Esteve semanas abrigado na embaixada dos Países Baixos, em Caracas, e na quinta-feira passada mudou-se para a residência do embaixador espanhol também na capital venezuelana. Sem que fosse público, estavam em curso os preparativos da operação diplomática que levou à concessão de asilo a Edmundo González Urrutia e que o fez chegar a Madrid este domingo.

González deixou a Venezuela na noite de sábado e, num áudio divulgado aos meios de comunicação pela sua coligação, a Plataforma Unitária Democrática (PUD), o opositor e candidato às eleições presidenciais venezuelanas — em cuja vitória de Nicolás Maduro foi contestada pela oposição e por vários países — confirmou a sua chegada a Madrid e explicou que a saída de Caracas “foi rodeada de pressões, coerções e ameaças” para não permitir a sua saída.

Opositor de Maduro fez escala na base das Lajes e já chegou a Madrid. Corina Machado promete “continuar a lutar”

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Um avião da Força Aérea espanhola, um F900 Dassault Falcon, transportou González de Caracas até à a Base Aérea de Torrejón de Ardoz, Madrid, tendo feito escalas na República Dominicana e nos Açores, na base das Lajes. O político venezuelano seguiu viagem ao lado da sua esposa e do secretário de Estado dos Assuntos Externos e Globais espanhol, Diego Martínez Belío. Foi recebido em território espanhol por Susana Sumelzo, secretária de Estado espanhola, dando o primeiro passo para os trâmites do pedido de asilo, cuja resolução é tida como favorável pelo governo de Espanha.

Junto à Base Aérea de Torrejón de Ardoz, este domingo, foi avistada a filha mais nova de Edmundo González, que vive em Madrid há dez anos. O político venezuelano abandonou a zona do aeródromo sem aparecer em público, mesmo com as várias dezenas de venezuelanos, muito deles exilados, que, como descreve o El Mundo se aproximaram da base militar para dar as “boas-vindas” àquele que reconhecem como seu Presidente.

“Não estou desiludido, muito pelo contrário. Estou contente por [Gonzaléz] poder fazer outras coisas a partir do estrangeiro. Também tenho a certeza de que a líder María Corina Machado continua firme e forte na Venezuela”, disse ao jornal espanhol Jasleni Pirela, uma venezuelana exilada em Espanha há sete anos que se deslocou até Torrejón de Ardoz para a chegada do político que apoia.

A operação diplomática “não improvisada” que colocou Gonzaléz a salvo da intervenção de Maduro

“Cansado”, mas “bem”, foi assim que, segundo o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Edmundo González chegou a Espanha. Em declarações à RTVE, José Manuel Albares disse que tinha falado com o candidato da oposição nas últimas eleições na Venezuela depois de este ter aterrado em Madrid. Tinham falado horas antes, quando o avião que transportava o exilado fez a primeira escala, na República Dominicana.

O ministro está fora do país, a acompanhar o Presidente Pedro Sánchez numa viagem oficial a Pequim, mas teve oportunidade de expressar, em nome do governo espanhol, a “grande felicidade por tudo ter terminado bem”. Albares acrescentou que, nos próximos dias, quando regressar a Espanha e o político venezuelano tiver descansado, encontrar-se-ão pessoalmente.

O ministro fez ainda questão de assegurar que a operação diplomática não resultou de uma casualidade. “Isto não foi algo improvisado, estávamos a preparar este momento há muitos dias”, garantiu, recordando que logo depois de Nicolás Maduro ter proclamado vitória mesmo contra as muitas provas públicas de uma eleição fraudulenta, Espanha já tinha comunicado a Edmundo González e a María Corina Machado, líder da oposição venezuelana, que “tinham um lugar de apoio na embaixada espanhola”.

Utilizou ainda a rede social X para garantir que o executivo espanhol “está comprometido com os direitos políticos e a integridade física de todos os venezuelanos”.

Foi no meio de “coerções”, “ameaças” e detenções de membros próximos da força partidária liderada por Corína Machado que González percebeu que o cerco se estava a apertar e que não poderia ficar em território venezuelano por mais tempo, mesmo sob proteção diplomática.

O candidato opositor de Maduro não tinha respondido à última intimação emitida pelo Ministério Público venezuelano, que pretendia interrogá-lo e acusá-lo de cinco crimes relacionados com a sua candidatura presidencial.

María Oropeza filmou a sua própria detenção mas nada impediu as forças de Maduro de a levarem

O opositor recusou-se a comparecer perante as autoridades, argumentando a falta de independência dos poderes públicos, controlados por Maduro. No entanto, como em casos anteriores em que pessoas foram detidas de forma violenta nas suas próprias casas, era provável que fosse apenas uma questão de tempo até que González acabasse por ver-lhe aplicada uma ação policial e/ou judicial.

Gonzaléz saiu do país um dia depois de a embaixada da Argentina ter sido cercada. Ministério Público venezuelano já retirou queixas contra opositor

Espanha diz uma coisa, a força política de Nicolás Maduro diz outra. Nas várias intervenções e mensagens que tem deixado sobre a chegada de González a Madrid, o governo espanhol tem colocado em destaque a origem, por exclusiva vontade do próprio, do pedido de asilo, negando qualquer tipo de negociação mantida com o executivo de Maduro para permitir a retirada do político de território venezuelano.

Do lado de Maduro, foi a sua vice-presidente Delcy Rodríguez quem tornou pública, através do Instagram, a confirmação da saída de Gonzaléz do país, puxando a si o “salvo-conduto” concedido ao opositor do regime em prol da “tranquilidade e da paz política do país”.

Neste momento, como destaca o El País, nada indica que mais opositores ou a própria Corina Machado, líder da oposição, estejam a pensar seguir os passos de González. Na sexta-feira, a polícia da Venezuela cercou a embaixada da Argentina, em Caracas, onde estão, desde março, os seis requerentes de asilo da campanha de María Corina Machado contra os quais foram emitidas ordens de prisão.

Polícia venezuelana cerca embaixada da Argentina em Caracas

Entretanto, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, declarou o processo contra o candidato da oposição venezuelano, Edmundo González Urrutia, como encerrado após a sua partida para Espanha, onde requereu asilo.”Nós, juntamente com o representante judicial de González Urrutia, José Vicente Haro, nas próximas horas, nos próximos dias, estabeleceremos a forma, o horário, a maneira e o local sobre como este caso será encerrado judicialmente”, afirmou William Saab em entrevista à televisão norte-americana CNN.

O magistrado indicou ainda que González Urrutia solicitou uma passagem segura diretamente ao Ministério Público numa carta, o que lhe permitiu viajar para Espanha. Quando questionado sobre as “coerções e ameaças” que o opositor disse terem motivado a sua decisão de pedir asilo em Espanha, William Saab disse que partiram da líder da oposição, María Corina Machado.

O exílio de Edmundo González Urrutia em Espanha levanta dúvidas em relação à força e legitimidade que terá para, como quer a oposição venezuelana, tomar posse como Presidente da Venezuela em janeiro de 2025. Como destaca o El País, há, no entanto, quem aplauda o esforço do homem de 75 anos em manter-se fora das grades na Venezuela e em proteger-se a si próprio e aos familiares próximos do evidente risco em que se encontravam desde que, em abril, aceitou representar María Corina Machado na disputa eleitoral contra Nicolás Maduro, já que a líder da oposição tinha sido impossibilitada de ser candidata.