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O secretário-geral das Nações Unidas (ONU) mencionou a guerra na Ucrânia apenas uma vez numa entrevista à agência estatal russa TASS. Ao longo da conversa, que foi feita em inglês pelo vice-diretor da agência Mikhail Gusman, António Guterres não deixou, no entanto, de referir que a ONU “pode fazer mais pela paz” e de apelar ao diálogo dos “países e poderes grandes” dentro da organização.
A entrevista terá sido feita na semana passada e publicada no site da TASS a 28 de junho. Esta segunda-feira, foi disponibilizado o vídeo da entrevista, que tem cerca de 20 minutos, no canal de YouTube da Embaixada da Federação Russa em Portugal, que pode ver aqui.
O secretário-geral das Nações Unidas abordou diversos temas — as desigualdades globais, as alterações climáticas, as oportunidades e desafios da inteligência artificial (IA) mas também a vontade de fazer reformas na ONU. Algo que “durante um longo período de tempo era um tema tabu” na organização. Uma das reformas ambicionadas passa por “ter pelo menos um membro africano permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas”.
Mas também admitiu que considera que, enquanto secretário-geral, tem “muito pouco poder” e que há questões em que não está “feliz com o que a ONU está a fazer”. “Não tenhamos ilusões. O secretário-geral da ONU tem muito pouco poder — não como um chefe de Estado ou uma grande empresa — e não tem muito dinheiro.” No entanto, tem “uma voz”. “Mas esta voz só é importante quando é fiel à Carta das Nações Unidas e ao Direito Internacional e serve os desfavorecidos deste mundo, aqueles que são vítimas da desigualdade.”
Destacou como ponto positivo do trabalho das Nações Unidas a ajuda humanitária, mas realça que é possível “fazer muito mais” no tema da paz. “Não temos paz no mundo. Uma das razões é a divisão geopolítica, as relações de poder que não são claras como eram antes. Temos de fazer muito mais na prevenção de conflitos e ser capazes de fazer muito mais quando um conflito é resolvido a criar as condições socioeconómicas para garantir que quando a paz é estabelecida se mantém”, declarou.
Em relação ao papel da Rússia na ONU, onde o país é membro permanente do Conselho de Segurança, Guterres disse que “é um país grande, um poder grande”. “E tenho a dizer que os problemas que temos na ONU normalmente vêm de poderes grandes. O que significa que é muito importante manter um diálogo aberto, franco e ter uma relação que está sempre a apontar para o objetivo de resolver os problemas em vez de agravá-los”, transmitiu.
Talvez na tentativa de manter o tal diálogo aberto, Guterres confirmou a participação na cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai, no Cazaquistão. “Vou ao Conselho de Cooperação de Xangai, na semana após esta entrevista acontecer”, disse o português. A cimeira acontece a 3 e 4 de julho, com as presenças confirmadas de Vladimir Putin e Xi Jinping.
Já esta quarta-feira, Dmitry Peskov, o porta-voz do Kremlin, admitiu a possibilidade de um encontro entre Putin e Guterres. “Não excluo a possibilidade de realizarem uma breve reunião. No entanto, atualmente não há planos para uma reunião bilateral separada”, disse, Dmitry Peskov, citado pela TASS.
Putin já está no Cazaquistão para cimeira onde também estará António Guterres
Guterres esteve em Moscovo em abril de 2022, para um encontro com Sergey Lavrov, o chefe da diplomacia russa, e com Vladimir Putin. Na altura, passados poucos meses da invasão da Ucrânia, o secretário-geral das Nações Unidas disse ser o “mensageiro” de um apelo geral a um cessar-fogo no conflito.
Guterres pede em Moscovo um cessar-fogo o mais rapidamente possível
Ao longo da conversa com a TASS, Guterres falou na Ucrânia uma vez — embora não seja claro se a entrevista foi reduzida ou editada. “A questão mais fundamental de todas é que as Nações Unidas foram criadas para a paz. E mesmo na paz estamos com problemas”, lamentou. “Gostaria de fazer tudo o que posso — mais uma vez, é só a voz e alguma capacidade para juntar pessoas — mas queria que no fim do meu mandato alguns dos conflitos mais dramáticos que temos hoje no Médio Oriente, na Ucrânia, no Sudão, estivessem resolvidos.”
Na pergunta seguinte, o entrevistador não segue o tema dos conflitos globais, direcionando a conversa para a próxima conferência da COP (Cimeira sobre as Alterações Climáticas), no Azerbaijão, perguntando se Guterres vai participar. “Claro, vou a todas as COP. É preciso haver um reconhecimento global de que estamos a andar para o abismo.”
Embaixada russa em Portugal comenta entrevista e lamenta falta de “atenção devido à política de censura de Bruxelas”
Depois de difundida a entrevista, o embaixador da Federação Russa em Portugal emitiu um comentário. No site da embaixada, Mikhail L. Kamynin disse que o “público português não conseguiu ver a entrevista do seu compatriota, o secretário-geral da ONU António Guterres, ao primeiro vice-diretor da agência de notícias TASS, Mikhail Gusman (…)”.
“Lamento muito que esta entrevista, bem como outros materiais, tenha ficado sem atenção do público português devido à política de censura conduzida por Bruxelas”, declarou. “As questões globais abordadas pelo secretário-Geral da ONU exigem esforços conjuntos de toda a comunidade internacional e quaisquer restrições, incluindo as do espaço mediático, impedem a resolução dos problemas atuais do mundo.”
No comentário, não há menções à Ucrânia ou à “operação militar especial”, expressão usada pela Rússia para se referir à guerra entre os dois países, nem ao facto de Moscovo ter proibido o acesso a 81 órgãos de comunicação social europeus, sendo o Observador um dos quatro portugueses censurados.
Observador e três outros meios de comunicação social portugueses entre os 81 proibidos na Rússia