A proposta de Orçamento do Estado para 2025 inclui um pedido para uma autorização legislativa que, se for aprovada, irá permitir ao Governo legislar – com liberdade – sobre a redução do IVA para a taxa mínima de 6%, em obras que não apenas a construção com “custos controlados” (que já tem esse IVA mínimo). Não será uma descida geral do IVA na construção, mas o Governo não dá detalhes concretos sobre os critérios que irá definir, mais tarde, e que se enquadram naquilo que considera ser construção que ajuda na “prossecução das políticas sociais de habitação”.
No articulado da proposta entregue nesta quinta-feira na Assembleia da República, existe um pedido de autorização legislativa para que o Governo fique “autorizado a proceder à alteração da verba 2.18 da Lista I anexa ao Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, na sua redação atual”.
Ao contrário do que é comum nas autorizações legislativas, porém, o artigo proposto tem muito poucos detalhes sobre aquilo que o Governo fica autorizado a legislar. Apenas se diz que o “sentido e extensão” desta autorização legislativa é o de “prever que as empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis de habitação abrangidas são definidas segundo critérios estabelecidos pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da habitação”.
Também se diz que se irão excluir “do âmbito de aplicação da taxa reduzida os serviços, referidos na alínea anterior, relativos, total ou parcialmente, a imóveis destinados a habitação cujo valor exceda o limite compatível com a prossecução das políticas sociais de habitação do Governo” – uma formulação que também não dá muitos detalhes sobre aquilo que a Assembleia da República é chamada a votar favorável ou desfavoravelmente.
As matérias fiscais têm sempre de passar pela Assembleia da República mas com esta autorização legislativa, se for aprovada em conjunto com o Orçamento do Estado, o Governo fica autorizado a publicar um diploma sem qualquer votação parlamentar. O diploma irá direito para Belém para promulgação.
A autorização legislativa está “elaborada de uma forma genérica e deixa bastante amplitude em relação ao que pode vir a ser definido na prática”, comenta Afonso Arnaldo, sócio da Deloitte. “Temos uma autorização muito abrangente e o sentido da alteração fica bastante em aberto”, acrescenta o especialista, salientando que até fica em aberto se será o Ministério das Finanças ou o Ministério das Infraestruturas e Habitação a definir tais critérios.
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No pedido de autorização legislativa, o Governo optou por utilizar o ponto 2.18 para “se poder continuar a argumentar que se trata de habitação com um fim social (mas agora não tanto a típica “habitação social”, mas algo mais geral, num conceito de “política social”), afirma Afonso Arnaldo, da Deloitte.
Além disso, para este especialista, assim o Governo também tenta enquadrar-se na diretiva europeia do IVA, que é um imposto cobrado a nível nacional mas que obedece a regras comuns. “A Diretiva IVA estabelece os serviços e bens aos quais podem os Estados-membros aplicar uma taxa reduzida”, explica Afonso Arnaldo.
“Nesta área específica estabelece-se tal possibilidade em relação à ‘Entrega, construção, renovação e modificação de habitações fornecidas ao abrigo de políticas sociais’. Será neste âmbito (com este limite) que o Governo terá de enquadrar a aplicação da taxa reduzida de IVA”, termina o especialista da Deloitte.
O Observador questionou na sexta-feira o ministério liderado por Miguel Pinto Luz, para obter mais esclarecimentos, mas não obteve resposta até à publicação deste trabalho.
Se for aprovada esta autorização legislativa, o Governo poderá definir “critérios” mais alargados, que não limitem o IVA mínimo à construção “com custos controlados” – que é o que está atualmente previsto na lei. Neste momento, a lei que define o que significa construção “com custos controlados” usa um índice do INE dos preços na construção e tem como condição que um mínimo de 70% das casas (700 em cada 1000) construídas sejam afetas a um programa validado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) como habitação acessível.
Mas “o regime do HCC é um processo complexo, burocrático, que não funciona… esse não é o caminho – basta ver que não há quaisquer projetos relevantes em curso, envolvendo o setor privado”, salienta Hugo Santos Ferreira, presidenta da APPII – Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários.
Os promotores dizem que não conseguem construir àqueles preços e, por isso, normalmente não existe muita adesão nos concursos lançados por entidades públicas (como o IHRU) para realizar essas obras de construção ou reabilitação. Hugo Santos Ferreira diz que o IHRU é uma “entidade que não tem qualquer utilidade, que não responde, que não atende telefones – é uma entidade 100% bloqueada”. Além disso, defende o responsável, “os projetos que são lançados normalmente não são bem montados e, por essa razão, os programas de habitação quando são lançados normalmente ficam desertos”.
Ainda assim, e apesar da falta de detalhes na autorização legislativa, Hugo Santos Ferreira considera “positiva” a sua introdução na proposta de Orçamento do Estado. “Há aqui uma clara intenção do Governo de dar um sinal de que entendeu uma das maiores reivindicações do setor, que vem alertando que a carga fiscal é um dos maiores óbices à construção de casas para a classe média e para os jovens”, acrescenta.
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A descida do IVA na construção habitacional para 6% estava prevista no programa eleitoral da Aliança Democrática e no Programa do Governo, como um “regime excecional e temporário de eliminação ou redução dos custos tributários em obras de construção ou reabilitação em imóveis destinados a habitação permanente independentemente da localização em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU)”. Porém, não havia um compromisso firme sobre quando é que a medida poderia ser decidida e em que moldes exatos.
Em maio, quando o ministro Miguel Pinto Luz apresentou as linhas gerais do programa “Construir Portugal”, foi dito que a construção habitacional poderia passar a ter IVA a 6% mas “com limites em função dos preços”. O ministro indicou que a medida ainda estava “a ser modelada” – “queremos ser justos e que este ganho em IVA seja repercutido, de facto, na baixa de preços para quem compra”.