O Governo vai criar um grupo de trabalho para estudar e propor uma solução técnica e estrutural sobre a cobrança de imposto municipal de imóveis (IMI) sobre as barragens. O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, anunciou esta quarta-feira no Parlamento que, na sequência da proposta desse grupo de trabalho, o Governo pretende entregar ainda este ano uma proposta de alteração do código do IMI para resolver o problema da cobrança do imposto no futuro. Segundo indicou, se o Parlamento o permitir, o IMI de 2025 será já pago em 2026, de acordo com as novas regras.

Essa alteração visa permitir que a avaliação destes empreendimentos, bem como outros equipamentos de energia renovável, possam ter um critério específico que clarifique e ultrapasse as dúvidas e contenciosos que têm marcado este processo nos últimos anos. O grupo de trabalho vai ser liderado por uma personalidade independente e irá incluir a AT, a Associação Nacional de Municípios, a Agência Portuguesa do Ambiente, a APREN (associação de energias renováveis), a associação de avaliadores, o LNEG e o LNEC

As impugnações sobre as avaliações e a demora do fisco em operacionalizar a liquidação terão já posto em causa a cobrança de 2019 que terá caducado, segundo as autarquias.

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Chamado à comissão de orçamento e finanças pelo Chega, Miranda Sarmento reconhece que este é “um problema complexo“. No entanto, também assinalou não ter dúvidas de que a AT tudo “tem feito para cumprir a legalidade e defender o interesse púbico”. Da mesma forma, considera que o último despacho do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, foi adotado na defesa do interesse público e não o vai alterar. No entanto, assinalou a diferença face ao Governo socialista, na medida em que o atual executivo defende a necessidade de uma alteração na lei.

No despacho, o ex-secretário de Estado deu instruções à AT para aceitar a impugnação dos valores atribuídos pelo fisco às barragens quando está em causa o perímetro dos ativos que devem ser avaliados.

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Apesar de existir jurisprudência de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo para a cobrança de IMI sobre equipamentos de parques eólicos, e pelo qual estes equipamentos produtores das barragens também devem ser tributados, a incerteza fiscal e jurídica persiste, com decisões contraditórias em tribunais administrativos.

Uma das divergências que têm oposto a Autoridade Tributária (AT) aos municípios onde estão localizadas as barragens é se a avaliação deve ou não incluir os equipamentos de produção hidroelétrica e que são o ativo mais valioso das barragens. E neste momento há barragens avaliadas para efeitos de cobrança do IMI que estão a ser avaliadas com base em critérios distintos.

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O ministro das Finanças foi confrontado pelo deputado do Chega, Rui Afonso, com o longo e sinuoso percurso de cobrança de impostos sobre as barragens que, em grande parte, foi percorrido com o anterior Governo em funções. Joaquim Miranda Sarmento herdou um imbróglio jurídico e fiscal que se arrasta há praticamente dez anos, mas nesta primeira intervenção sobre a polémica defendeu a posição assumida pela AT que tem sido fortemente atacada pelos municípios e por alguns partidos da oposição e acusada de estar a favorecer a EDP (maior proprietária de barragens) em prejuízo do interesse público.

A atuação do fisco nesta matéria foi denunciada em várias instâncias e está a ser investigada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.

“Procuraremos ter uma solução que possa resolver este problema do ponto de vista estrutural e que deixe de levantar esta polémica a partir de 2025.” Sublinhando as competências da APA nesta matéria, Miranda Sarmento considera que se olhou demasiado para a “responsabilidade da Autoridade Tributária”.

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O ministro das Finanças foi ainda questionado sobre o risco jurídico que a alteração da lei pode trazer para as liquidações do imposto até agora e com base nas regras que estão em vigor.

“Diz-nos que vai alterar a lei porque há muita insegurança jurídica. Está a dizer que as cobranças para trás não têm valor e dá razão a todos os que contestam o dever de pagar IMI”, atirou a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.

Também Bernardo Blanco da Iniciativa Legal avisou: “a alteração legislativa pode virar-se contra o Estado“.

Joaquim Miranda Sarmento reconhece esse risco e afirma que a alteração legislativa tem de ser feita com muito cuidado de forma a garantir que se aplicará apenas para o futuro e não criará qualquer tipo de dúvida e incerteza sobre a atuação  da AT até ao momento da aprovação”. O ministro afirma ter “total confiança nos juristas do ministério das Finanças e  do Parlamento” para promoverem uma solução estrutural. Destacando que o que está em causa é um critério que deve ser igual para todos, criando uma “metodologia de critérios de avaliação para podermos no futuro ter regras claras e simples” e “critérios claros, previsíveis e simples e com segurança jurídica.”

Para o Movimento das Terras de Miranda, ouvido na terça-feira, mudar a lei pode ter o resultado de “limpar” todas as cobranças que estão para trás da entrada em vigor da nova legislação. José Maria Pires afirmou que o movimento seria contra uma alteração legislativa, na medida em que considera que irá dar força às impugnações da liquidação de IMI por parte dos sujeitos passivos, dificultando ainda mais a cobrança do imposto desde 2019 até 2023.

Miranda Sarmento admite ainda a caducidade da liquidação do imposto devido por 2019 nos casos em que tem havido contestação das avaliações propostas pela AT e que acabam por travar o processo de liquidação. Várias autarquias avançaram com processos a contestar esses valores, bem como as elétricas que são os sujeitos passivos da cobrança. “Nestes casos o tema passa para os tribunais. Para mim. aquelas liquidações são legais.”

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A AT inscreveu 169 barragens na matriz para cobrança do imposto em 2019, 2020, 2021 e 2022. No entanto, até agora só conseguiu cobrar cerca de 2% do valor de imposto liquidado, segundo dados avançados pela diretora-geral da AT ao Parlamento.