“Conseguimos mudar a história”. Foi assim que a mãe de uma das raparigas cujo rosto foi usado em fotografias falsas eróticas (deepfakes pornográficos) que circularam no WhatsApp, reagiu à condenação de 15 adolescentes, em Espanha. A pena dos menores é de um ano de “liberdade vigiada”, o equivalente a pena de prisão suspensa em Portugal. Ou seja não vão para a prisão mas terão de receber formação afetivo-sexual, sensibilização para a igualdade de género e uso responsável de tecnologia.

Chegou assim ao fim o caso que inquietou a povoação de Almendralejo (e o mundo), na Extremadura espanhola, em setembro passado, quando, no regresso às aulas, as imagens manipuladas por Inteligência Artificial de vinte jovens invadiram os telemóveis dos colegas, e mais tarde, dos pais.

As investigações começaram logo aí mas só fim de junho o Tribunal de Menores de Badajoz proferiu a sentença que se tornou nesta terça-feira notícia nos jornais espanhóis, depois de o el Periódico Extremadura a avançar. Os 15 jovens, com idades entre os 14 e os 17, foram tidos culpados de 20 crimes contra a integridade moral das vítimas e outros 20 crimes de pornografia infantil.

Segundo Miriam Al Adib, o caminho até esta sentença foi “duro”. Como mãe de uma das vítimas destas fotografias, não queria que os rapazes fossem para a cadeia, mas que fossem “educados”. Assim foi: o tribunal deixou os os 15 rapazes em liberdade mas obrigados a frequentar cursos de consciencialização para a igualdade de género e ainda sobre o uso responsável da tecnologia, para além de formação afetivo-sexual.

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A sentença explica ainda o processo através do qual as imagens foram criadas, como reporta o El Mundo. Os jovens retiraram fotografias de 20 raparigas entre os 12 e os 15 anos – algumas delas, colegas – das redes sociais. E depois recortaram: descartaram o corpo, aproveitaram o rosto. A seguir colaram-nas a corpos femininos nus e criaram imagens geradas por inteligência artificial. O último passo foi divulgá-las.

Sendo Almendralejo uma cidade pequena as imagens circularam rápido pelo WhatsApp. Várias raparigas ficaram aterrorizadas: reconheciam o rosto, mas não o corpo. Nunca se tinham deixado fotografar assim. No entanto, a inteligência artificial criou imagens falsas quase reais: “Muito, muito, muito bem-feitas”, confessou o marido de Al Dib, José Ramón Paredes, ao Observador em setembro do ano passado.

Espanha. 22 vítimas e 10 identificados no caso das fotos falsas de menores nuas: “Há raparigas a sofrer em silêncio desde junho”

A filha, contrariamente a muitas outras raparigas, também vítimas destas fotografias, que sofreram “em silêncio”, mostrou as imagens à família, que confessou, num primeiro momento, “sentir repugnância” mas que afastou qualquer sentimento de vergonha. A mãe deu a volta à situação e utilizou as redes sociais para denunciar a situação.

Foi suficiente um direto no Instagram – onde Al Dib acumula já 176 mil seguidores – para pôr Almendralejo no mapa mundial, a história chocou pessoas desde o Peru até Israel. Através deste canal, Miriam Al Dib garantiu ainda que os jovens não tinham consciência do mal que fizeram, “caso contrário não o tinham feito”. Fez ainda um apelo geral:

A todos estes miúdos, parem com isto. Não apenas os que estão a despir artificialmente as raparigas, mas todos os que estão a partilhar. Se receberem imagens, vão à polícia e apaguem-nas. Não continuem a espalhá-las”.

Contrariamente às imagens, que nunca se tornaram públicas — embora tenham sido colocadas na plataforma Only Fans — a história espalhou-se e Al Adib foi convidada a ir a Bruxelas por um eurodeputado do Intergrupo dos Direitos da Criança, avançou o elDiario.es.

Em Espanha, de acordo com o mesmo jornal, a história serviu de alerta para a necessidade de refletir sobre as diferenças e a igualdade entre os homens e as mulheres e uma educação sexual “adequada”, em vez do modelo pornográfico que promove “o sexismo e a violência”, mas também sobre o vazio legal nestas questões. Em Portugal, por exemplo, o Observador questionou a eficácia e a preparação da Lei em questões relativas à manipulação de imagens através de inteligência artificial.

Lei não está preparada para a manipulação de imagens por IA. E quem mais sofre são as mulheres