A épica batalha de 1815, que marcou a derrota de Napoleão pelas forças aliadas lideradas por Wellington matou mais de 20.000 homens e feriu outros milhares. Agora, a Waterloo Uncovered, um projeto que promove a preservação da história de Waterloo, desvenda o mundo de horrores nas escavações na quinta de Mont-Saint-Jean, na Bélgica, que serviu de hospital de campanha durante o combate.

A equipa de arqueólogos e veteranos descobriu 15 membros decepados e o esqueleto de sete cavalos bem como de uma vaca e meia, ao continuarem, neste setembro, um processo que começou há dois anos.

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“Em 2022, a associação fez a sua descoberta mais importante até à data na quinta: um esqueleto humano, apenas o segundo esqueleto humano completo alguma vez encontrado no campo de batalha de Waterloo”, informa a instituição num comunicado. Os outros corpos dos soldados mortos neste sangrento combate contra as tropas de Napoleão nunca foram descobertos, até hoje.

Nesse ano foram ainda “descobertos no local os membros amputados de homens feridos e os esqueletos de três cavalos”, acrescenta.

Estas descobertas levaram os arqueólogos a suspeitar que apenas  tinham explorado uma parte superficial das terras e, por isso, entre 3 e 13 de setembro, uma equipa de veteranos continuam os trabalhos de modo a tentar resolver o mistério do desaparecimento dos cadáveres de Waterloo.

O diretor arqueológico do projeto, Tony Pollard destaca a singularidade do local da investigação:

A presença de membros amputados, um enterro humano completo e os restos de cavalos eutanasiados numa única trincheira tornam o sítio de Mont-Saint-Jean verdadeiramente único. É extremamente raro encontrar cavalos, que foram abatidos com tiros na cabeça, e humanos enterrados lado a lado, especialmente com o cuidado e a separação evidentes nesta trincheira”.

Os esqueletos revelam pistas sobre os ferimentos sofridos pelos soldados como pernas sem tornozelos ou pés arrancados por balas de canhão, contam os especialistas. E não só. Apontam também para as formas dolorosas de amputação: mais de 500 num só dia, a sangue frio, foram feitas no hospital de campanha que ficava a menos de 500 metros da linha da frente. Segundo o Telegraph, os cirurgiões não usavam as tradicionais serras de ossos, mas separavam os membros antes de os decepar do soldado ferido.

Na parte das trincheiras dedicadas aos restos mortais dos animais, foram encontradas evidências de que os cavalos eram levados para dentro das trincheiras antes de serem abatidos com um tiro na cabeça. O cadáver de um destes animais acabou por revelar que ele morreu com uma bala de canhão alojada na cavidade torácica mas a forma como os seus restos mortais estavam mostrou o respeito que os soldados tinham para com os animais, explica o jornal britânico Telegraph.

Napoleão era conhecido por viajar com uma manada de vacas para que o seu exército estivesse sempre bem alimentado. Os restos mortais destes animais também se encontravam enterrados ao lado dos cavalos no campo de batalha, adianta a mesma fonte.

“O que temos aqui é um retrato do que acontece depois da batalha”, comenta Pollard ao The Guardian. “Isto inclui a remoção do uniforme de um soldado morto, o fim do sofrimento dos cavalos feridos, e comer para sobreviver.” O cadáver da vaca apresenta evidências de que terá sido retalhada para alimentar os soldados.

Os trabalhos deste grupo não puseram só cadáveres a descoberto. Os arqueólogos, com escovas de dentes, limparam meticulosamente a terra argilosa de caixas de munições de estanho, que também foram encontradas no poço. Retiradas dos sacos de couro, foram deitadas fora, provavelmente por estarem demasiado danificadas, descreve o The Guardian.

Segundo Clive Jones, um voluntário na escavação e veterano da Guarda Galesa, descobrir os corpos dos cavalos trouxe-lhe memórias do atentado de Hyde Park em 1982 [quando o IRA atacou a Guarda da Rainha, matando quatro homens e cavalos] onde viu sete cavalos a “jorrarem sangue”.

“Tive a visão deste cavalo a coxear ao lado desta vala [em 1815] em três patas e depois a ser abatido [e] voltei ao que vi em 1982 em Knightsbridge.” Jones garante que a escavação proporciona aos veteranos “um ambiente seguro”, onde podem contar “coisas que não poderiam contar a alguém que nunca esteve no exército”.

A junção da experiência dos veteranos de guerra e dos arqueólogos torna possível fazer descobertas que reescrevem a história. Desde um ataque ao hospital de campanha que não foi registado até provas físicas de como os franceses quase viraram a batalha a seu favor nos jardins de Hougoumont, a investigação está a permitir aprofundar o conhecimento da história.

Mais de 200 anos depois, os arqueólogos ficaram impressionados com a organização dos cadáveres. Apesar disso, os restos mortais na área são raros porque muitos ossos foram recolhidos para fazer fertilizante e ajudar a produzir açúcar refinado, lembra o Telegraph. Será que isso explica o mistério do desaparecimento dos corpos desta batalha? Esta pergunta continua sem resposta, apesar do trabalho da Uncouvered Waterloo.

texto editado por Dulce Neto