“Acho que todos temos medo do dia em que iremos morrer, mas a vida é também sobre morte. Espero que se lembrem de mim como uma pessoa positiva que tentou sempre fazer o máximo. Não fiquem tristes, sorriam. Obrigado a toda a gente, treinadores, jogadores, adeptos. Foi fantástico. Cuidem de vocês e das vossas vidas. Vivam-na… Adeus.”

Na última semana, na antecâmara do lançamento de um documentário biográfico na Amazona Prime Video, alguns jornais ingleses revelavam uma espécie de última carta de despedida de Sven-Goran Eriksson. Uns dias depois, foi mesmo a última mensagem. Com o estado de saúde cada vez mais frágil, o antigo técnico sueco que passou duas vezes pelo Benfica deixou de ter forças para mostrar o sorriso que nunca perdeu. Foi grande, manteve-se grande, despediu-se como um grande. Morreu na manhã desta segunda-feira, aos 76 anos, rodeado da família mais próxima que anunciou a notícia através das redes sociais do sueco.

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“Toda a gente acha que eu tenho uma doença que não é boa. Toda a gente acha que é cancro e é. Mas tenho de lutar o máximo que puder. Tenho talvez, na melhor das hipóteses, um ano de vida. Na pior das hipóteses, ainda menos. Ou, na melhor das hipóteses, suponho que ainda mais. Não creio que os médicos possam ter uma certeza absoluta, eles não têm uma data”, tinha revelado o antigo treinador ao programa P1 em janeiro, numa entrevista crua onde anunciou de forma aberta a luta que travava com a preocupação de tornar os últimos meses de vida numa homenagem a tudo o que vivera ao longo de uma vida de sucessos.

“Tenho talvez, na melhor das hipóteses, um ano de vida. Na pior das hipóteses, ainda menos”: a dura confissão de Eriksson sobre o cancro

“É melhor não pensar nisso. Temos de enganar o cérebro. Podia ficar a pensar nisso o tempo todo e ficar sentado em casa a sentir-me infeliz, pensar que não tenho sorte e por aí em diante… É fácil acabar nessa posição. Mas não, vejo o lado positivo das coisas e não me enterro em contratempos, até porque este é o maior revés de todos, claro”, referiu, numa altura em que tinha deixado aquele que tinha sido o último cargo ligado ao futebol, neste caso na condição de diretor desportivo do modesto clube sueco IF Karlstad.

Nos últimos meses, Eriksson teve em vida as homenagens que a condição de gentleman e homem à parte mereciam. Uma das mais marcantes foi em Anfield, quando teve a oportunidade de cumprir o sonho de ser treinador do Liverpool por um encontro. A outra, como não poderia deixar de ser, foi no Estádio da Luz, rodeado de amigos e antigos atletas nas duas passagens que teve pelo Benfica. “É muito bonito, muito obrigado ao Benfica! Estive com os antigos jogadores. Estou muito emocionado, nunca esperei sentir o que senti. Vamos apoiar o Benfica. Espero que o Benfica consiga um resultado positivo. Nunca me esqueci do Benfica, o Benfica é enorme. É um grande na Europa e no mundo. São muitas as recordações. Todos os adeptos querem que o Benfica ganhe, vim para apoiar”, revelou à BTV, antes de ser chamado ao centro do relvado no intervalo da partida com o Marselha. “Estou a chorar. Muita sorte a Rui Costa e a todos os benfiquistas. Obrigado a todos os benfiquistas. Obrigado a todos”, disse enquanto era ovacionado de pé.

Uma data simbólica, uma Luz de pé e os nomes históricos que não faltaram: a homenagem do Benfica a Sven-Göran Eriksson

Um treinador à parte que marcou uma era na história do futebol português (e do Benfica)

Depois de uma carreira modesta como lateral direito na Suécia em clubes como Torsby IF, SK Sifhälla ou KB Karlskoga FF, Eriksson começou a carreira de treinador em 1977 no Degerfors IF com apenas 29 anos (e foi aí que se sagrou campeão do terceiro escalão), tendo atingido o primeiro momento de glória no Gotemburgo entre 1979 e 1982, quando conquistou a Taça UEFA frente ao Hamburgo com triunfos nos dois encontros da final (1-0 em casa, 3-0 fora). Foi esse sucesso que convenceu Fernando Martins, então líder do Benfica, a apostar no sueco em 1982, numa primeira passagem pela Luz de dois anos onde foi bicampeão, ganhou uma Taça e foi a nova final da Taça UEFA, com derrota frente ao Anderlecht (0-1 na Bélgica, 1-1 em Lisboa).

Eriksson. “Uma palavra em português? Benfica”

Em 1984, Eriksson mudou-se para a Itália, estando três temporadas na Roma com a conquista de uma Taça e um segundo lugar na Serie A antes de rumar à Fiorentina, onde treinou os viola durante duas épocas. Foi aí que João Santos, que sucedera a Fernando Martins na presidência dos encarnados, conseguiu resgatar o sueco para mais três épocas na Luz, onde foi campeão, ganhou uma Supertaça e voltou a uma final europeia, neste caso da Taça dos Clubes Campeões Europeus contra o AC Milan (0-1). A Serie A voltaria a ser o destino de Eriksson a partir de 1992, com cinco anos na Sampdória com uma Taça antes de quatro que seriam dos melhores de sempre na história da Lazio (de Fernando Couto e Sérgio Conceição, entre outras estrelas): foi campeão transalpino em 2000, ganhou a Taça dos Vencedores das Taças em 1999 (2-1 ao Maiorca) após ter perdido na época anterior a final da Taça UEFA (Inter, 0-3), conquistou a Supertaça Europeia de 1999 (1-0 frente ao Manchester United) e ainda somou mais duas Taças e outras tantas Supertaças italianas.

Eriksson garante que Benfica tentou, mas AC Milan era “muito forte” em 1990

Seriam esses os últimos troféus de Eriksson, que depois dos laziale assumiu a seleção inglesa até 2006 sem o ambicionado grande título entre duas derrotas consecutivas nas grandes penalidades frente a Portugal nos quartos do Europeu de 2004 e do Mundial de 2006. O sueco passou ainda por Manchester City (2007/08), México, Costa do Marfim, Leicester, Guangzhou R&F, Shanghai SIPG e Shenzhen até ser selecionador das Filipinas, último cargo como técnico em 2018/19. Pelo meio, teve ainda a remota possibilidade de voltar a Portugal para treinar o Sporting em 2009, sendo o técnico escolhido por Paulo Pereira Cristóvão em caso de vitória nas eleições que terminaram com um triunfo esmagador de José Eduardo Bettencourt. Até fevereiro de 2023, Eriksson foi diretor desportivo do Karlstad, já longe dos grandes palcos.