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O imperador Naruhito do Japão volta por estes dias a um sítio onde já terá sido feliz. Há quase quatro décadas viveu no Reino Unido enquanto estudava em Oxford e foi acolhido por Isabel II como mais um membro da família. Para trás estavam décadas de uma longa e tumultuosa história entre duas nações que atravessaram guerras. Os imperadores do Japão começam esta terça-feira uma visita de três dias com Carlos III, Camila e o príncipe William como anfitriões. A princesa de Gales e a princesa Ana serão as grandes ausentes destes dias.
A deslocação estava inicialmente agendada para 2020, mas foi adiada por causa da pandemia de Covid-19. Agora é a primeira visita de estado do Rei Carlos III desde que lhe foi diagnosticado cancro e calha em plena campanha para a escolha de um novo primeiro-ministro britânico, uma novidade em relação ao reinado de Isabel II, que evitava esta coincidência. A passagem dos imperadores do Japão não foi adiada, mas a agenda foi “ligeiramente adaptada”, cita o Telegraph.
“Tenho muito boas memórias da Rainha a conduzir e me convidar para um churrasco e de o príncipe Filipe me receber e conduzir ele próprio a carruagem”, partilhou o Imperador Naruhito antes de partir para uma estadia de alguns dias ao Reino Unido, citado no Telegraph. O soberano referia-se a memórias da década de 1980, quando viveu em terras de Sua Majestade. “Fui recebido calorosamente, como se fosse um membro da família.” Terá sido o próprio Carlos, na altura príncipe de Gales que ensinou o príncipe do Japão a pescar com mosca, mas sem sucesso para nenhum os dois, confessaria o atual Rei Carlos III.
O que reserva a agenda desta visita
Esta terça-feira de manhã, a agenda de estado arrancou com o príncipe William a apresentar os seus cumprimentos aos imperadores no hotel onde estão instalados, em nome do Rei. Seguiram depois para o Horse Guards Parade, terreno no Palácio de St. James onde acontecem paradas como por exemplo a Trooping the Colour. Os imperadores foram recebidos pelos reis numa cerimónia de boas-vindas e os dois chefes de estado passaram revista à guarda de honra. Seguiram depois num cortejo real em carruagens abertas pela avenida The Mall até o Palácio de Buckingham. Enquanto os dois chefes de estado se sentaram lado a lado e à conversa, numa outra carruagem estavam a rainha Camila e a imperatriz Masako, que esteve de máscara por ter uma alergia a pelo de cavalo.
Depois do almoço, os imperadores, os reis e outros membros da família real visitaram a exposição de peças da coleção real relacionada com o Japão, como por exemplo, mapas, cartas e fotografias, tudo no palácio. Na tradicional troca de presentes, os reis Carlos e Camila receberam uma fotografia dos imperadores assinada e numa moldura de prata e com o brasão da casa imperial. O Rei recebeu também uma caixa em esmalte da cidade de Wajima, que o Imperador escolheu a pensar nas pessoas afetadas pelo terremoto da Península de Noto em 2024. A rainha recebeu uma carteira em brocado Saga Nishiki, uma forma de brocado típica da zona de Saga, segundo escreve o Telegraph. Já na parte da tarde, os imperadores Nahurito e Masako foram à Abadia de Westminster onde deixaram uma coroa de flores.
À noite haverá um banquete no Palácio de Buckingham, que à tarde já estava a ser preparado com supervisão dos reis, segundo um vídeo partilhado pela casa real na rede social X.
Finishing touches and a sneak peek ahead of this evening’s State Banquet… ✨ pic.twitter.com/BFVRNKx1g7
— The Royal Family (@RoyalFamily) June 25, 2024
Sabe-se que a princesa Ana vai falhar, depois de ter sido ferida por um cavalo e levada para o hospital este domingo à noite. Já o príncipe William vai falhar o jogo da seleção inglesa de futebol no Euro 2024 para estar presente no jantar de gala. Na quarta-feira a agenda conta com uma passagem pelo Instituto Francis Crick, de investigação biomédica, e à noite novo banquete, desta vez com os duques de Edimburgo no Guildhall, um edifício medieval onde a câmara da capital organiza alguns dos seus eventos de prestígio.
No dia 27 os imperadores do Japão devem ir o Young V&A, museu Victoria & Albert dedicado à família, para ver uma exposição sobre o seu país. O imperador Naruhito vai fazer uma visita privada à capela no Castelo de Windsor para deixar uma coroa de flores no túmulo de Isabel II. A viagem oficial acaba com uma passagem pelos Jardins Kew. Por causa da campanha eleitoral para eleger um novo primeiro-ministro do Reino Unido a 4 de julho, o Imperador não fará a habitual escala em Downing Street.
A viagem oficial dos imperadores do Japão decorre entre 25 e 27 de junho, contudo Naruhito e Masako já chegaram ao Reino Unido no passado sábado dia 22. Tanto os primeiros dias desta viagem como o último se destinam a afazeres privados.
O regresso do Imperador ao reino onde viveu há 40 anos
Na década de 1980 o então príncipe Naruhito esteve a estudar no Reino Unido, mais precisamente dois anos e quatro meses em Oxford, onde se dedicou a escrever uma tese sobre a navegação no rio Tamisa no século XVIII. Na altura terá sido acolhido pela Rainha Isabel II e, em 1985, até chegou a participar com a família real nas celebrações oficiais do aniversário da soberana, a parada Trooping the Colour e foi mais um entre os Windsor na varanda do Palácio de Buckingham. A mesma onde anos antes, a 15 de agosto de 1945, a família real composta pelo Rei Jorge VI, a rainha Isabel e as princesas Isabel e Margarida, celebrou a rendição do Japão e o fim da II Guerra Mundial.
