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Eram 15h30 em Beirute (13h30 em Portugal Continental) desta terça-feira, quando milhares de “explosões quase simultâneas” de pagers no Líbano mataram doze pessoas e feriram quase três mil. O Hezbollah responsabilizou Israel, que não reivindicou os ataques. Mas por que motivo os membros do grupo terrorista libanês utilizam tecnologia tão rudimentar para comunicar e como podem ter tido acesso os israelitas aos milhares de dispositivos para um ataque coordenado?

O relato do momento das explosões foi feito pela repórter da Al Jazeera em Beirute, Zeina Khodr, que descreve uma sucessão de explosões nos subúrbios sul da capital libanesa, no sul e leste do país, que sobressaltou os habitantes. Ao mesmo tempo, repetiam-se explosões na Síria e no Irão, onde se encontravam alguns militantes. Os visados foram todos os membros do Hezbollah, que utilizam os pagers como forma de contacto entre si. Elijah Magnier, analista político e militar, relatou ao canal que a utilização destes dispositivos não é nova e sempre foi usada para comunicações encriptadas entre os membros seniores do grupo libanês, ligado ao Irão.

Contudo, a sua utilização generalizou-se depois do 7 de outubro, quando Israel lançou a ofensiva em Gaza, em resposta ao atentado do Hamas. Estando o Hezbollah alinhado com o grupo de resistência palestiniana, a tensão na fronteira entre o Líbano e Israel cresceu desde aí. Em fevereiro, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, pediu a todos os membros que deixassem de utilizar smartphones e os partissem ou enterrassem, justificando a decisão com a possibilidade de as agências israelitas de segurança poderem aceder facilmente às comunicações dentro do grupo, pondo em risco a sua segurança. Na fronteira a sul, os smartphones estão mesmo expressamente proibidos devido à proximidade com Israel, o que os torna ainda mais vulneráveis.

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Explosão de pagers causa nove mortos e quase três mil feridos no Líbano. Hezbollah acusa Israel e garante retaliação

A tecnologia moderna foi substituída pelos populares aparelhos da década de 1990. Para além de não estarem ligados à internet e portanto não poderem sofrer ataques informáticos, existem outras vantagens. Por exemplo, utilizam transmissores mais potentes, podendo ser utilizados a distâncias maiores e em casos de quebras ou dificuldades nas redes de comunicação, como desastres naturais, nota o El Espanol. Na atualidade, são ainda muito populares dentro de hospitais, em que a comunicação segura é essencial.

Com o apelo de Nasrallah, a sua utilização estendeu-se da cúpula e dos combatentes ativos a todos os soldados, simpatizantes e apoiantes do Hezbollah, incluindo pessoas nos “círculos políticos e de segurança” de Beirute, um grupo que inclui milhares de pessoas, explica Amer Al Sabaileh, especialista de segurança regional, sediado na Jordânia, ouvido pelo New York Times. Bassem Badram, que teve um amigo ferido no ataque, reafirmou a ideia de que muitas das vítimas não são militantes no sentido tradicional da palavra, mas apenas simpatizantes do grupo libanês. “Quando a situação se coloca, acreditam que têm de defender a sua vila e o seu país”, declarou ao Wall Street Journal.

“Podemos apanhar-vos em qualquer lugar”: a sabotagem israelita dos novos aparelhos

Apesar de Israel não reivindicar o ataque, ao Hezbollah e aos especialistas militares internacionais não restam dúvidas de que tenham partido dali o ataque. À Associated Press, um oficial do Hezbollah confirmou que os aparelhos eram de uma marca nova, que só foi posta em circulação recentemente. Posteriormente, o New York Times avançou tratar-se da marca de Taiwan Gold Apollo, acrescentando que o carregamento incluiu mais de 3000 pagers, de quatro modelos diferentes, na maioria AP924. Al Sabaileh supõe que a entrega em massa dos novos dispositivos tenha sido facilitada pelo Irão, que noutras ocasiões já apoiou militarmente o Hezbollah.

Michael Horowitz, responsável da empresa de segurança Le Beck International, apresenta ao Wall Street Journal duas opções para a sabotagem de Israel. A primeira é a instalação de um malware nas baterias de lítio dos pagers, que os faz sobreaquecer e explodir. A segunda é a colocação de um explosivo, para ser detonado de forma remota. “De qualquer forma, foi um ataque sofisticado. É uma quebra de segurança física, o que quer dizer que Israel teve acesso aos produtores dos dispositivos“, afirma.

Os especialistas ouvidos pelo Telegraph inclinam-se para a segunda opção. Alan Woodward, especialista em cibersegurança, explica que quando uma bateria de lítio sobreaquece, derrete, sem explodir imediatamente, o que torna muito difícil um ataque coordenado como este. Tony Ingesson, que trabalhou nas brigadas anti-bomba das Forças Armadas suecas, confirma que os ferimentos visíveis nas imagens partilhadas são coincidentes com explosivos. Se for utilizado um explosivo como o C4, uma pequena carga de 10 ou 20 gramas colocada no pager seria suficiente para ferir a pessoa que o tivesse na sua posse.

Três oficiais, incluindo um norte-americano, que tomaram conhecimento de uma operação para sabotar os pagers antes de serem entregues ao Hezbollah, confirmaram a intervenção israelita. Sob anonimato, relataram ao New York Times que foram colocadas cargas como as descritas por Ingesson e um pequeno interruptor, junto à bateria dos aparelhos. Este mecanismo foi ativado através de uma mensagem enviada para todos os membros do Hezbollah, como proveniente da liderança, detonando os milhares de bombas. As mesmas fontes acrescentam que os dispositivos foram programados para apitar durante vários segundos antes de explodir.

Todos os especialistas ouvidos pelos diferentes jornais concordam que o ataque é “um golpe psicológico” para o Hezbollah. “A forma como eles visaram e cronometraram [os pagers] parece um filme — fazer os dispositivos explodir ao mesmo tempo em todo o lado é chocante”, considera Al Sabaileh. “Isto envia uma mensagem ao Hezbollah: ‘Podemos apanhar-vos em qualquer lugar’. A guerra já não está na fronteira, este ataque espalhou-a até às casas, aos centros comerciais, pelo Líbano”, acrescenta Randa Slim, diretora de um think tank no Instituto do Médio Oriente em Washington D.C.

Israel não reivindicou o ataque, mas não seria a primeira vez que a Mossad utiliza este método: foi assim que, em 1996, matou Yehie Ayash, um dos principais engenheiros do Hamas, responsável por fabricar as bombas do grupo palestiniano. Ayash foi morto por um explosivo instalado num telefone que lhe foi oferecido por um amigo.

Netanyahu quer regresso de 60 mil deslocados ao norte de Israel

Este ataque em larga escala surge no mesmo dia em que o gabinete de guerra israelita atualizou os objetivos de guerra para incluírem “o regresso dos residentes no norte às suas casas”, segundo o comunicado partilhado pelo executivo. No norte de Israel, milhares de pessoas fugiram das suas casas, devido à troca de tiros quase diários trocados entre Israel e o Hezbollah. Netanyahu já tinha sido pressionado a adicionar este objetivo, mas só agora foi aprovado.

Notícia atualizada às 14h15 com novos detalhes sobre o número de mortos no ataque