Combateu no Iraque, foi cirurgião cardíaco, esteve no Parlamento iraniano durante mais de 15 anos, assumiu o cargo de ministro da Saúde e, por fim, candidatou-se pela fação moderada e reformista (qb) à presidência do Irão. Masoud Pezeshkian, de 69 anos, foi eleito no dia 6 de julho e tomou posse esta terça-feira como novo Presidente iraniano.
A par com as muitas vidas profissionais que viveu, criou os três filhos como pai solteiro, após a sua mulher e um dos filhos morrerem num acidente de viação. Ao contrário do que era esperado pela sociedade iraniana, Pezeshkian não voltou a casar e assumiu o papel de dono de casa. Não só não escondeu a história pessoal trágica do país durante a candidatura, como a exibiu em pleno vídeo de campanha eleitoral — os primeiros minutos do seu tempo de antena mostram-no a visitar a campa da mulher no cemitério, momento que lhe serve de ponto de partida para seguir o caminho da candidatura à liderança do país.
A jornada eleitoral teve resultados. Depois de uma primeira volta em que muitos iranianos boicotaram as eleições em sinal de protesto, na segunda volta os eleitores decidiram lutar por uma nova liderança menos rígida e mais cooperante com o Ocidente. Da deslocação em massa às urnas resultou a eleição de Pezeshkian com 16,3 milhões de votos, mais 2,8 milhões do que o seu oponente conservador, Saeed Jalili.
“O difícil caminho que temos pela frente não será fácil, a não ser com a vossa companhia, compaixão e confiança”, escreveu Pezeshkian nas redes sociais após a vitória. Noutro post, agradeceu aos jovens “que vieram trabalhar com amor e sinceridade para o Irão” e “lançaram um raio de esperança e confiança no futuro”.
Reformista que chegue para lutar contra o hijab, mas sem poder para fazer as pazes com Israel
A eleição extraordinária para a liderança do governo iraniano precipitou-se devido à morte inesperada do Presidente Ebrahim Raisi na queda de um helicóptero no noroeste do país. Raisi era um ultraconservador que lutou pela aplicação rigorosa do código de vestuário obrigatório da república islâmica, incluindo as leis que exigem que as mulheres o uso do hijab, o lenço na cabeça.
[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor.]
Perante protestos devido à morte de várias jovens — após serem detidas pela polícia da moralidade por conduta de vestuário indevido — o então Presidente iraniano afirmou que as que se recusavam a cobrir a cabeça em público eram “ignorantes” e “precisavam de ser acordadas” e guiadas a compreender que não estavam a servir os interesses nacionais do seu país. Defendia mesmo que um “pequeno grupo” de mulheres tinham sido “treinadas por estrangeiros” numa tentativa “organizada” de minar o governo do Irão.
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A visão radical de Raisi levou a que muitos conservadores, neste novo ato eleitoral, tenham acabado a votar em Pezeshkian. Saeed Jalili, o seu oponente conservador, era tido como demasiado extremista e esperava-se que, na linha do Presidente que morreu, agravasse ainda mais as tensões internas.
Masoud Pezeshkian, o novo Presidente, distingue-se por ser reformista, mas no Irão esta fação partidária está associada, tal como a mais conservadora, à República Islâmica, com o clero no poder. Os reformistas acreditam numa visão mais moderada e livre da sociedade iraniana, mesmo que lhe estejam vedadas a maior parte das portas que se abrem para as relações externas. Caso modelo é o da relação entre o Irão e Israel que, como assinala o New York Times, é uma questão de política de Estado definida ao mais alto nível, da qual é pouco provável que o novo Presidente se distancie.
“Um presidente com espírito reformista, apesar de todas as limitações e fracassos do passado, ainda é significativamente melhor (…) e poderá colocar algum constrangimento no autoritarismo da República Islâmica”, afirmou ao jornal norte-americano Nader Hashemi, professor de estudos do Médio Oriente na Universidade de Georgetown.
“Nem anti-Ocidente, nem anti-Oriente”. Pezeshkian quer terminar impasse nuclear
Durante a sua campanha, Pezeshkian reconheceu a necessidade de melhorar os laços que ligam o Irão ao Ocidente. No seu manifesto, o candidato declarou que a sua política externa não seria “nem anti-Ocidente, nem anti-Oriente”. Criticou a política do antigo Presidente Raisi de aproximar o país da Rússia e da China e insistiu que a única forma de resolver a crise económica é através de negociações com o Ocidente para pôr termo ao impasse nuclear e aliviar as sanções, cita a BBC.
A 26 de fevereiro deste ano, um relatório confidencial da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA) alertou que o Irão aumentou significativamente as suas reservas de urânio enriquecido nos últimos meses, prosseguindo a sua escalada nuclear, apesar de negar querer adquirir a bomba atómica.
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O agora presidente reconheceu durante toda a campanha que reconhecia que a fixação da economia estava indissociavelmente ligada à política externa. Para tal, pretende negociar o levantamento de sanções com o Ocidente.
O caminho não será facilitado por Ayatollah Ali Khamenei, o líder supremo do Irão — principal decisor do país de acordo com a constituição iraniana — que durante toda a campanha criticou estas ideias de aproximação. Apelidou de “iludidos” aqueles que acreditam na prosperidade através de relações mais amistosas com os EUA, lembrando que foram eles, e não o Irão, que se retiraram do acordo nuclear.
O líder supremo é conhecido pela sua animosidade ideológica em relação a Israel e aos EUA, pela sua profunda desconfiança em relação ao Ocidente e, nas últimas duas décadas, pelo seu apoio ativo a uma doutrina chamada “olhar para o Oriente”, o que significa acabar com a antiga política de não-alinhamento e inclinar-se para a China e a Rússia na cena mundial.
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Pezeshkian fez campanha com a filha ao seu lado em todos os comícios e discursos importantes e em todas as ocasiões Zahra, que é mestre em química e conselheira política do pai, usou o hijab — indumentária obrigatória por lei para as mulheres iranianas. Zahra cumpriu a lei, mas o Presidente é contra a aplicação do hijab obrigatório e as ações violentas da polícia da moralidade que tiraram a vida a várias jovens nos últimos anos. A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, foi um dos casos mais mediáticos e a jovem que foi detida por incumprir as regras de vestuário e de cobertura da cabeça acabou por se tornar num símbolo da luta contra a violência contra as mulheres iranianas.
Pezeshkian foi durante toda a campanha uma voz proeminente contra a aplicação do hijab obrigatório e as ações da polícia da moralidade. Ao nível pessoal, partilhou que enquanto foi casado tinha uma relação igualitária com a mulher, que também era médica e foi de acordo com os mesmos valores que educou a única filha. A sua presidência poderá anunciar mudanças significativas no panorama dos direitos humanos no Irão — com destaque para os direitos das mulheres — e foi por isso que muitas iranianas se deslocaram às urnas no início do mês.
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“Vou votar, porque se não votar a República Islâmica não será derrubada, mas ajudará a eleger um presidente de linha dura que eu não aceito”, disse ao New York Times Ghazal, uma estilista de 24 anos de Teerão.
Sedigheh, uma mulher de 41 anos, médica pediatra em Teerão, também abandonou o boicote e votou em Pezeshkian, apesar de ter dito ao jornal norte-americano que não tinha esperança de que qualquer presidente pudesse trazer as mudanças significativas que as pessoas exigiam. “Votei, porque acho que precisamos de pequenas mudanças que tornem as nossas vidas um pouco melhores”, afirmou, reconhecendo que mesmo que numa linha relativamente moderada, se o novo Presidente conseguir fazer pequenas mudanças, “será suficiente por agora”.