A ministra da Saúde afirmou esta quarta-feira que a regulamentação da morte medicamente assistida não pode “ser instrumentalizada como arma de arremesso político”, sublinhando que ninguém beneficiará se for feita à pressa de forma “imponderada e irrefletida”.

“Impõe-se a si mesmo a necessidade de agir de forma ponderada e cuidada. Esta não pode ser uma matéria suscetível de ser pressionada ou imposta por agentes, agendas mediáticas ou ideológicas, nem pode ser instrumentalizada como arma de arremesso político“, afirmou Ana Paula Martins na comissão parlamentar de Saúde.

O Bloco de Esquerda chamou com urgência a ministra ao parlamento, por requerimento potestativo, para dar explicações “sobre regulamentação da lei da morte medicamente assistida”, aprovada em 31 de março de 2023 e publicada a 25 de maio do mesmo ano, estando há mais de um ano por regulamentar, apesar de a própria lei definir um prazo máximo de 90 dias.

No passado dia 12 de setembro, o Governo disse estar a aguardar as conclusões do Tribunal Constitucional (TC) sobre dois pedidos de fiscalização sucessiva do diploma da eutanásia, antes de tomar qualquer ação sobre a lei, e recordou que o anterior executivo PS não a regulamentou.

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Esta quarta-feira, a ministra afirmou que as dúvidas levantadas junto do TC levantam “seríssimas questões de constitucionalidade e dificuldades relativas a vários conceitos legais, jurídicos e operativos”. “O Governo entende que as apreciações do Tribunal Constitucional são, por isso, contributos valiosos que beneficiarão o processo de regulamentação, clarificando os conceitos fundamentais da lei sobre a morte medicamente assistida”, salientou.

Para o Governo, é “mais prudente e avisado” aguardar para a apreciação dos processos em curso no TC, “na convicção de que ninguém beneficiará de uma regulamentação feita à pressa imponderada e irrefletida”, vincou.

Na sua intervenção, a deputada do BE Marisa Matias questionou a ministra sobre o facto de ter sido questionada sobre esta matéria e ter informado na altura que estaria a avançar para a regulamentação e, entretanto, “um outro ministro contrariou essa informação”, dizendo de que estariam a aguardar a comunicação do TC sobre um pedido de fiscalização em curso.

“Estamos a falar de uma lei que já foi votada cinco vezes na Assembleia da República, que foi aprovada por uma larga maioria dos deputados e, portanto, não há nenhuma compreensão sobre o atraso a que está a ser votada” a sua regulamentação, criticou.

Para Marisa Matias, o Governo ao não regulamentar a lei, está a “pôr em causa o próprio Estado de direito” e a democracia, e questionou se este “está refém ou não de opiniões que são contrárias à aplicação da lei ou se é mesmo o problema da regulamentação”.

Ana Paula Martins afirmou, na resposta, que não há “nenhuma contradição” entre o que o Ministério da Saúde assumiu e os ministros dos Assuntos Parlamentares e da Presidência assumiram e esclareceu que a apreciação do TC “é manifestamente relevante para a demonstração da complexidade da matéria”.

“Terá sido possivelmente essa complexidade, “o fator que explica que o governo anterior não tenha procedido à regulamentação da lei, nem sequer à sua preparação tanto quanto foi dado a conhecer ao atual Governo”, defendeu.

Também presente na audição, a deputada socialista Isabel Moreira, que disse conhecer a lei de “cor e salteado” até pelo “envolvimento pessoal” que teve na sua elaboração, afirmou que “a regulamentação a fazer não é muito complexa, não envolve grandes conhecimentos jurídico”, tendo a ver basicamente com a definição do modelo do registo clínico e com o formulário do relatório final.

“Mesmo os titulares de órgãos de soberania têm convicções pessoais e penso que está à vista de todos, e esteve à vista de todos, que esta lei tocou profundamente nas convicções das pessoas e, até ao momento da sua aprovação, todos aqueles que eram profundamente contra a lei, mexeram nos instrumentos jurídicos ao seu dispor (…) para que a lei não fosse aprovada”, criticou Isabel Moreira.

Para a deputada socialista, chegou-se a “um limite da decência e do respeito” pelo parlamento, frisando que “há um direito que foi consagrado, que é um direito a uma morte autodeterminada”.