O Governo Regional dos Açores está ser acusado pelo PS regional de ceder ao Chega na aprovação de um projeto que tem como objetivo dar “prioridade às crianças provenientes de agregados familiares cujos progenitores ou encarregados de educação estejam empregados” e que, consequentemente, discrimina filhos de pais desempregados. “Foi aprovado porque o Governo depende do Chega para a aprovação do futuro Orçamento Regional”, disse à rádio Observador  vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS na Assembleia Regional, Andreia Cardoso.

Segundo o Expresso, o projeto foi aprovado após um debate tenso em que os deputados do Chega acusaram as famílias desempregadas e beneficiárias do Rendimento Social de Inserção (RSI) de deixarem “os filhos na creche” e de regressarem a casa para passar “o dia todo a ver televisão se cuidar dos filhos”, enquanto os casais que trabalham “não conseguem de maneira nenhuma um lugar numa creche”.  A maioria de direita no parlamento regional aprovou o texto: os deputados do Chega, do PSD, do CDS e do PPM votaram a favor, os do PS, Bloco de Esquerda e PAN votaram contra e a IL absteve-se. Um deputado do PSD e outro do CDS ausentaram-se da sala durante a votação.

Açores. Parlamento regional aprova resolução que discrimina filhos de desempregados no acesso a creches gratuitas

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para Andreia Cardoso, o momento da votação, na semana passada, foi um “dia negro no Parlamento dos Açores, que envergonha todos e é demonstrativo do que é possível fazer quando se deseja o poder pelo poder”.

Andreia Cardoso recorda que em setembro do ano passado o Chega tentou aprovar em plena Assembleia República um diploma onde também dava prioridade no acesso às creches gratuitas a crianças com pais trabalhadores — e que só teve o voto a favor do partido de André Ventura.

A vice-presidente do grupo parlamentar socialista considera ainda que o projeto “relega para segundo plano o superior interesse das crianças e a própria convenção dos direitos das crianças, bem como a própria Constituição Portuguesa.”  Andreia Cardoso acrescenta ainda que esta situação “coloca as famílias umas contra as outras” e não deixou de se mostrar chocada pela forma como o executivo de José Manuel Bolieiro foi arrastado pelo Chega numa iniciativa que considera marcada pelo “discurso de ódio contra os beneficiários do RSI”.

Igualmente à rádio Observador, o ex-ministro da Educação e recém-eleito líder da Agência Europeia para o Ensino Especial e Educação Inclusiva , João Costa, apelidou a iniciativa de “terrível”. O antigo governante alerta para a importância da educação pré-escolar no desenvolvimento das crianças, dizendo que “uma educação pré-escolar de qualidade é um dos principais preditores de sucesso escolar logo nos primeiros anos de aprendizagem”.

Ouça aqui o Direto ao Assunto com João Costa

Apertam regras nas creches gratuitas. “É terrível”

PS/Açores remete para decreto regulamentar regional

Contactado pelo Rádio Observador,  o grupo parlamentar do PSD/Açores recusou prestar declarações, defendeu que a “história” relatada no Expresso está mal contada e remeteu para o Decreto Regulamentar Regional n.º 17/2001/A de 29 de novembro. Em causa está o segundo ponto do artigo 12.º no qual se lê que “a valência de creche destina-se a acolher as crianças pertencentes a famílias em que ambos os progenitores, o progenitor que tem a criança à sua guarda ou aquele ou aqueles a quem a criança foi confiada, trabalham, ou famílias que, por razões sociais devidamente fundamentadas, não possam assegurar em permanência a sua assistência, entre a idade correspondente ao termo da licença por maternidade, paternidade ou adopção e o ingresso no jardim-de-infância”.

A presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, Susana Baptista, em entrevista à rádio Observador, recorda a falta de vagas nas creches e relembra “o desespero das famílias pelo facto de não haver vagas suficientes”. No entanto, considera que “não se pode concordar com a discriminação das famílias” e defende que as “creches deviam ser acessíveis a todas as famílias e crianças”.