“Hoje não é um dia para falar os aspetos táticos e técnicos, é para falar sobre a capacidade de resiliência que conseguimos demonstrar”. No final do triunfo de Portugal frente à Rep. Checa, as perguntas eram muitas, as respostas desaguavam sempre na mesma ideia: contou a vitória, o espírito de sacrifício, a crença, aquele golo nos descontos de Francisco Conceição e respetivos festejos que reduziu em 90 segundos o que se passara em 90 minutos. Daqui a quatro anos, esse 2-1 ficará como a grande memória daquilo que aconteceu em Leipzig. Quatro dias depois, tendo pela frente uma Turquia que também “cumpriu” na ronda inicial, poderia ser mais curto. E era sobre isso que Roberto Martínez iria trabalhar para melhorar aquilo que ficou por fazer.

Portugal vence Turquia ao intervalo por 2-0 com um golo de Bernardo Silva e um autogolo

Um exemplo prático. Na conferência de imprensa de lançamento do encontro, o selecionador falou dos 73% de posse e dos 13 cantos frente à Rep. Checa. São factos. Mas também tiveram outro lado a acompanhar os números, entre os momentos em que Portugal segurou bola sem conseguir perceber os caminhos para entrar no último terço e os esquemas táticos que, depois de terem mostrado afinação extra nos particulares frente à Finlândia e à Rep. Irlanda, tiveram pouco ou nenhum perigo. Que Portugal foi melhor do que os checos, não há grandes dúvidas. Que Portugal tinha de melhorar em vários aspetos, também não. E foi sobre isso, com muita dose de autocrítica de jogadores que percebem cada vez mais de forma evoluída os vários capítulos do jogo, que a Seleção foi trabalhando ao longo destes dias para um jogo “difícil mas diferente”.

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Havia um potencial ponto comum em relação ao encontro com a Rep. Checa: a possibilidade de Portugal ter uma capacidade sem bola na primeira fase de pressão que obrigasse a que a forma de jogar do adversário se fosse desvirtuando (com esse problema de não conseguir depois desfazer a muralha em bloco baixo que se formou). No entanto, em tudo o resto, a Turquia era diferente. Pela qualidade dos jogadores que tinha mais do meio-campo para a frente, pela mescla de jovens talentos como Arda Güler com nomes mais “batidos” como Çalhanoglu, pela vontade de não prescindir dos seus princípios, pela própria motivação que o triunfo da Geórgia veio reforçar a uma seleção “empurrada” pelos seus adeptos com o sonho de fazer história.

Olhando para os onzes, as maiores surpresas até vieram do lado turco, com Arda Güler a não recuperar de forma conveniente e a começar no banco. Já na Seleção, a linha de três defesas foi desfeita com a entrada de João Palhinha com Diogo Dalot a ser o sacrificado. Em tudo o resto, a equipa manteve-se e Martínez tinha um propósito para fazer isso mesmo: “mostrar” que aquilo que não saiu bem com a Rep. Checa teve mais a ver com aquilo que um jogo deu ou não deu do que propriamente pela forma como foi preparado. Por esse prisma, ganhou a aposta. Por estranho que pareça, a Turquia mostrou que é melhor do que os checos mas teve uma derrota com muito menos discussão e história pelo tal mérito das coisas que agora saíram e na passada terça-feira não tinham acabado por sair. Foi tudo “natural”, como o primeiro lugar do grupo e como o triunfo no último encontro no Europeu, em 2008, que já contava com Ronaldo e Pepe na equipa.

As características principais do jogo não demoraram a ser desenhadas nos cinco minutos iniciais. O que se viu nessa fase? Uma saída rápida de Portugal iniciada com um toque de Bruno Fernandes que tirou logo dois adversários e permitiu que Bernardo Silva fosse à esquerda cruzar para o remate de Ronaldo (2′), dois lances em que Palhinha subiu para travar a saída turca com sucesso, dois pontapés de baliza de Diogo Costa com a Turquia a pressionar alto pela linha da grande área, uma exploração dos corredores laterais pelos turcos com Artürkoglu a conseguiu ganhar a frente a João Cancelo ao segundo poste para um desvio que não saiu (6′). Havia quase uma osmose entre o público nas bancadas e a equipa da Turquia, que se galvanizava sempre que o volume de decibéis aumentava. Cabia a Portugal refrear esses ânimos sendo fiel à sua forma de jogar.

