O secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), Vítor Ilharco, mostrou-se este sábado surpreendido com a facilidade com que os cinco reclusos se evadiram da cadeia de Vale de Judeus.

A apresentação, em curso um pouco por todo o país, do livro “Sistema Prisional Português – Toda a Verdade”, da autoria de Vítor Ilharco, surge num momento em que o sistema prisional está na ordem do dia, com a fuga de cinco reclusos da cadeia de Vale Judeus.

O secretário-geral da APAR afirmou à Lusa que “as fugas nas cadeias nunca” o surpreendem, “porque não há nenhum recluso” que tenha “24 horas para pensar”, que esteja “numa situação degradante, que não pense em fugir”.

“Todos pensam em fugir. O que me surpreende é a relativa facilidade com que eles fugiram”, sublinhou.

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As críticas de Vítor Ilharco estendem-se ainda à organização das cadeias que “misturam condenados com presos preventivos, condenados a grandes penas com outros com penas pequenas”.

“Mesmo nesta prisão de alta segurança [Vale dos Judeus] os próprios agentes dizem que um dos que fugiu não oferece perigo nenhum. Foi condenado a sete anos. Se não oferece perigo nenhum, por que é que está numa cadeia de alta segurança?”, questiona.

Segundo Vítor Ilharco, na prisão de Vale de Judeus há presos há mais de 35 e 40 anos, quando a pena máxima em Portugal é de 25 anos. “Há uma maneira encapotada de condenar as pessoas a prisão perpétua, numa prisão onde se passa fome. Não há cúmulos jurídicos e os detidos vão acumulando penas sucessivas”, explica.

O livro relata “as verdades que se passam nas cadeias e as pessoas desconhecem”, adiantou à Lusa o secretário-geral da APAR, ao alertar para a “sobrelotação” e a falta de reabilitação dos reclusos, que “deveria ser o aspeto principal da prisão”.

“A nossa lei diz que a cadeia serve para reabilitar e punir, por esta ordem, a própria Direção-Geral chama-se Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, mas depois ninguém se preocupa com a reabilitação”, constatou.

Vítor Ilharco denuncia que existem “12.400 presos e menos de 20 psicólogos, para as 49 cadeias”.

No livro, o autor “retrata o dia-a-dia das prisões, como é que são por dentro, como é o que é alimentação, a dificuldade ou a impossibilidade total de estudar, os maus cuidados de saúde, com o Serviço Nacional de Saúde ausente das cadeias”.

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Os dados, afirmou Vítor Ilharco, são do Ministério da Justiça e da União Europeia.

“Durante 30 anos estudámos profundamente todo o sistema prisional e tudo o que diz respeito às cadeias portuguesas”, explicou o secretário-geral da APAR, ao referir que a primeira edição esgotou, mas não chegou a ser apresentada publicamente devido à pandemia da covid-19.

Apresentado este sábado na Câmara Municipal da Covilhã, integrado das comemorações do 25 de Abril, o livro “aborda tudo: desde a investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público aos julgamentos, à prisão, ao cumprimento da pena e depois à preparação para sair e à saída”.

“Tentam esconder a realidade das cadeias. É das coisas mais inconcebíveis do que se pode imaginar dentro do sistema prisional, que é terceiro-mundista. As nossas cadeias são medievais”, apontou.

Vítor Ilharco adiantou que Portugal “é um país estranho”, já que é um dos mais seguros da Europa, “tem a mais baixa taxa de criminalidade, mas, em simultâneo, é o país que tem mais presos per capita”.

“É aquele onde as penas de prisão, que são efetivamente cumpridas, são as mais elevadas. A média na Europa do cumprimento de penas de prisões é de 7 meses e em Portugal é de 3 anos e 2 meses”, revelou.