A maratona é uma das provas mais emblemáticas do atletismo. É aquela que, por norma, encerra o programa e a que cativa mais espectadores. E o programa olímpico não é exceção. Os Jogos Olímpicos da era moderna começaram em 1896 e, desde então, a maratona está presente. Ainda assim, nem sempre se correu nos atuais 42,195 kms e até há quem discuta a origem da primeira prova olímpica da maratona moderna.
Os Jogos de Londres, em 1908, são apontados como a primeira prova em que a maratona foi corrida na distância tradicional. Contudo, há quem diga que os cálculos falharam e só em Paris-1924 a prova foi percorrida em 42,195 kms. Vamos por partes. Há 116 anos, o italiano Dorando Pietri, de 22 anos, foi o primeiro a cortar a meta, mas acabou desqualificado porque caiu cinco vezes e foi ajudado pelos espectadores nessas cinco ocasiões.
Assim, o norte-americano Johnny Hayes conquistou o primeiro lugar, embora a garra e força tenham tornado Pietri numa celebridade, ao ponto de a rainha Alexandra lhe ter oferecido um troféu e Conan Doyle, autor das histórias de Sherlock Holmes, ter angariado 300 libras (cerca de 48 mil euros atualmente). Afinal, aquele dia marcou a história do atletismo e dos Jogos Olímpicos.
Contudo, cerca de um século depois, John Bryant, antigo editor do Daily Telegraph, partilhou que o percurso de 1908 afinal não continha os 42,195 kms, baseando-se em “mapas, fotografias contemporâneas e métodos do século XXI” para concluir que a distância foi mal calculada. O medidor foi John Disley, cofundador da Maratona de Londres, que considerou que a discrepância pode ter sido causada pela partida, no Castelo de Windsor, que há última da hora passou da Long Walk para o Eastern Terrace.
A notícia chegou a Joe Neanor, antigo funcionário público, que ficou em choque, revela o The Guardian. “Como maratonista, fiquei arrasado. Pensei: ‘Estamos a correr essa distância e é mentira’”, contou. A partir daí começou uma longa batalha de quatro anos para provar que Disley estava enganado. Os primeiros 700 metros foram corridos no Castelo de Windsor, mas ninguém sabia onde tinha sido a partida. O relatório oficial dizia, de forma vaga, que “a corrida começa no Castelo de Windsor, perto do East Terrace, a 700 metros do memorial da rainha Vitória”.
Neanor começou a investigar e, depois de inúmeras pesquisas, encontrou uma fotografia panorâmica do Illustrated London News que mostrava os atletas na linha de partida. “É a única fotografia que reúne esses dois elementos numa única imagem. E só existe por causa dos dois filhos que estão no fundo, a princesa Mary e o futuro Jorge VI, o avô do nosso Rei Carlos”, confidenciou. A partir daí, pediu ajuda a Hugh Jones, vencedor da Maratona de Londres e 1989 e, atualmente, medidor de distâncias dos percursos da maratona.
On the 24th July 1908: Fifty six runners begin the London Marathon from Windsor Castle as part of the London Olympic Games. Good luck to all competitors in the upcoming Paris games. @mirrorpix #Paris2024 #ParisOlympics pic.twitter.com/R3Jh9Dik6F
— John Mead (@TMArchivist) July 24, 2024
Contudo, surgiu outro problema: o Castelo de Windsor pertence à coroa britânica, pelo que os dois homens não tinham permissão para entrar. Assim, pediram permissão ao Rei Carlos, que aceitou prontamente. Segundo um porta-voz do castelo, “o Rei deu a sua aprovação e expressou o seu interesse no resultado” final. Num dia chuvoso, Neanor colocou a sua teoria à prova, apoiado pela bicicleta de medição de Jones e o coronel Duncan Dewar. Depois de medir as distâncias do memorial até à Wicket Gate (261 metros) e deste ao East Terrace, Jones concluiu que os primeiros 700 metros da maratona de 1908 foram medidos com precisão, dando razão a Neanor.
O momento foi registado com uma fotografia e um aperto de mão entre Jones e Neanor. Por agora, sabe-se que o Castelo de Windsor está a considerar reconhecer o trabalho dos dois investigadores. “Estamos a examinar a possibilidade de marcar a posição da partida para referência futura. Mas nada foi acordado até ao momento”, disse ao The Guardian um porta-voz do castelo.