O líder da Comunidade do Bangladesh em Lisboa, Rana Taslim Uddin, desafia o cabeça-de-lista do Chega às eleições europeias, António Tânger Correia, a apresentar “provas” da alegação de que dois “partidos islâmicos proibidos no Bangladesh” teriam supostamente realizado uma “cimeira” em Lisboa no dia 11 de maio.

A alegação foi feita por Tânger Correia esta quinta-feira durante um debate frente-a-frente com o cabeça-de-lista do PAN, Pedro Fidalgo Marques, realizado na Rádio Observador. O debate está disponível em podcast e pode ser escutado na íntegra aqui. As declarações em causa aconteceram a partir dos 17 minutos e 30 segundos.

“No dia 11 de maio, em Lisboa, organizou-se uma cimeira de dois partidos islâmicos do Bangladesh, proibidos no Bangladesh”, afirmou Tânger Correia, classificando esses dois partidos como “esses tais que querem islamizar a Europa”. Quando Fidalgo Marques acusou o candidato do Chega de difundir teorias da conspiração, Tânger Correia devolveu: “Vá perguntar ao SIS se não é verdade.”

Esta sexta-feira, o Observador questionou o Serviço de Informações de Segurança (SIS) sobre se confirmava a monitorização da alegada cimeira, assim como o seu acompanhamento por parte do SIS, mas não recebeu qualquer resposta até à publicação deste artigo. Outra das questões que ficou sem resposta foi se desencadearia alguma ação para perceber de onde partiu a fuga de informação, no caso de esta ser verdadeira. Foram também questionados o Sistema de Segurança Interna e o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa.

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Em declarações ao Observador esta sexta-feira, Rana Taslim Uddin, radicado em Portugal desde a década de 1990 e o principal rosto da comunidade muçulmana do Bangladesh em Lisboa, garante não ter conhecimento de qualquer reunião realizada na capital portuguesa com aqueles contornos e naquela data.

“Nós não sabemos nada”, afirma o responsável, salientando que, dentro daquilo que é o seu conhecimento, “não existe em Portugal nenhum grupo radical proibido no Bangladesh”. Reiterando que não lhe chegou ao conhecimento qualquer informação sobre uma reunião política de qualquer grupo do Bangladesh, Rana Taslim Uddin diz ainda que Tânger Correia “tem de mostrar provas” da existência “destes grupos radicais proibidos”.

O líder da comunidade do Bangladesh lembra que existe “um grupo que se chama Jamaat-e-Islami, que não é do Bangladesh, mas sim internacional”. Trata-se de um movimento islamista que teve a sua origem na década de 1940, na Índia britânica, com o objetivo de promover uma sociedade orientada pela lei islâmica. Ainda na primeira metade do século XX, este movimento disseminou-se por vários países asiáticos além da Índia, incluindo o Paquistão e o Bangladesh, e também deu origem a ramificações em países europeus.

“É uma organização internacional e, no Bangladesh, existe uma secção”, explica Rana Taslim Uddin, que lembrou que várias ramificações do Jamaat-e-Islami foram banidas ou proibidas em diferentes pontos do mundo, incluindo o Bangladesh, devido à ideologia extremista.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Em 2013, o Jamaat-e-Islami, à época o maior partido islâmico do Bangladesh, foi proibido de se apresentar às eleições legislativas do ano seguinte. De acordo com notícias da altura, a ideologia do partido entrava em conflito com os princípios seculares da constituição do país. Quatro anos antes, o partido tinha sido alvo de uma petição por parte de um grupo de cidadãos no sentido de ser declarado ilegal, uma vez que o Jamaat-e-Islami tinha como projeto a implementação da sharia (a lei islâmica) no país. O partido já tinha sido banido em 1971, mas regressado em 1976.

Rana Taslim Uddin recordou também ao Observador que secções associadas àquele movimento mundial se fixaram em Inglaterra e em vários outros países europeus, como França e Itália, mas também acabariam por ser declaradas ilegais há cerca de uma década. O mesmo terá sucedido em Portugal, onde se registou a presença de um grupo “pequeno”, apenas na ordem das “centenas” de integrantes, que também acabaria por ser proibido pelas autoridades portuguesas, à semelhança da decisão britânica.

De acordo com o responsável pela comunidade islâmica do Bangladesh em Lisboa, a maioria das pessoas que tinham estado associadas a esse grupo já não se encontram sequer em Portugal. Pelo contrário, os imigrantes que têm chegado a Portugal oriundos do Bangladesh nos últimos anos são “mais jovens” e “educados” — havendo menor presença do fanatismo religioso.

Rana Taslim Uddin lembrou, contudo, que “qualquer muçulmano pode organizar uma reunião ou fazer uma palestra, tal como nós nos juntamos no Ramadão”, e que isso “não quer dizer que seja um grupo radical ou proibido”. Por essa razão, e insistindo que não teve conhecimento de qualquer iniciativa política por parte daqueles grupos que já foram declarados ilegais em vários pontos do mundo, o líder da comunidade pede a Tânger Correia que apresente “provas” de que foi organizada a tal “cimeira” em Lisboa.