Ricardo Salgado deverá ser julgado nos próximos meses em quatro processos diferentes sobre os diversos ilícitos criminais praticados durante a sua liderança do Banco Espírito Santo (BES). Além dos autos do caso Universo Espírito Santo e da Operação Marquês — nos quais foi pronunciado por corrupção ativa do ex-primeiro-ministro José Sócrates e dos ex-gestores da Portugal Telecom Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, entre outros crimes —, o ex-banqueiro soube esta segunda-feira que além de ir também a julgamento pelo caso Banco Espírito Santo Angola (BESA) também será julgado por ter alegadamente corrompido um ex-vice-presidente do Banco do Brasil.
Ricardo Salgado acusado de ter corrompido ex-banqueiro brasileiro ligado ao PT de Lula da Silva
Esta segunda-feira, Ricardo Salgado, Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola, e Amílcar Morais Pires, ex-diretor financeiro do BES, souberam que iriam a julgamento pelo caso BESA, acusados burla, abuso de confiança e branqueamento de capitais. Mas desconhecia-se que, momentos antes da leitura dessa decisão instrutória, tinha acontecido uma diligência igual, e com o mesmo resultado, numa sala diferente do Tribunal Central de Instrução Criminal. A que levou também à pronúncia para julgamento do ex-líder do BES e de vários ex-diretores do BES e do Grupo Espírito Santo, referente a um outro processo que envolve Allan Simões Toledo, ex-vice-presidente do Banco do Brasil, banqueiro ligado ao PT de Lula da Silva, suspeito de ter sido alegadamente corrompido por Salgado. Trata-se de um caso que o Observador revelou em primeira mão em novembro 2018.
Ao que o Observador apurou, o juiz de instrução Nuno Dias Costa decidiu validar parcialmente a acusação do Ministério Público, datada de dezembro de 2021, e pronunciou Ricardo Salgado por um crime de corrupção ativa, com prejuízo no comércio internacional, e outro crime de branqueamento de capitais. Além de Ricardo Salgado, também João Alexandre Silva (ex-diretor do BES Madeira) e Paulo Nacif Jorge (ex-funcionário do Grupo Espírito Santo), foram pronunciados por vários crimes, bem como mais dois ex-diretores do BES.
Alexandre Silva e Nacif foram pronunciados pelo crime de corrupção ativa no comércio internacional em regime de co-autoria com Ricardo Salgado, além de também responderem por vários crimes de corrupção passiva no setor privado.
João Alexandre Silva, Paulo Nacif, Paulo Murta (ex-funcionário da Gestar) e Humberto Coelho (ex-funcionários do GES) responderão igualmente em julgamento por vários crimes de branqueamento de capitais.
O juiz Nuno Dias Costa decretou contudo a prescrição dos crimes de falsificação de documento que eram imputados a vários arguidos, nomeadamente aos advogados Miguel Caetano de Freitas, à sua mulher Sofia Ribeiro e a Paulo Nacif. O escritório de advogados Caetano de Freitas & Associados também se viu livre da acusação por falsificação de documento.
Como o ex-vice-presidente do Banco de Brasil terá sido corrompido por Ricardo Salgado
No centro deste caso estão cerca de 1,8 milhões de dólares (cerca de 1,6 milhões de euros ao câmbio atual) que Allan Simões Toledo terá recebido em várias tranches no início de 2012 numa conta bancária aberta no Espírito Santo (ES) Bankers no Dubai. Tal montante tinha sido transferido pela ES Enterprises (a empresa que seria o “Saco Azul” do BES) a partir de uma das suas contas no Banque Privée Espírito Santo após ordens de Ricardo Salgado.
Contudo, Allan Simões Toledo não abriu uma conta no ES Bankers no Dubai em nome próprio. A conta foi aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Travbell Assets, SA — que foi criada no Panamá pelo escritório de advogados Aleman, Cordero, Galindo e Lee, um dos principais concorrentes do escritório Mossack Fonseca, que esteve na origem do caso Panama Papers.
