Enviado especial do Observador em Paris, França
Com japoneses, qualquer que seja a função que ocupem nestes Jogos Olímpicos, é logo outra loiça. Depois daquele “bom dia” de Thomas Bach que agora com a devida distância é sempre um apontamento interessante (não é todos os dias que um campeão olímpico e presidente do Comité Olímpico Internacional passa por nós e cumprimenta ao longe só por termos ao pescoço uma credencial da competição em Paris), a zona mista que se tornou uma sauna a céu aberto pela enchente que se verificava só foi uma missão “ganha” porque a certa altura um jornalista nipónico percebeu que vinha aí a primeira atleta portuguesa e cedeu a sua posição. Não é só uma questão de educação, é tudo. É tudo até na sala de imprensa, onde chegam, sentam-se, sacam das pequenas toalhas húmidas para limparem o suor, ligam o computador com uma mini lanterna no topo e colocam as suas pequenas ventoinhas próprias para refrescarem. Como estava o dia, fazia sentido.
Esse era outros dos adversários dos triatletas no início da prova. Com o passar das horas depois da vertente feminina, o calor fazia-se sentir cada vez mais depois de ter chovido de forma copiosa (enganou-nos, com isso andámos o dia todo com um casaco na mão sem necessidade nenhuma, mas claramente não éramos os únicos olhando para as cadeiras do centro de imprensa). Ricardo Batista e Vasco Vilaça começavam uma prova que, nos minutos iniciais, induziu em erro tudo e todos por causa de uma falha no sistema: a partir de determinada altura, Batista deixou de aparecer no sistema. Não tinha desistido, não tinha perdido, era como se não existisse. “Acho que foi um susto para todos lá em casa, eu sempre estive lá e a nadar… Acho que a natação foi como nós tínhamos esperado, não conseguimos sair no grupo da frente mas na bike trabalhámos muito bem para lá chegar”, contaria depois. Estava lá e estava para fazer uma prova fantástica.
Depois de uma parte de natação que não foi fácil para os atletas nacionais, o ciclismo permitiu um recolocar no grupo da frente que não tinha ainda ninguém destacado e foi assim que tudo foi decorrendo. A posição na parte final do ciclismo era a chave de tudo o resto, com os atletas a tentarem procurar a melhor posição na passagem pela reta ao pé do Museu d’Orsey antes da troca das bicicletas pelos sapatos de corrida.
O lugar na paragem estava definido, todos tentaram desmontar o mais rápido possível, começava aquela que seria a hora das decisões. Hayden Wilde (Nova Zelândia) e Alex Yee (Grã-Bretanha) conseguiram partir o grupo e avançar na frente, havendo depois uma espécie de grupo perseguidor onde já não estava Vasco Vilaça mas ainda contava com Ricardo Batista, a passar em décimo no segundo ponto intermédio. O melhor começava a partir daí: com Yee a vencer Wilde num final dramático em que superou o adversário na reta final, a dupla de portugueses foi ganhando lugares, Vilaça conseguiu chegar a Batista com o brasileiro para trás e até podiam ter chegado às medalhas se o francês Leo Bergere não tivesse uma ponta tão forte.
Contas feitas, Vasco Vilaça, que acabou em quinto, igualou o melhor resultado de sempre da modalidade no quadro masculino que pertencia a João Pereira nos Jogos de 2016. Já Ricardo Batista, com resultados mais modestos no circuito do que o compatriota, ficou numa sexta posição ainda mais inesperada mas que foi um prémio para a forma como se manteve sempre na prova. Juntos fizeram história pelo triatlo nacional, que tem também a inesquecível uma medalha de prata de Vanessa Fernandes em Pequim-2008.
