Chegava o dia da abertura do Europeu, chegava um sem número de “chavões” que são habituais mediante o resultado final de um encontro. Ou melhor, todos menos um, neste caso o mais utilizado quando o desfecho fica aquém das expetativas: faltou experiência. Quis o destino que se encontrassem as duas equipas com a média de idades mais velha, entre os 28,5 anos da Alemanha e os 28,3 da Escócia (a título de curiosidade, seguem-se Polónia, Dinamarca e Croácia). No entanto, esse era talvez um dos poucos pontos de contacto no que diz respeita aos conjuntos que dariam o pontapé de saída para a prova. Ambos lutavam por uma entrada de sucesso no Euro-2024, ambos tinham razões distintas na procura desse momento de afirmação.

Dia 1 do Europeu. Alemanha goleia Escócia no jogo de abertura em Munique, Portugal faz treino aberto para mais de 8.000 nas bancadas

No lado da Alemanha, o paradigma da seleção organizada, rigorosa e eficaz que funcionava como espelho das principais características do próprio país dilui-se com o tempo e, sobretudo, com um choque de frente com a realidade. O facto de não haver encontros oficiais foi apontado como possível “traição” ao projeto liderado por Hansi Flick mas os problemas na Mannschaft vinham desde a conquista do Mundial de 2014 no Brasil. Esse era o grande “peso” de Nagelsmann – combater o estado das coisas sabendo da pressão extra que a organização caseira traria. Jogadores não faltavam, dos mais experientes aos mais novos que se destacaram na presente época como Florian Wirtz. Condições, ainda menos. Mentalidade? Era aí que havia dúvidas.

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Já do lado escocês, a pressão era pouca ou nula. Apoiada por um autêntico mar de adeptos vestidos de azul escuro e kilt que estão há vários dias a invadir as ruas de Munique, Steve Clarke tentava esconder alguns dos problemas que a equipa ainda mantinha como o lado direito da defesa mas mostrava confiança no regresso aos bons resultados depois de uma fase de qualificação com cinco triunfos logo a abrir antes da queda de rendimento e de resultados até ao Europeu. O antigo adjunto de José Mourinho no Chelsea retirou parte das feições do kick and rush dos escoceses mas nem sempre conseguiu dar armas à equipa para se expressar de outra forma em campo, sendo essa a meta para 2024 entre a esperança inabalável dos adeptos.

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Esperava-se muito, houve pouco ou nada de história, um pouco ao nível do que aconteceu com a cerimónia de abertura que poucas ou nenhumas recordações deixou. Wirtz deixou uma primeira ameaça logo a abrir na sequência de um passe longo de Rüdiger com um remate travado com a cabeça por Gunn (2′) mas também não demorou a inaugurar o marcador num lance que teve início nos pés de Kroos e contou com assistência de Kimmich (10′), Musiala aumentou a vantagem numa grande jogada coletiva que passou por Gündogan e Kai Havertz antes de um remate a fuzilar na área (20′), tudo ficou decidido de vez quando Ryan Porteous teve uma entrada duríssima sobre Gündogan na área que não só deu o 3-0 a Havertz de grande penalidade (45+1′) como deixou os escoceses reduzidos a dez ainda antes do intervalo (44′). Mais fácil era mesmo difícil…

Pelo meio, foi Alemanha, Alemanha e mais Alemanha. A jogar muito bem com bola, a jogar ainda melhor sem bola e a colocar a Escócia num autêntico beco sem saída sem que tivesse qualquer remate ou toque na área contrária ao longo de 45 minutos. Por isso, e de forma natural, o segundo tempo acabou por baixar um pouco no ritmo e na intensidade embora tenha voltado a contar com mais três golos: Füllkrug entrou a todo o gás para fazer o 4-0 com um míssil sem hipóteses para Gunn (68′) antes de ver o bis anulado pelo VAR (75′), Rüdiger marcou na própria baliza após um livre lateral de Andy Robertson à esquerda (87′) e Emre Çan fechou as contas com um remate rasteiro em zona central após um canto trabalhado à esquerda (90+3′).

A pérola

  • Não marcou nenhum golo, não fez nenhuma assistência “direta”, joga que nunca mais acaba – apesar de já ter avisado que vai mesmo acabar. O capitão Gündogan também justificou o facto de haver tantos nomes para aquela posição e continuar a ser indiscutível mas Toni Kroos, aos 34 anos, é o mestre de toda a estratégia ofensiva da Alemanha, a ponto de serem raros, mesmo raríssimos, os ataques que não começam nos seus pés. Tudo funciona à sua volta e o campeão europeu distribui o jogo como quer, quando quer e onde quer, como aconteceu no fabuloso passe para Kimmich que deu depois o 1-0. Após ter sido campeão mundial em 2014, rejuvenesceu para tentar ser campeão europeu em 2024 a ser a bateria para miúdos como Musiala e Wirtz que jogam tudo menos a pilhas nesta Alemanha.

O joker

  • Foi uma temporada de sonho para Florian Wirtz, foi um arranque de sonho de Florian Wirtz: depois de ter deixado uma ameaça logo nos minutos iniciais do encontro, o médio criativo de 21 anos marcou o primeiro golo da Alemanha (e do Europeu) e foi um fator de desequilíbrio pelo jogo entrelinhas que a Escócia nunca conseguiu travar. O jovem jogador representa também algo que Julian Nagelsmann teve olho para aproveitar como são as dinâmicas coletivas e o facto de apostar em Tah, Andrich e Wirtz pelo corredor central foi uma forma graciosa de potenciar o melhor do Bayer Leverkusen em 2023/24.

A sentença

  • Com este resultado, a Alemanha fica com a passadeira mais do que estendida não só para avançar para os oitavos como para segurar o primeiro lugar do grupo, bastando para isso confirmar também essa superioridade teórica frente a Hungria e Suíça. Já a Escócia, mesmo não tendo nada perdido, terá de recuperar do embate mental de uma estreia em que tudo o que podia correr mal, correu ainda pior, estabilizar a equipa no plano defensivo e jogar de outra forma essa final que terá com a Suíça.

A mentira

  • De forma inevitável, aquele arranque com cinco vitórias em cinco jogos que a Escócia teve na fase de qualificação do Europeu, incluindo um triunfo caseiro com a Espanha e uma vitória fora com dois golos nos minutos finais diante da Escócia. Parecia que aquela equipa, mesmo tendo jogadores que não fugiam da mediania, podia brilhar em termos coletivos aproveitando figuras como Robertson, McGinn, McTominay ou Che Adams. Mera ilusão: não só os escoceses não ganharam mais nenhum jogo em 2023 (três derrotas, dois empates) como até ao Europeu só conseguiu mesmo bater Gibraltar (2-0). Mais: a Escócia conseguiu sair com um golo do jogo sem ter feito qualquer remate à baliza de Manuel Neuer…