Os ataques quase diários de parte a parte não são novidade, as vítimas mortais também não, mas desde 7 de outubro, quando o ataque do Hamas reacendeu a guerra em Gaza, que uma ofensiva do Hezbollah contra Israel não causava tantos mortos, nem deixava a região tão perto de uma escalada de conflito que corre o risco de acender (ainda mais) o rastilho para uma guerra generalizada no Médio Oriente. No sábado, doze crianças e adolescentes que estavam num campo de futebol nos Montes Golã — território controlado por Israel — morreram na sequência de um ataque com rockets lançados pelo Hezbollah, grupo terrorista que opera a partir do sul do Líbano.

O gabinete de segurança israelita reuniu-se no domingo para discutir a resposta militar ao ataque e não deixou de fora a opção de responder na mesma moeda na capital do Líbano, Beirute. O Hezbollah, com uma poderosa milícia e movimento político apoiados pelo Irão, negou qualquer responsabilidade pelo ataque à cidade de Majdal Shams, mas . Israel nunca duvidou em atribuir-lhe a autoria do mesmo. Os EUA acabaram por concluir que o lançamento de rockets, a partir do sul do Líbano, foi realizado pelo grupo terrorista.

Israel prometeu atacar duramente o grupo terrorista, com o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu a garantir que o “ataque assassino” não seria ignorado e que o Hezbollah vai pagar “um preço elevado que não pagou até agora”. A promessa não foi vã e começou a ser cumprida esta segunda-feira num ataque com recurso a drones que atingiu um carro e uma moto e matou dois membros do grupo islamita. Uma eventual resposta israelita de grande dimensão levou a companhia aérea alemã Lufthansa, por uma “questão de precaução” a suspender cinco rotas que partem ou têm como destino Beirute, capital do Líbano, avançou a agência Reuters.

O que se espera de uma escalada do conflito entre Israel e o Hezbollah?

Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, tem afirmado repetidamente que o grupo xiita não quer uma guerra em grande escala com Israel, mas dá garantias de estar preparado no caso de ela chegar. Em janeiro, já avisava que qualquer guerra contra Israel seria travada “sem restrições nem regras”. “De momento, estamos a lutar na frente de forma calculada, mas se o inimigo pensa em lançar uma guerra contra o Líbano, lutaremos sem limites, sem restrições, sem fronteiras”, avisou Nasrallah, num discurso televisivo transmitido em direto, acrescentando: “Não tememos a guerra.”

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Hezbollah ameaça lutar “sem limites” se Israel declarar guerra ao Líbano

Como recorda a BBC, no mês passado o grupo reforçou a mesma ideia e disse que, até agora, tinha mobilizado apenas uma fração das suas armas. E os recursos não ficam por aí: uma grande operação contra o grupo poderia levar ao envolvimento de outras milícias apoiadas pelo Irão na região, que fazem parte daquilo a que Teerão chama o “Eixo da Resistência”.

Já sobre o impacto que uma guerra em larga escala teria nos dois países, o sofrimento humano e destruição seriam certos em ambos os territórios, mas o Líbano seria duramente afetado tendo em conta a crise constante que vive há mais de dez anos. De acordo com a BBC, a economia libanesa está em colapso, estimando-se que 80% da população esteja na pobreza, e as disputas políticas bloquearam a eleição de um presidente durante quase dois anos.

Além disso, é certo que o governo libanês tem uma influência limitada sobre o Hezbollah, que, tal como o Hamas, é considerado uma organização terrorista pelos EUA, Reino Unido e outros países. Resta-lhe apelar e realizar esforços diplomáticos, como tem feito até agora, para que ataques como o de sábado passado não se repitam.

Num momento em que as negociações para alcançar um acordo de cessar-fogo em Gaza conhecem desenvolvimentos significativos também é mais que provável que, como refere o jornal norte-americano Axios, a escalada de violência entre Israel e o Líbano coloque em causa e acabe a congelar as negociações sobre o acordo de reféns e cessar-fogo em Gaza.

“Catástrofe inimaginável” se conflito com o Líbano rebentar. Os avisos chegam de dentro e de fora

Em permanente contacto com o Líbano e Israel e a apelar à “contenção máxima e a que coloquem um ponto final nas trocas de fogo atualmente em curso e intensificadas”. É assim que a ONU diz estar a acompanhar os recentes desenvolvimentos dos ataques e contra-ataques na zona transfronteiriça dos dois países.

A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), com a missão de manutenção de paz da ONU no sul daquele país, alertou este domingo para o risco de uma “conflagração mais alargada” entre Israel e o Hezbollah “que abarcaria a região inteira numa catástrofe inimaginável”.

Emmanuel Macron, citado pelo Telegraph, também ligou na noite deste domingo ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a pedir que se realizem esforços no sentido de “evitar uma nova escalada de violência na região”.

Nem só de fora chegam os apelos: o ministro dos Negócios Estrangeiros libanês, Abdallah Bou Habib, disse à BBC que as autoridades estavam a “pedir ao Hezbollah que não retaliasse”. O Reino Unido congratulou o apelo do governo libanês à cessação de toda a violência. As declarações surgiram após o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico ter falado por telefone com o primeiro-ministro do Líbano. “Ambos concordámos que o aumento do conflito na região não é do interesse de ninguém”, escreveu David Lammy no X.

Já o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, Oren Marmorstein, disse que a “única forma” de evitar um conflito era implementar a Resolução 1701 das Nações Unidas, aprovada para pôr fim à guerra de 2006. O texto prevê a retirada dos grupos armados do sul do Líbano, entre o rio Litani e a Linha Azul, a fronteira não oficial com Israel que nunca foi plenamente aplicada. E deixou um aviso claro: “Este é o ‘último minuto‘ para evitar uma guerra por via diplomática.”

Também a administração Biden avisou Israel que, se atingisse alvos do Hezbollah em Beirute em resposta ao ataque mortal nos Montes Golã no sábado, “a situação ficaria provavelmente fora de controlo”. Ainda assim, esta segunda-feira, o porta-voz de segurança nacional da Casa Branca reagiu aos ataques do Hezbollah aos Montes Golã e a retaliação israelita, reafirmando o apoio norte-americano à “legítima defesa israelita”. John Kirby assinalou contudo, que a defesa de Israel não deve levar à escalada no conflito na fronteira com o Líbano. No comunicado, citado pelo The Times of Israel, o norte-americano alertou ainda que o ataque atribuído ao Hezbollah não deve pôr em causa as negociações de paz que estão em curso com o Hamas.