Desde sempre que futebol e política caminham de mãos dadas, embora nos últimos anos as federações e as instituições tenham assumido uma postura mais apolítica, de modo a não caírem em “desgraça” junto de parte dos seus adeptos. Numa prova como o Campeonato da Europa, as manifestações acabam por ganhar ainda mais forma dada mediatização da prova. E França não é exceção. Pelo contrário.
Esta história da vida real remonta ao passado dia 9 de junho, altura em que se realizaram as eleições europeias. Em terras gaulesas, o triunfo acabou por cair para o partido União Nacional (RN), de Marine Le Pen, levando o Presidente Emmanuel Macron a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas, que acontecerão a 30 de junho (primeira volta) e a 7 de julho (segunda volta).
Vitória histórica para a União Nacional de Le Pen leva Macron a convocar eleições nacionais
Perante o crescimento da extrema direita no país, nem a seleção francesa que se encontra a disputar o Europeu na Alemanha ficou indiferente. O primeiro caso mediático partiu do avançado Marcus Thuram que, antes de França estrear-se na prova, lançou um apelo contra o RN, sublinhando que a situação “é muito, muito grave”. “Ficámos todos um pouco chocados no balneário. Esta é a triste realidade da nossa sociedade hoje. Há mensagens transmitidas todos os dias na televisão para ajudar esta festa [a extrema-direita] a passar. Como disse o Ousmane [Dembélé], devemos dizer a todos para irem votar. Como cidadãos, sejam vocês ou eu, devemos lutar diariamente para que isto não volte a acontecer e que o RN não passe”, afirmou o internacional francês em conferência de imprensa.
Antes, Dembélé e Olivier Giroud já se tinham pronunciado sobre a situação, mas Thuram foi mais incisivo na sua mensagem, indo mais longe. “Devemos também dizer como chegámos aqui e a gravidade da situação. Na seleção francesa, não tenho dúvidas de que todos partilham a minha visão sobre as coisas. Estamos num país livre e todos deveriam fazer o que acham certo. Eu chego aqui e digo certas coisas. Outras pessoas podem não dizer isso, mas, repito, não tenho dúvidas de que todos pensam como eu”, acrescentou o jogador do Inter, filho do antigo campeão mundial e europeu Lilian Thuram.
França (Grupo D). Um toque Real para Deschamps voltar a correr atrás da história
Poucos dias depois, Kylian Mbappé, a principal figura da seleção francesa, também expôs publicamente a sua posição. Na antevisão ao jogo contra a Áustria, o capitão francês apelou aos jovens para votarem, considerando que “os extremos estão à porta do poder”. “Vivemos um momento muito importante na história do nosso país, uma situação inédita. E é por isso que quero dirigir-me a todo o povo francês, e sobretudo à geração jovem. Creio que somos uma geração que pode fazer a diferença. Espero que a minha voz chegue a muitos, porque precisamos de nos identificar com este país, precisamos de nos identificar com os nossos valores, que são os valores de diversidade, de tolerância, de respeito”, partilhou Mbappé.
Candidato da União Nacional pediu “respeito” pelo “votos de todos”
Perante a tomada de posição do capitão dos bleus, foram muitas as figuras da política francesa que reagiram às palavras do jogador. Se Gabriel Attal, primeiro-ministro de França, mostrou-se agradado com o apelo ao voto, Jordan Bardella, candidato da RN a primeiro-ministro, criticou as “lições de moral” dos jogadores de futebol “multimilionários”.
“Quando se tem a sorte de ter um salário muito elevado, quando se é multimilionário e se pode andar de avião privado, incomoda-me um pouco que estes desportistas que ganham muito dinheiro deem lições a pessoas que ganham 1.400 ou 1.500 euros e não conseguem pagar as contas, que não se sentem seguras, que não têm a sorte de viver em residências ultra protegidas por agentes de segurança”, partilhou Bardella, que pediu “respeito” pelo “voto de todos”.
Candidato da extrema-direita francesa critica “lições de moral” do multimilionário Mbappé
Perante as repercussões das palavras dos jogadores, a Federação Francesa de Futebol (FFF) pediu para se evitar “qualquer forma de pressão e uso político da seleção de França”, exigindo “neutralidade” aos jogadores, embora reconheça o direito à “liberdade de expressão” de cada um. A posição da FFF acabou por ir ao encontro do regulamento da UEFA, procurando evitar sanções futuras do organismo que tutela o futebol europeu.
Tchouaméni juntou-se ao apelo dos companheiros
Este domingo foi a vez de Aurélien Tchouaméni juntar a sua voz à de Thuram e de Mbappé. Na conferência de imprensa diária da seleção francesa, o médio do Real Madrid pediu a “todos” para irem votar, garantido que “todos têm o direito a dar a sua opinião”. “Recebemos uma mensagem forte de Mbappé, mas também de Thuram. Partilho as suas opiniões. Odeio extremos e partilho uma mensagem de união que acredito ser o que melhor representa França”, partilhou o internacional francês.
Aos jornalistas, Tchouaméni confirmou ainda a intenção da equipa de partilhar um comunicado conjunto com uma tomada de posição de todo grupo. Contudo, a situação não está fácil e, segundo o L’Équipe, o comunicado ficou “em stand by” e pode estar inclusive “bloqueado”. Entre os motivos apresentados estão a lesão de Mbappé e a falta de uma tomada de decisão global, não existindo consenso entre os jogadores.
Tchouameni se suma a Mbappé pidiendo ir a votar contra la ultraderecha de Le Pen. Anteriormente el centrocampista del Real Madrid denunció la violencia policial y el racismo institucional. pic.twitter.com/XggfgupKSO
— Fonsi Loaiza (@FonsiLoaiza) June 23, 2024
“Não voltámos a falar sobre isso, é um assunto que vai voltar. Não falei com os 25 jogadores e não tenho a arrogância de pensar que temos os mesmos pensamentos, porque não sei. Se houver um comunicado de imprensa, vocês serão os primeiros a saber”, garantiu o médio de 24 anos. Em qualquer cenário, a tomada de posição dos bleus terá de acontecer durante esta semana, antes da primeira volta das eleições.