Esse “gelo” chegou e conseguiu alargar-se ao último terço mas sem efeitos práticos porque os cruzamentos levaram sempre força a mais ou direção a menos para Ronaldo, Bruno Fernandes ou Rafael Leão. Contudo, o mais importante estava “ganho”: Portugal tinha assumido o controlo do jogo com e sem bola, com zonas de pressão que “asfixiavam” a Turquia (a única vez em que conseguiu saiu houve um corte imperial de Pepe de carrinho com aquela postura old school que não deu hipóteses), mais e melhor exploração dos corredores laterais e eficácia. Eficácia nas combinações, nos movimentos e também no toque final, como aconteceu com Bernardo Silva que aproveitou um cruzamento de Nuno Mendes após ligar na esquerda com Rafael Leão ainda a sofrer um ligeiro desvio para surgir na segunda bola para o remate que fez o 1-0 (21′).

Portugal estava na frente por mérito, Portugal reforçaria a vantagem por demérito alheio sem ter de fazer nada (mesmo nada): num lance para os apanhados, daqueles que não se costumam ver mas que nas fases finais das grandes competições são completamente proibidos, Akaydin atrasou uma bola que parecia morta para Bayindir, o guarda-redes estava dois passos ao lado do que devia e o lance que nem mesmo a realização televisiva acompanhava acabou no 2-0 (28′). Depois, brilhou Diogo Costa na baliza. Na primeira ocasião, Artürkoglu conseguiu passar bem entre João Cancelo e Bernardo Silva, rematou na área descaído sobre a esquerda mas o guarda-redes desviou para canto (31′), depois foi Kökçü que aproveitou o espaço no corredor central depois de Palhinha ter compensado na lateral para rematar para defesa do guardião (40′).

Ao intervalo, Martínez não facilitou, leu a forma como o jogo decorria a nível de ação disciplinar e tirou os dois jogadores que estavam com amarelo, Palhinha e Rafael Leão (que vai falhar o encontro com a Geórgia), para lançar Rúben Neves e Pedro Neto. Mais do que essas alterações, a maior necessidade passava por nunca deixar a Turquia acreditar que era possível algo mais do jogo. Foi isso que aconteceu, apesar de um remate de Yazici para defesa segura de Diogo Costa (54′). E aconteceu com uma imagem pouco comum mas que mostra como em tudo existe uma evolução no tempo: desmarcado nas costas da defesa turca com Çelik a colocar tudo e todos em jogo, Ronaldo partiu para a área, estava isolado mas ofereceu o 3-0 a Bruno Fernandes (56′), no momento que acabou por terminar de vez com o encontro em campo e nas próprias bancadas. Ainda com mais de meia hora por disputar, tudo tinha chegado ao fim e era tempo de fazer apenas a festa…

A pérola

  • Bernardo Silva inaugurou o marcador, Nuno Mendes teve mais um bom jogo pela lateral esquerda, Bruno Fernandes e Vitinha podem estar melhor ou pior mas não sabem jogar mal. Possíveis destaques não faltavam mas há momentos, gestos e atitudes que marcam uma diferença que os números nunca vão perceber. Pepe explica isso mesmo e não foi por acaso que, em três ocasiões distintas, as bancadas foram cantando o seu nome a agradecer por mais uma exibição em cheio, com cortes providenciais, com liderança, com capacidade de luta e com uma força incomum para alguém que já leva 41 anos…

O joker

  • Parece quase um contrasenso destacar um guarda-redes num encontro que acabou por tornar-se tão fácil entre o mérito de Portugal e o demérito da Turquia, mas Diogo Costa teve intervenções decisivas em qualidade que a quantidade quase escondia. As duas primeiras surgiram ainda na primeira parte já com o resultado em 2-0, travando com o pé um remate com perigo de Artürkoglu e depois uma meia distância de Kökçü. Logo no início do segundo tempo, e com grau de dificuldade mais pequeno, agarrou de forma segura uma tentativa de Yazici. Todos esses momentos entre o 2-0 e o 3-0 poderiam ter mexido com o encontro mas as intervenções do guarda-redes portista mantiveram a estabilidade.

A sentença

  • Com este resultado, Roberto Martínez encontra a maior situação possível de conforto para gerir a sua equipa tendo em conta que Portugal entra na última jornada com a Geórgia a saber que vai sempre ficar no primeiro lugar do grupo F (com tudo aquilo que isso traz de vantagem nos oitavos). Já as contas da Turquia são fáceis: se ganhar ou empatar com a Rep. Checa passa como segunda posicionada, se perder depende do resultado da Geórgia para poder lutar por um dos melhores terceiros classificados.

A mentira

  • A  Geórgia já tinha destapado alguns desses problemas, Portugal deixou tudo a nu: a Turquia pode ser uma equipa competitiva, com qualidade do meio-campo para a frente e sobretudo com imenso potencial de crescimento até por ter essa âncora da organização do Euro-2032 com Itália mas deve olhar de outra forma para o eixo central recuado da equipa. Bardakci já tinha revelado inúmeros problemas no jogo inaugural, Akaydin marca um autogolo daqueles que não existem e os próprios laterais como Çelik, que tem experiência de Roma, não ajudaram nada como se viu no lance do 3-0…