O vírus H5N1, que durante décadas circulou apenas em aves, já deu o que os cientistas designam como salto zoonótico e está agora a ser transmitido também entre mamíferos, confirma um estudo publicado na revista Nature. No mesmo trabalho, os cientistas advertem que o vírus tem a capacidade para infetar seres humanos e alertam para um “risco de saúde pública”.

Os investigadores explicam que, na primavera de 2024, um surto sem precedentes de H5N1 foi detetado em bovinos nos EUA. O vírus espalhou-se dentro das explorações de vacas. Desde março que as autoridades americanas já identificaram surtos de H5N1 em mais de 80 manadas, em onze estados diferentes — o que indica que a transmissão se está a verificar entre os próprios bovinos.

Para além disso, os cientistas descobriram que o vírus está presente nas glândulas mamárias de fêmeas de ratos, furões e vacas, o que permite a transmissão do H5N1 às crias através do leite, prolongando a cadeia de transmissão do vírus. Antes, só tinham sido descritos casos de infeções com origem em aves e que afetaram gatos, furões, focas, elefantes e lobos-marinhos. Em 2022, um surto numa exploração de martas na Galiza obrigou as autoridades sanitárias espanholas a abatarem cerca de 50 mil animais.

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Com a transmissão entre mamíferos confirmada, o vírus pode vir a transmitir-se com maior facilidade, o que aumenta o risco de contágio em humanos. “Indica um risco aumentado para a saúde pública”, escrevem os investigadores no artigo da Nature, referindo-se a essa possibilidade.

Já em abril, a própria Organização Mundial de Saúde admite ter uma “preocupação enorme” quanto aos riscos que a transmissão entre mamíferos trazia para os humanos. Na altura, o responsável da OMS Jeremy Farrar disse que, ao infetar cada vez mais mamíferos, existe o risco de que o vírus “evolua”, desenvolva a capacidade para infetar humanos e depois “viaje de humano para humano”.

Ao portal especializado em ciência STAT, o cientista principal do estudo agora publicado na Nature diz que o vírus tem “uma capacidade de se ligar a recetores do tipo humano”. No entanto, Yoshihiro Kawaoka (que trabalha na Universidade do Wisconsin-Madison e estuda o H5N1 há décadas) lembra que ainda é prematuro afirmar se o vírus se vai estabelecer entre os humanos, uma vez que “a ligação aos recetores do tipo humano não é o único fator necessário para que um vírus da gripe aviária se replique bem em humanos”.

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A verdade é que já foram detetados casos em humanos — cerca de 900 nos últimos 20 anos. Todos estiveram em contacto próximo com aves ou outros animais. Um dos últimos casos conhecidos foi identificado no estado norte-americano do Michigan, num trabalhador de uma das explorações bovinas afetadas pelos surtos de H5N1.

A preocupação no seio da OMS é real, uma vez que o vírus tem um alta taxa de mortalidade — superior a 50%. Em abril, um homem morreu no México depois de ter sido hospitalizado com H5N2, uma outra variante da gripe das aves.