A fadista Carminho edita esta sexta-feira um novo trabalho, gravado pelo produtor norte-americano Steve Albini (1962-2024) no seu estúdio em Chicago, que inclui três temas inéditos e uma versão de “Os Argonautas” de e com o brasileiro Caetano Veloso.

“Carminho at Electrical Audio”, que fica disponível esta sexta-feira nas plataformas de ‘streaming’ e terá edição em vinil em novembro, foi gravado em outubro do ano passado porque Carminho queria “perceber como é que um produtor destes, uma lenda da captação de estúdio, ouviria e captaria o fado e o combo” de cinco músicos que a acompanham, contou a artista em declarações à Lusa.

Quando está em digressão, Carminho vai criando fados que aproveita para ensaiar com o quinteto que a acompanha – André Dias (guitarra portuguesa), Flávio Cardoso (viola de fado), Pedro Geraldes (‘Lap Steel Guitar’ e guitarra elétrica), Tiago Maia (baixo acústico) e João Gomes (‘mellotron’) -, por isso, quando chegou ao estúdio de Steve Albini já levava alguns temas preparados.

No entanto, “não tinha muitas pretensões a ter resultados, porque um dia de estúdio pode não dar em nada”.

“Eu não ia com muitas expectativas, mas queria fazer essa experiência. Conhecê-lo [a Steve Albini], conhecer o estúdio, conhecer o processo dele”, partilhou.

Steve Albini, além de músico, foi responsável pela gravação de inúmeros discos que marcaram várias gerações das últimas décadas, tendo produzido álbuns dos Nirvana, Pixies, The Breeders ou PJ Harvey, entre centenas de outros. Embora fosse habitualmente identificado como produtor, preferia ser chamado engenheiro de som.

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De acordo com Carminho, aquela foi a primeira vez que Steve Albini captou temas de fado e o som da guitarra portuguesa.

E o “talento desta lenda em estúdio” trouxe às canções “aquilo que o fado já tinha”.

“Eu não fui descobrir o Ovo de Colombo, fomos captar nas melhores condições e com um dos maiores técnicos do mundo, um dos maiores produtores do mundo de captação e de estúdio, o fado tradicional e os fados que andávamos a tocar na estrada”, referiu.

Ao ouvir-se “Carminho at Electrical Audio” “quase que dá para ouvir as interações musicais entre os músicos, esse pulsar de uma certa adrenalina, de uma certa vertigem daquele momento, porque cada fado foi gravado [em fita] em um, dois, três ‘takes'”.

A decisão de editar aquelas quatro músicas em disco não foi imediata, porque Carminho “ainda estava de boca aberta” com o resultado.

“Quatro músicas num dia foi muito mais do aquilo que eram as minhas expectativas, então de repente comecei a fantasiar com uma continuidade, essas canções terem outras que fossem parte de um álbum”, partilhou.

Com a morte de Steve Albini em maio deste ano, aos 61 anos, essa ideia acabou por ficar para trás.

“Passado o choque e algum tempo apercebemo-nos de que isso não iria acontecer mais. Foi aí que se ponderou se faria sentido juntarem-se a faixas de um próximo disco, mas não fazia porque o som era muito único, muito particular, ou se faria sentido deixarem de existir, não se fazer nada com elas. Também fazia, mas decidi lançar [as quatro]”, contou.

O EP inclui uma versão de “Argonautas”, com Caetano Veloso, e três inéditos: “Deixei a minha casa”, “Gota de Água” e “Não olhes os meus olhos”.

Caetano Veloso não esteve presente na sessão de gravação no estúdio de Steve Albini, a ideia seria juntar a sua voz mais tarde numa outra sessão, mas tal já não foi possível.

“Ele gravou no Brasil e mais tarde foi passado para a gravação, pelo braço direito do Steve. De alguma maneira Caetano também esteve naquele estúdio”, disse Carminho.

Dos três inéditos “dois [‘Deixei a minha casa’ e ‘Não olhes os meus olhos’] são fados tradicionais originais, letra e música”. Já “Gota de água” foi uma “pequena frase” que a fadista encontrou de António Gedeão num livro e que decidiu “desenvolver em música”. “A estrutura é menos convencional, mas tem aquela energia do universo mais nostálgico do fado”, referiu sobre o outro tema inédito incluído em “Carminho at Electrical Audio”.

Carminho “nasceu no meio das guitarras e das vozes do fado, filha da conceituada fadista Teresa Siqueira, estreou-se a cantar em público aos 12 anos, no Coliseu”, lê-se no ‘site’ oficial da artista.

Editou o primeiro álbum em 2009, intitulado “Fado”, ao qual se seguiram “Alma” (2012), “Canto” (2014), “Carminho canta Tom Jobim” (2016) e “Maria” (2018).

Em março do ano passado chegou “Portuguesa”, álbum composto por 14 temas, entre os quais “O quarto”, entretanto incluído na banda sonora do filme “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos, que esteve nomeada aos Óscares deste ano.

A fadista aparece no filme, que se estreou em setembro do ano passado no Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Itália, a interpretar à guitarra portuguesa “O quarto”, numa cena com a atriz Emma Stone, num cenário de uma Lisboa imaginária, de tempo indefinido, mas onde não faltam azulejos, ruelas antigas e muitos pastéis de nata.