A transferência de dinheiro de empresas públicas para o Estado central no final do ano passado continua a ser escrutinado pelo Parlamento. Depois de ter ouvido na quarta-feira o ex-presidente da Águas de Portugal, José Furtado, esta quinta-feira foi ouvido Pedro Ângelo, presidente da NAV, e ainda será ouvida a presidente da Imprensa Nacional Casa da Moeda, Maria Helena Vasconcelos. No conjunto as três empresas entregaram, no final do ano, 130 milhões.
No caso da NAV, o Governo, numa reunião em que se fez representar pelos dois secretários de Estado (do Tesouro e das Finanças), João Nuno Mendes e Pedro Rodrigues, ainda tentou que fossem transferidos 50 milhões de euros. Mas a empresa considerou excessivo. Segundo conta o seu presidente, Pedro Ângelo, na reunião telemática de 22 de dezembro foi confrontado com um pedido de distribuição de resultados de 50 milhões. Mas “depois de uma análise cuidada com a direção financeira e com o revisor oficial de contas” foi concluído que “o que era possível entregar de resultados transitados eram 19,6 milhões de euros”. “Nessa sequência e da análise interna, mais tarde remetido por email ao chefe de gabinete do senhor secretário de Estado do Tesouro foi dito que só se conseguia realizar isto” — perto de 20 milhões que foram transferências de resultados transitados dos anos entre 2016 e 2019.
Pedro Ângelo acrescenta que “o que posso garantir e esclarecer é que aparentemente, a ser verdade, o caso da Águas de Portugal (AdP) não tem nada a ver com NAV”, isto porque, garantiu aos deputados, não foi prometido à NAV a recapitalização por conta do dinheiro retirado. Segundo o ex-presidente da Águas de Portugal, à empresa foi prometido que seriam retirados 100 milhões no final do ano que seriam repostos, sob forma de aumento de capital, no ano seguinte.
Isso não aconteceu na NAV até porque, como garante Pedro Ângelo, a operação, noticiada em maio pelo público, não comprometeu a situação financeira da companhia. “Na NAV a distribuição de resultados não foi feita sob qualquer compromisso de aumento de capital ou recapitalização e não comprometeu nem a atividade operacional da empresa nem a execução do seu plano de investimentos nem mesmo se a empresa quisesse assegurar a liquidação antecipada do empréstimo feito na pandemia”. O presidente da empresa concretizou: as disponibilidades financeiras no final de 2023, “já depois de termos feito a transferência”, eram de 93 milhões.
E, mesmo “descontando o valor previsto para os investimentos para 2024 – de 42,9 milhões – bem como a eventual amortização de 12,2 milhões do empréstimo, ficaria com liquidez de 36 milhões”. Quando em normalidade as responsabilidades financeiras são de 15 milhões, ficando, por isso, acrescentou o responsável, “confortável para enfrentar o ano”. Até porque, acrescentou, em 2023 a NAV teve o melhor EBITDA “de sempre”, 50 milhões, o dobro de 2022.
Pedro Ângelo revela que a situação líquida da NAV tem vindo sempre a crescer e em junho até já era superior aos 93 milhões. O presidente da NAV, que ascendeu ao cargo em dezembro de 2023 (era vogal) ocupando o lugar que tinha sido deixado vago por Alexandra Reis, reafirmou, no Parlamento, que “a situação de liquidez não ficou prejudicada e [a transferência] não acarretará dificuldades para fazer face atividade operacional”. Mesmo que a empresa realizasse num só ano todo o investimento projetado e amortizasse a dívida “a situação ficaria acima da água”. A este propósito realçou que não é opção, para já, da empresa amortizar o empréstimo já que este tem “um pricing mais competitivo do que taxas aplicadas quando fazemos aforro. Não seria ato de boa gestão liquidar o empréstimo”, pelo que deverá “conviver com ele até à sua maturidade (2027)”.
O responsável da empresa assume, junto dos deputados, que esta terá sido a primeira vez que a empresa entregou dividendos extraordinários, mas que não lhe foi referida a necessidade de o fazer para que a dívida pública fosse reduzida.
Para este ano, e segundo as contas já entregues à tutela, a NAV propôs o pagamento de um dividendo ordinário de 8,7 milhões de euros, 50% do resultado líquido. Mas cabe ao acionista Estado decidir. E isso Pedro Ângelo realçou: “É uma competência do acionista à qual não me devo imiscuir. A administração faz proposta mas quem decide a aplicação dos resultados é o acionista, abstenho-me de fazer comentários”. E até pelo Código das Sociedades Comerciais a gestão não se pode opor à distribuição de resultados aprovada pelos acionistas.