A audição ao advogado da mãe das gémeas luso-brasileiras foi suspensa esta tarde, depois de Wilson Bicalho se ter escudado num parecer emitido pela Ordem dos Advogados (e que alegadamente o proíbe de prestar depoimentos sobre o caso das gémeas) para não responder às questões dos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito.

O advogado invocou também, por diversas vezes, o artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que diz o “advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”. Perante a falta de respostas, os partidos votaram a favor da suspensão dos trabalhos, que já não serão retomados esta sexta-feira.

“Lamento a sua atitude. Não fez chegar o parecer da Ordem dos Advogados a tempo. Para além da falta de respeito que teve com os deputados, com a Comissão Parlamentar de Inquérito e com o Parlamento. O seu comportamento foi inaceitável”, disse Rui Paulo Sousa, que deixou ainda um aviso a Wilson Bicalho. “Caso não exista esse parecer, proponho que seja apresentado uma queixa à Ordem dos Advogados e ao Ministério Público”, alertou.

PSD considerou audição “uma farsa” e o depoimento de Wilson Bicalho “vergonhoso”

No início da audição, quando estava a ser questionado pelo deputado do Chega André Ventura, Bicalho justificou o silêncio com o parecer da Ordem dos Advogados. “Gostava de poder responder. Por isso, fiz o pedido à Ordem para que pudesse falar. Esse pedido foi negado”, garantiu o advogado de Daniela Martins, a mãe das gémeas. Ainda no período de perguntas do Chega, o deputado do PSD António Rodrigues insurgiu-se contra a invocação constante do silêncio por parte de Wilson Bicalho e defendeu que a audição não devia continuar “sob pena de [os deputados] estarem a colaborar com uma farsa”.

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“Se isto continuar assim, pediria que toda a audição fosse retirada das atas”, diz António Rodrigues, que considera o depoimento “vergonhoso”. Também João Almeida, do CDS, considerou que era preferível “interromper a audição”, o que acabou por acontecer depois da concordância de todos os grupos parlamentares.

Os deputados vão agora reunir-se para discutir o que se passou na audição, disse Rui Paulo Sousa aos jornalistas. A CPI vai esperar, até ao final do dia, pelo envio do parecer da Ordem dos Advogados. Se esse parecer for enviado, o presidente da CPI às gémeas admite vir a pedir à Ordem dos Advogados e a um tribunal o levantamento do sigilo profissional, de modo a poder retomar a audiência, ainda que à porta fechada. Caso o documento não chegue ao Parlamento, Rui Paulo Sousa reitera que será ponderada a apresentação de uma queixa ao Ministério Público.

Advogado de Daniela Martins queria falar à porta fechada. Deputados rejeitaram

Foi uma audição, no mínimo, atribulada. O advogado da mãe das gémeas luso-brasileiras foi chamado à CPI e a declaração inicial que fez (com ataques aos deputados e à comunicação social portuguesa) gerou críticas dos deputados e até reparos do próprio presidente da CPI, Rui Paulo Sousa. Wilson Bicalho anunciou, no início da audição, que se remeteria ao silêncio — tendo invocado o sigilo profissional — e pediu a continuação da audiência à porta fechada, o que foi liminarmente rejeitado pelos deputados.

Na resposta, o deputado do Chega André Ventura acusou Wilson Bicalho de atacar a “imprensa portuguesa, partidos e a justiça portuguesa” e, de “não querer que ninguém oiça mais nada”. “Isto não é assim”, criticou Ventura.

Na declaração inicial, Wilson Bicalho tinha acusado os deputados de terem feito “jogos de bastidores” e de terem “confrontado cobardemente” Daniela Martins durante a audição da mãe das gémeas. “A minha cliente foi cobardemente confrontada com documentos que diziam que ela tinha entrada com a ação [a pedir o medicamento Spinraza] na justiça brasileira a 26 de agosto de 2019. Temos documentos, que podemos facultar, em que o processo em questão é datado de 17 de setembro de 2019. É um processo que ocorreu posteriormente à data de assento de nascimento“, acusou.

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Segundo o advogado, o processo para obtenção do Zongensma deu entrada nos tribunais brasileiros a 10 de dezembro de 2019. “Ou seja, neste dia a família ainda continuava a travar a batalha inicial”, sublinhou. Wilson Bicalho realçou que Daniela Martins “foi confrontada com uma mentira calculada, sem demonstrar a mínima compaixão humana, só para fazer jogos de bastidores” e comparou mesmo a audição da passada sexta-feira a um “assassinato mediático“.

O advogado da mãe das gémeas luso-brasileiras deixou ainda duras críticas à imprensa portuguesa. “É triste a forma como a comunicação vem trabalhado em Portugal”. Wilson Bicalho classificou a comunicação social portuguesa como “sensacionalista” e “inescrupulosa” (sem escrúpulos). O advogado referia-se a uma peça, da TVI, e transmitida esta quinta-feira, em que é noticiado que o tratamento das gémeas SNS poupou milhões de euros à seguradora brasileira que, até então, pagava o primeiro tratamento das crianças — seguradora que pertencia a uma empresa que, na altura, era dona do hospital Lusíadas, onde a família das gémeas chegou ter uma consulta marcada.