No programa privado dos dias que os imperadores do Japão passam no Reino Unido agora, em junho de 2024, está uma ida à universidade, que também trará memórias à imperatriz. Masako estudou em Oxford e em Harvard e antes de se juntar à família real tinha uma carreira diplomática a trabalhar no ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão. Naruhito é bem conhecido do público na Europa porque tem estado presente em todos os grandes eventos das famílias reais do velho continente, como casamentos e funerais. Escreveu um livro de memórias sobre o seu tempo no Reino Unido com o título “O Tamisa e eu com um caloroso prefácio do príncipe Carlos”, no qual recorda ser recebido por Isabel II na Escócia, tomar chá com os filhos da Rainha, visitar a casa da princesa Alexandra e falar a telefone com a princesa Margarida, descreve o Telegraph.
O Imperador Naruhito nasceu a 23 de fevereiro de 1960. É o filho mais velho do anterior imperador Akihito e da imperatriz Michiko. Estudou História e viria a conhecer a sua futura imperatriz em 1986, num chá oferecido em honra da infanta Elena de Espanha, que estava em visita ao Japão. Masako nasceu a 9 de dezembro de 1963, cresceu entre Moscovo e Nova Iorque e estudou direito em Tóquio antes de voltar a partir para o estrangeiro. O pai era diplomata e antigo presidente do Tribunal Internacional de Justiça. Masako e o herdeiro do trono casaram em 1993 e, depois de um aborto em 1999, viriam a ser pais da princesa Aiko em 2001. Naruhito é Imperador desde 1 de maio de 2019, sucedendo ao pai quando este abdicou do trono do Japão.
Carlos III conheceu três imperadores do Japão e esteve em duas entronizações da casa imperial nipónica. Enquanto príncipe de Gales, visitou a Expo de 1970 em Osaka. Esteve no Japão em 1986 (numa viagem de estado acompanhado por Diana). Esteve na entronização do Imperador Akihito, pai do atual, em novembro de 1990 também com a princesa de Gales. Regressou a Tóquio com Camila como sua mulher em 2008. E esteve ainda presente na entronização do atual Imperador, em outubro de 2019. Na coroação do Rei, em maio de 2023, a família imperial fez-se representar pelo príncipe Akishino e pela princesa Kiko, mas foram os imperadores que marcaram presença no funeral de Isabel II.
A relação entre duas famílias que já foram inimigas e aliadas
Em 1869 o príncipe Alfredo, segundo filho da Rainha Victoria e duque de Edimburgo, estava em viagem pelo mundo quando decidiu fazer uma paragem no Japão, numa altura em que o país asiático estaria a olhar para o modelo industrial inglês como inspiração. Já no século XX os dois países foram aliados, primeiro na guerra de 1904 que opôs o império japonês ao império russo e depois na I Guerra Mundial, lembra a revista Point de Vue.
Em 1921, o príncipe Hirohito, que viria a ser Imperador do Japão cinco anos mais tarde, atravessou meio mundo e tornou-se o primeiro membro da família imperial a visitar a Europa e o Reino Unido. Na altura o Rei era Jorge V, que tinha 55 anos, e terá recebido o jovem príncipe com hospitalidade e afeto. “Fui ao Reino Unido quando tinha 20 anos. Passei três dias no Palácio de Buckingham, com o Rei Jorge V, e ele ensinou-me, juntamente com o príncipe de Gales, o futuro Rei Eduardo VIII, a tornar-me um soberano constitucional”, terá confessado Hirohito mais tarde, segundo cita a revista francesa. “Ele foi como um segundo pai para mim. O que aprendi com o Rei Jorge V sobre a natureza de uma monarquia constitucional marcou-me para toda a vida.”
Da veterana Michiko à jovem Ayako. A silenciosa marcha das mulheres da família imperial japonesa
Hirohito terá levado consigo alguns hábitos britânicos como o gosto pelos fatos dos alfaiates de Saville Row e pelo pequeno-almoço com ovos, fiambre e torradas. Também acabou com as concubinas ficando apenas com a imperatriz Nagako. Quando o Japão lançou um ataque à base naval norte-americana de Pearl Harbour a 7 de dezembro de 1941, o Imperador era Hirohito, avô do atual soberano. O Reino Unido pôs-se ao lado dos aliados Estados Unidos e declarou guerra ao Japão pela mão de Winston Churchill, o Rei era George VI, o avô de Carlos III. O conflito fez uma série de prisioneiros de guerra originários de países da Commonwealth, muitos dos quais não resistiram aos maus tratos.
As relações entre os dois países começaram a ser reconstruídas em 1951, quando terminou a ocupação dos Estado Unidos em território japonês. Prova disto é que o herdeiro, o príncipe Akihito, esteve presente na coroação de Isabel II em 1953 e terá sido recebido como convidado de honra por Churchill. Em outubro de 1971, o Imperador Hirohito e a imperatriz Nagako fariam uma viagem de estado de três dias ao Reino Unido, na qual foram recebidos com a pompa e circunstância habituais pela Rainha Isabel II e pelo príncipe Filipe. Mostrando que havia vontade de sarar feridas antigas, a visita foi retribuída pelos britânicos em 1975. O imperador que se seguiu, Akihito, e a imperatriz Michiko, viajariam ao Reino Unido para ver a Rainha e o marido em maio de 1998, mas terá havido contestação por parte de alguns veteranos e na imprensa. No banquete, o Imperador falou em arrependimento e viria a ser nomeado Cavaleiro da Ordem da Jarreteira, a mais antiga ordem de cavalaria britânica.