A Caixa Geral de Aposentações (CGA) passou de um défice de 196 milhões de euros em 2022 para um excedente superior a 2,7 mil milhões em 2023, por força do encaixe que recebeu como compensação pela transferência de responsabilidades do extinto Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos. Sem essa operação, o défice ter-se-ia agravado para os 305 milhões de euros, num ano em que os saldos de gerência voltaram a ser usados para ajudar a pagar pensões.

A conclusão consta numa análise do Conselho das Finanças Públicas (CFP) ao orçamento da entidade que gere o regime de segurança social dos funcionários públicos e trabalhadores equiparados admitidos até 2005. Segundo o documento, na ótica de contabilidade orçamental pública, o Orçamento de 2023 apontava para um défice de 126 milhões de euros porque não estava prevista a transferência das responsabilidades detidas pelo FPCGD nem o valor correspondente para fazer face às mesmas, que ascendeu a três mil milhões de euros.

CGA regista défice de 196 milhões em 2022. É o primeiro resultado negativo desde 2014

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Mas mesmo sem essa transferência, que acabou por acontecer, o défice ficaria acima do previsto, nos 305 milhões de euros, um “desvio desfavorável” explicado pelo CFP pelo facto de a receita ajustada ter ficado quatro milhões de euros acima do previsto e a despesa ter ultrapassado o orçamentado em 184 milhões.

Numa nota de rodapé, o CFP explica que o défice de 305 milhões (sem a transferência do FPCGD) teria sido menor se não fosse a autorização dada pela então secretária de Estado do Orçamento, Sofia Batalha, do anterior governo, para que fossem usados saldos de gerência até 202,5 milhões de euros para o pagamento de pensões. A CGA acabaria por usar 134 milhões, “valor correspondente aos montantes aplicados em Certificados Especiais de Dívida de Curto Prazo (CEDIC) no final de 2022 e que foram reembolsados em 2 de janeiro de 2023”, explica o CFP. A prática já tinha acontecido, pelo menos, em 2022.

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“Se a referida parcela de pagamento de pensões tivesse sido financiada por transferências do OE e não através da utilização de saldos de gerência, em termos ajustados, o défice orçamental da CGA em 2023 teria sido inferior aos referidos 305 milhões de euros”, conclui a instituição liderada por Nazaré Costa Cabral.

A CGA é um sistema fechado desde 2006 (os funcionários públicos que começaram a trabalhar nessa data já foram inscritos na Segurança Social). As transferências do Orçamento do Estado têm sido, por isso, recorrentes para assegurar o equilíbrio financeiro e, no ano passado, tiveram a maior subida desde 2015. Em 2023, o OE transferiu para a CGA 5,7 mil milhões de euros, mais 663 milhões do que no ano anterior, “o maior aumento desde 2015”, que se deveu “essencialmente” à atualização das pensões por via da lei, e ao aumento intercalar a meio do ano de 2023, de 3,57%, para assegurar o cumprimento pleno da lei de atualização de janeiro que, se nada fosse feito, limitaria aumentos futuros.

As receitas da CGA foram, assim, fortemente influenciadas pela compensação da transferência das responsabilidade do FPCGD. Além disso, as contribuições recebidas aumentaram 1,1%, a que não foi alheio o aumento da massa salarial por via das atualizações salariais no Estado, progressões e promoções, que ocorreu apesar de o número médio de subscritores ter diminuído 3,1%, fixando-se em 381.262, menos 12.358 do que no ano anterior.

A despesa também excedeu o previsto, sobretudo devido à atualização intercalar das pensões para garantir aos pensionistas a aplicação plena da fórmula de atualização das pensões.

A diferença desfavorável entre o número de aposentados e o de subscritores voltou a subir, com o rácio de ativos/inativos no final de 2023 a fixar-se em 0,78 subscritores no ativo por cada aposentado, o que compara com 0,80 no final do ano de 2022.  Entre o final de 2015 e o final de 2023, a população de subscritores diminuiu a uma taxa média anual de 2,7%, enquanto a população de aposentados e reformados praticamente estabilizou, observa o CFP.

Segurança Social: peso das contribuições sociais continua a subir

Já a Segurança Social obteve no ano passado o maior excedente orçamental desde, pelo menos, 2010, atingindo os 5,4 mil milhões de euros. O aumento de 8,7% da receita efetiva foi sobretudo explicado pelo crescimento de 12,5% das contribuições sociais, muito acima do previsto, e da receita fiscal de 12,3%.

O peso das contribuições sociais na receita efetiva está, aliás, a subir: passou de 64,8% em 2022 para 67,1% em 2023 (excluindo as operações relativas ao Fundo Social Europeu e ao Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas). O CFP salienta que este crescimento das contribuições é “essencial para assegurar o autofinanciamento e a sustentabilidade do sistema contributivo”.

Em 2023, a receita de contribuições sociais registou mesmo o seu “crescimento mais expressivo”, o que traduz a “evolução macroeconómica favorável”, com um crescimento real do PIB (+2,3%), um aumento da população ativa (+2,4%) e a criação líquida de emprego, assim como a subida do  salário mínimo em 55 euros, para 760 euros.

O CFP conclui que a subida das contribuições se faz mais por via do crescimento do emprego do que dos salários. “Na análise dos valores relativos à remuneração bruta média mensal por trabalhador constata-se um aumento de 5,7% no final de 2023, subindo de 1580€ no final de 2022 para 1670€ no final de 2023, sugerindo um afastamento entre a evolução das contribuições sociais (12,5%) e deste indicador”, indica.

No caso da Segurança Social, ao contrário da CGA, “as transferências do OE apresentaram uma ligeira diminuição face ao ano anterior (-1%)”, que se explica pela diminuição das transferências ao abrigo das medidas da pandemia.

O CFP chama, porém, atenção para o facto de terem existido “desvios” significativos face ao Orçamento da Segurança Social e aquilo que foi executado, tanto do lado da receita como da despesa. Esses desvios, justificados com o choque geopolítico e o aumento da inflação, “não evidenciam um processo de orçamentação em linha com as melhoras práticas de gestão financeira pública“.