No final, os dois portugueses foram dos últimos a falar na zona mista. Após terminar a prova e de dar um abraço sentido a Ricardo Batista, naquela que ficará como uma das imagens nacionais nestes Jogos, Vasco Vilaça passou pelo posto médico. “Como é que estou? Bem, cansado… Acreditei até ao último momento, não me estava a sentir a 100% porque nos últimos cinco quilómetros dei tudo o que tinha para tentar chegar à frente, aos dois franceses que estavam à frente. Tive de dar mais do que tinha e cheguei à meta exausto. A temperatura tinha subido aos 40º, quando chega a este ponto não consegue descer e acabei por precisar de alguma ajuda para recuperar”, contou Vasco Vilaça na zona mista depois de ir cumprimentar o francês Pierre le Corre, que falava ali ao lado, e de querer saber o nome e o órgão dos jornalistas presentes para se ir familiarizando com caras que irá ver de novo daqui a quatro dias, na prova de estafetas mistas.
“Felizmente estou saudável, em meia hora consigo recuperar. Estou pronto para outra daqui a três ou quatro dias. Se era o que perspetivava? Sendo honesto, fui até ao limite dos limites mas o meu objetivo era ir à medalha apesar de ser a minha primeira experiência olímpica, havendo muito para aprender. Acredito que se puder voltar daqui a quatro anos vou fazer ainda melhor. O quinto lugar é espectacular, iguala o João Pereira em Jogos que é um dos melhores portugueses de sempre. Principalmente saber que não estando a 100% ter lutado tanto para chegar ainda lá à frente”, destacou Vilaça, que contara na Rádio Observador o seu caminho até ao triatlo entre o medo que tinha da água por esse instinto de achar que podia surgir um tubarão do nada, a mudança para a Suécia pelo trabalho dos pais e o ataque que sofreu um dia de um leão marinho quando realizava um treino na Califórnia. Aos 24 anos, ficou com mais um ponto alto para contar.
“Chegarmos juntos foi um momento muito, muito bonito. Quando comecei na terceira volta da corrida fui apanhando pessoas, o último grupo tinha o Ricardo e um brasileiro, não queria que ele viesse connosco e quando vi que estávamos os dois fiquei muito feliz porque ganhe ou perca ao sprint é um português que está em quinto lugar. Quinto e sexto, dois diplomas, com um dos melhores amigos e uma das pessoas em quem mais confio e estou muito feliz em cruzar a meta com ela. Quando acabei a prova não estava bem consciente, os sentimentos vieram um bocado depois mas fiquei muito, muito feliz também por ele. Eu gostava de ter um bocadinho mais mas ajudar a irmos juntos foi mesmo espectacular”, completou Vasco Vilaça.
Antes, falara Ricardo Batista, um atleta que não cabia em si de felicidade e que admitia não ter ainda bem a consciência do que tinha feito. “Acho que estou sem palavras para este resultado, acho que foi… Tinha expetativas ambiciosas para esta prova mas conseguir concretizar foi a cereja no topo do bolo. Acho que ainda não processei bem aquilo que aconteceu, sinceramente… Tive uma prova onde durante muito tempo andei acompanhado do outro português, do Vasco. É uma prova individual mas é sempre uma ajuda extra vermos que temos ali alguém do nosso país, alguém com quem trabalhar e com quem sabemos que podemos sempre contar. Fizemos uma prova de trás para a frente e acabámos juntos, é sempre um extra. É sempre melhor acabar junto a um companheiro do que a um inimigo e foi algo excecional”, salientou.
“Somos muito amigos mas o triatlo é individual, apesar de sermos do mesmo país no final estamos sempre ali para ganhar um ao outro mesmo sendo companheiros. Fizemos uma corrida muito controlada, na última volta quando o Vasco me apanhou conseguimos descolar de um atleta brasileiro e ficámos logo ali isolados com alguns segundos de avanço. No último retorno, quando nos cruzamos com os atletas, víamos que havia uma vantagem. Nos últimos metros ainda houve ali uma desaceleração para perceber qual de nós ia puxar no fim mas ele foi mais forte. Saio na mesma bastante contente, claro. Estratégia de ambos? Não, foi mesmo um extra porque a querer lutar pelo melhor lugar não dá… Sena? Hoje a qualidade já permitia nadar no rio e o maior adversário foi mesmo a corrente, estávamos a demorar o dobro do tempo a voltar do que na ida. É justo, todos têm de lutar contra a corrente e safa quem tem uma natação mais consolidada”, acrescentou, mostrando a mesma confiança de Vilaça na realização de uma boa estafeta.