Ex-vice-presidente do Banco do Brasil investigado por receber 1,5 milhões do ‘saco azul’ do GES
A Travbell terá sido constituída por Paulo Murta, acionista e funcionário da ICG Wealth Management — uma sociedade de gestão de fortunas liderada por Michel Joseph Ostertag e com ligações próximas a Ricardo Salgado –, através de um alegado pedido do advogado Miguel Caetano de Freitas. Segundo o MP, Caetano de Freitas terá agido como alegado testa-de-ferro de Allan Simões Toledo, sendo o então vice-presidente do Banco do Brasil o real beneficiário da Travbell.
De acordo com documentação interna da ES Enterprises, que o Observador revelou em novembro de 2018, a primeira transferência da ES Enterprises para a Travbell aconteceu a 2 de fevereiro de 2012 e foi de 800 mil dólares (cerca de 731 mil euros ao câmbio atual), enquanto a segunda, no valor de um milhão de dólares (cerca de 914 mil euros), ocorreu mais tarde. O MP terá descoberto mais valores transferidos pela ES Enterprises para a Travebell, sendo que Simões Toledo terá recebido um total de cerca de 1,8 milhões de euros.
Os pagamentos terão sido realizados, de acordo com a acusação do Ministério Público (MP), por ordens de Ricardo Salgado e teriam um objetivo simples: que Simões Toledo alegadamente exercesse a sua influência enquanto administrador do Banco do Brasil para que fosse aprovada uma linha de crédito de cerca de 200 milhões de dólares (cerca de 182,8 milhões de euros ao câmbio atual) para financiar o BES.
Tal linha de crédito terá sido concedida em 2011 quando Ricardo Salgado e os diretores do BES mais próximos de si já tinham consciência de que o Grupo Espírito Santo atravessava dificuldades financeiras, tendo começado as alegadas práticas de falsificação da contabilidade das principais holdings do grupo que o MP imputa a Salgado.
O caso BESA e o desvio de centenas de milhões de euros do banco africano do BES
Já no caso do BESA, Ricardo Salgado vai responder em julgamento por cinco crimes de abuso de confiança e um de burla qualificada em regime de co-autoria com diversos arguidos.
Dos crimes que foram alvo de pronúncia, destaca-se o crime de burla qualificada imputado pelo juíza de instrução criminal a Salgado, em regime de co-autoria com Álvaro Sobrinho, Amílcar Morais Pires e Rui Silveira. O MP imputa a estes arguidos o alegado conhecimento de diversas fraudes na gestão do BESA e de terem ocultado as informações das mesmas do prospeto do último aumento de capital do BES. Ou seja, terão ocultado deliberadamente informação dos investidores. A juíza Gabriela Assunção validou esta visão do MP.
Álvaro Sobrinho foi igualmente pronunciado por 18 crimes de abuso de confiança agravado e cinco de branqueamento de capitais. O MP imputa-lhe na acusação deduzida em julho de 2022 um alegado desvio de cerca de 264 milhões de euros e outro de cerca de 129 milhões de dólares (cerca de 117 milhões de euros) dos cofres da filial angolana do BES entre 2007 e 2012.
BESA. Sobrinho acusado de desviar 15 milhões de euros para o Sporting
Uma parte desse montante, cerca de 15 milhões de euros, terão ido parar ao Sporting, clube de que Sobrinho era acionista. Cerca de 2,5 milhões de euros terão sido utilizados na compra de relógios e jóias, como o Observador noticiou em julho de 2022.
Também Ricardo Salgado (ex-presidente executivo do BES) foi pronunciado por cinco crimes de abuso de confiança — o mesmo crime foi imputado a Amílcar Morais Pires e Hélder Bataglia, ex-administrador do BESA. Todos são acusados pelo MP de terem alegadamente desviado fundos do BESA em proveito próprio, com recurso a diversas sociedades offshore com contas bancárias na Suíça.
Texto alterado às 19h08m. Álvaro Sobrinho foi igualmente pronunciado por um crime de burla qualificada, juntamente com Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Rui Silveira.