O Papa Francisco diz que a Igreja Católica tem de apertar o cinto para acabar com o défice que tem afetado os cofres da Santa Sé nas últimas décadas. Numa carta enviada recentemente ao Colégio dos Cardeais, Francisco diz mesmo que as instituições da Igreja devem procurar “recursos externos” para financiar as suas operações e pede um “esforço adicional” a todos os responsáveis eclesiásticos “para que o ‘défice zero’ não seja um objetivo apenas teórico, mas efetivamente alcançável”.

A carta foi enviada aos cardeais com data de 16 de setembro, mas foi tornada pública alguns dias depois, num sinal de que se trata de uma mensagem mais alargada, destinada à totalidade das estruturas da Igreja Católica.

No documento, o Papa Francisco recorda que se cumprem por esta altura cerca de dez anos desde que foi implementada a reforma económica da Santa Sé. Quando Francisco foi eleito Papa, a Igreja estava na altura profundamente debilitada por escândalos financeiros e de corrupção que se arrastaram durante anos, manchando vários pontificados.

Na altura, o Papa argentino decidiu fazer uma limpeza: chamou o cardeal australiano George Pell (que mais tarde se veria envolvido num caso de abusos do qual foi absolvido após passar vários meses na prisão) para liderar a nova Secretaria para a Economia e deu-lhe indicações para reformar as práticas económicas da Santa Sé e do Vaticano de alto a baixo, respeitando os padrões internacionais aplicados por Estados e grandes empresas.

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Já depois da implementação da reforma económica, viriam a público novos escândalos financeiros — incluindo o caso envolvendo o cardeal Angelo Becciu e o polémico investimento milionário num prédio de Londres, que colocou a nu o caos na gestão financeira da Santa Sé e as práticas de corrupção habituais dentro do banco do Vaticano. O caso terminaria com a inédita condenação de Becciu a uma pena de prisão efetiva por um tribunal do Vaticano.

Mais de dez anos depois de tomar posse, as finanças do Vaticano dão sinal de crise e o microestado enfrenta até a fúria dos seus próprios trabalhadores, crescentemente descontentes com as condições laborais na Santa Sé. De acordo com o jornal italiano Le Repubblica, a Santa Sé terminou o ano de 2023 com um défice de 83 milhões de euros, que resultam de 1.236 milhões de euros em despesas e 1.152 milhões de euros em receitas.

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Neste contexto, o Papa Francisco escreveu agora aos cardeais para lhes pedir um esforço adicional na contenção de custos.

“Os anos que passaram demonstraram que os apelos à reforma feitos no passado por vários membros do Colégio dos Cardeais foram clarividentes e conduziram a uma maior consciência de que os recursos económicos ao serviço da missão são limitados e devem ser geridos com rigor e seriedade, para que os esforços daqueles que contribuíram para o património da Santa Sé não sejam vão”, escreve o Papa Francisco.

Por estas razões, pede-se agora um esforço extra a todos, para que o ‘défice zero’ não seja um objetivo apenas teórico, mas efetivamente alcançável“, escreve ainda. “A reforma lançou os alicerces para a implementação de políticas éticas para melhorar o desempenho económico dos ativos existentes. Além disto, existe a necessidade de cada instituição se esforçar para encontrar recursos externos para a sua missão, dando o exemplo de uma gestão transparente e responsável no serviço da Igreja.”

O Papa Francisco pede mesmo que, “no que diz respeito à redução de custos”, a Igreja dê um “exemplo concreto” para que o serviço seja “levado a cabo num espírito de essencialidade, evitando o supérfluo e selecionando bem as prioridades, favorecendo a colaboração mútua e as sinergias”.

“Temos de ter a consciência de que enfrentamos hoje a necessidade de tomar decisões estratégicas com grande responsabilidade, porque somos chamados a garantir o futuro da missão”, escreve Francisco. “As instituições da Santa Sé têm muito a aprender com a solidariedade das boas famílias”, em que “aqueles que têm uma boa situação económica ajudam os que têm maior necessidade”, pede o Papa.