Os alimentos ultra-processados devem ser vendidos com “avisos ao estilo do tabaco”, avisa o cientista Carlos Monteiro, professor na Universidade de São Paulo. “São necessárias campanhas de saúde pública, como as que são feitas contra o tabaco, para travar os perigos para a saúde do seu consumo”, afirma o especialista, que é também um dos criadores do termo ultra-processados, em declarações ao The Guardian.
O aviso estende-se à publicidade feita a estes alimentos que, segundo o professor brasileiro, devia ser “proibida ou fortemente restringida“.
“Os ultra-processados estão a aumentar a sua quota e a dominar as dietas globais, apesar do risco que representam para a saúde em termos de aumento do risco de múltiplas doenças crónicas”, afirmou o especialista ao jornal britânico, revelando que vai destacar o perigo crescente que os alimentos cada vez mais processados representam para crianças e adultos no Congresso Internacional sobre Obesidade, que na edição deste ano se realiza em São Paulo, no Brasil.
Carlos Monteiro, que há 15 anos liderou o grupo que batizou uma categoria de alimentos transformados em fábricas enquanto ultra-processados, promoveu uma revolução académica sobre o tema e acabou por tornar-se uma referência internacional. Não tem dúvidas de que, em conjunto, estes alimentos estão a impulsionar aquilo que refere como a “pandemia de obesidade e outras doenças crónicas relacionadas com a alimentação, como a diabetes”.
Em fevereiro, um estudo estabeleceu ligação entre comida ultra-processada e 32 problemas de saúde.
A investigação agregou estudos dos últimos três anos de várias universidades e os resultados apontam para um aumento de 50% do risco de morte relacionada com doenças cardiovasculares.
Estudo estabelece ligação entre comida ultra-processada e 32 problemas de saúde
Ao The Guardian, Monteiro revela que as grandes empresas da indústria alimentar que comercializam ultra-processados sabem que, para serem competitivos, os seus produtos devem ser mais convenientes, mais acessíveis e mais saborosos do que as refeições preparadas na hora. “Para maximizar os lucros, estes UPF têm de ter um custo de produção mais baixo e ser consumidos em excesso”, afirmou.
No congresso sobre obesidade, que começou na quarta-feira e acaba no sábado, o especialista em Nutrição traça paralelos entre a comercialização de ultra-processados e as empresas de tabaco. “Tanto o tabaco como os ultra-processados causam inúmeras doenças graves e mortalidade prematura. Ambos são produzidos por empresas transnacionais que investem os enormes lucros que obtêm com os seus produtos atrativos/viciantes em estratégias de marketing agressivas e em lobbys contra a regulamentação; e ambos são patogénicos (perigosos) por conceção, pelo que a reformulação não é uma solução”.
Mas nem todos os especialistas têm o mesmo entendimento. Igualmente entrevistada pelo jornal britânico, Hilda Mulrooney, professora de nutrição e saúde na Universidade Metropolitana de Londres, afirmou que comparar os ultra-processados ao tabaco é “muito simplista”. “Não existe um cigarro seguro, mesmo enquanto fumador passivo, pelo que a sua proibição é relativamente simples, uma vez que os argumentos a favor da saúde são muito claros”, acrescenta. Na alimentação, “precisamos de uma série de nutrientes, incluindo a gordura, o açúcar e o sal, que têm múltiplas funções nos alimentos — estruturais, de conservação — e não apenas o sabor, o aroma e as propriedades hedónicas”.
“Não é tão fácil reformular algumas classes de alimentos para os reduzir e não são o mesmo que o tabaco, porque precisamos de alimentos — mas não nas quantidades que a maioria de nós está a consumir”, defende.