizou os documentos requeridos pelo parlamento e garantiu aos deputados que o tema ficará esclarecido quando receberem a ata da reunião em que foi decidido o pagamento de uma indemnização de 80.000 euros à atual governante. “Os senhores vão ficar surpreendidos”, assegurou.