O Tribunal da Concorrência confirmou as coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência aos principais bancos a atuar em Porugal – coimas no valor total de 225 milhões de euros – e considerou “de elevada gravidade” a “coordenação informal” que existiu entre 2002 e 2013. Essa prática concertada baseava-se no envio recíproco de informações sobre “spreads” e volumes de crédito (sobretudo habitação), informação confidencial ou de acesso difícil. Usando palavras duras, a juíza usou a expressão “concluio” para descrever aquilo em que os bancos participaram – mas estes já indicaram que vão recorrer.
A sentença no caso que ficou conhecido como “cartel da banca” foi lida nesta sexta-feira no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém. Trata-se da apreciação do recurso que os bancos visados fizeram de uma coima de 225 milhões da Autoridade da Concorrência, anunciada em 2019. O caso foi “muito grave”, afirmou a juíza, “na medida em que as visadas reduziram a incerteza no mercado” e, assim, os consumidores ficaram prejudicados.
A juíza disse que a principal preocupação do tribunal é que a prática de concertação de preços entre bancos não se repita e que, em julgamento, à exceção do Barclays, nenhum dos bancos demonstrou sentido crítico nem nenhuma conduta efetivamente reparadora (à exceção de códigos de conduta). A extensão da concertação ficou explícita no exemplo de que “a recorrida CGD recebia informação do Montepio em que aditava os seus dados e remetia ao BPI”, acrescentou.
A Autoridade da Concorrência tinha condenado a CGD ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, o Montepio em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o BBVA em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150.000 e o Banif (que não recorreu) em mil euros.
Todas as coimas foram confirmadas, com exceção da coima originalmente aplicada ao Barclays (8 milhões) mas que já tinha sido perdoada (ou seja, os 8 milhões não estão incluídos nos 225 milhões). Este banco beneficiou do estatuto de clemência por ter denunciado o caso, e viu a coima transformar-se em “admoestação”.
A juíza fixou em 20 dias o prazo da entrega de recursos, que os principais bancos já indicaram que irão apresentar. O prazo é considerado curto pelos bancos, designadamente pelo Millennium BCP, cuja equipa jurídica defende que deveria ser de 30 dias. O banco foi, no entanto, um dos primeiros a reagir à sentença. Em comunicado enviado à CMVM na tarde desta sexta-feira, o BCP diz discordar da decisão e revela que, como esperado, vai recorrer.
“Discordando o BCP do enquadramento e da avaliação feita por aquele Tribunal da prova que foi produzida no decurso das audiências de julgamento, bem como da prova que se encontra junta a este processo, o BCP irá recorrer daquela decisão, pelo que aquela decisão não é ainda definitiva”, lê-se na nota.
O BCP refere ainda que “não antecipa que desta decisão judicial resulte um impacto materialmente relevante nas respetivas demonstrações financeiras e situação patrimonial”.
Por sua vez, logo à saída do tribunal, uma responsável jurídica da Caixa Geral de Depósitos confirmou que o banco vai recorrer desta decisão. E o Santander veio dizer que “discorda do teor da sentença do TCRS, que se reporta a factos passados há mais de 12 anos, e cuja ilicitude gerou fundadas dúvidas ao próprio TCSR, na medida em que pediu esclarecimentos ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quanto à apreciação jurídica desta conduta”
Para o Santander, não há “regras claras e de jurisprudência nacional e da União Europeia quanto a partilhas de informação isoladas”, defendeu. A juíza Mariana Machado não concorda, porém, que “partilhas de informação isoladas” seja a melhor forma de descrever o que aconteceu: foi uma prática “cadente e prolongada” no tempo, sustentou a juiza.
“Vitória inequívoca para a defesa da concorrência”, diz a AdC
A Autoridade da Concorrência emitiu um comunicado onde se “congratula” com a decisão do tribunal. “Trata-se de uma vitória inequívoca para a defesa da concorrência em Portugal e na União Europeia”, diz o organismo.
“A decisão do TCRS vem reforçar a importância da aplicação rigorosa das regras de concorrência e o papel fundamental da AdC na preservação de um mercado eficiente e dinâmico”, acrescenta o organismo.
Bancos tiveram “cartel” ou apenas trocaram dados inofensivos? Tribunal decide nesta sexta-feira
Quem também recebeu com agrado a decisão foi Victoriano Nazareth, vice-presidente da Ius Omnibus, uma associação europeia de defesa dos consumidores que, em paralelo, iniciou várias ações em tribunal para que haja um ressarcimento.
“Foi uma decisão positiva em todos os sentidos”, disse o responsável, ao Observador. “Podemos considerar que foi uma primeira vitória”, mostrando que “os bancos cometeram ilegalidades e prejudicaram os clientes” consumidores de serviços bancários.
O líder desta associação europeia de consumidores, que apresentou cinco ações em tribunal para “pedir um ressarcimentos dos consumidores, para que sejam minimizados os prejuizos que tiveram com este conluio dos bancos”.
A Justiça portuguesa aceitou há poucos meses a quinta de cinco ações populares interpostas por uma associação de defesa do consumidor europeia, a Ius Omnibus, que reclama mais de 5.000 milhões de euros aos bancos, acusando-os de terem lesado milhões de clientes nos juros dos créditos. Os bancos inicialmente em causa eram 14, mas como Banif e BES foram objeto de medidas de resolução, a ação é sobre 12 bancos.
Invocar prescrição pode ser “abuso do Direito” por parte dos bancos
Sobre a questão da prescrição, invocada por alguns dos bancos nas alegações finais e em alguns pareceres jurídicos entregues, a juíza reiterou que quem solicitou que esta, em 2022, pedisse ao Tribunal de Justiça da UE um parecer sobre este caso (em geral). A juíza diz agora, que seria um “abuso de Direito” ver os bancos, agora, a considerarem que aquele tempo (dois anos à espera do TJUE) deve contar para a contagem do tempo de prescrição. E, assim, a juíza reitera que a prescrição não se verificou.
O que está em causa, em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu os factos como provados e considerou que os bancos trocaram entre si informações sobre preços e taxas (atuais e futuras) que não eram do domínio público ou que eram de difícil acesso e sistematização. Também ficou provado que os bancos partilhavam valores mensais de produção e que esta troca de informação, ocorrida num mercado relativamente concentrado, “facilitou o alinhamento” e permitiu o “estabelecimento de uma coordenação informal entre as instituições bancárias”.
Contudo, nessa deliberação de 2022, a juíza decidiu suspender a instância e remeter um pedido ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para que este se pronunciasse sobre se os factos constituem restrição de concorrência por objeto, por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.
Em finais de julho, mais de dois anos depois, veio a resposta. O TJUE admitiu que a troca de informações mantida pelos bancos durante mais de uma década “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto” e que “basta que essa troca constitua uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, seja necessariamente (…) prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência”.