Quis brilhar desde tenra idade. Alcançou esse brilho onde conseguiu. Saiu sem brilho por conta dos problemas que apareceram ainda em criança. Pelo meio, Raphaël Varane conquistou quatro Ligas dos Campeões, um Mundial de seleções e quatro Mundiais de Clubes. Brilhou, essencialmente, ao serviço do Real Madrid, mas deixou o futebol pela porta pequena. Em parte por conta das lesões nos joelhos que o afetaram desde pequeno, mas também pelas últimas escolhas que fez: Manchester United e Como.

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Em entrevista aos franceses do L’Équipe, o antigo defesa central explicou que, depois de se ter lesionado em julho, contra a Sampdoria, “soube de imediato que tinha tudo acabado”, embora tenha assumido que pudesse ter acontecido de outra forma: “No início da minha última temporada no Manchester United, dizia a mim mesmo que gostava de terminar [a carreira] ali”. “Quando vês o lance perguntas como é que me lesionei… Não houve contacto, não houve torção. O facto de ser o joelho esquerdo foi um forte sinal, porque o joelho esquerdo tem compensado o joelho direito desde 2013. Fisicamente, essa lesão estava a colocar-me numa espiral e o equilíbrio entre sacrifícios e prazer não existia. Se não consigo comprometer-me a 100%, não dá”, acrescentou.

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“Não queria que soasse como uma desculpa. Dizer que tinha de compensar colocava-me numa posição fraca. Quando entrei em campo, queria derrubar todos psicologicamente. Ao entrar na arena, não podia anunciar aos outros nem a mim mesmo que só tinha um joelho. Quando sais, respiras, tens uma sensação de liberdade, de euforia, e ao mesmo tempo sentes-te completamente perdido. Temos muita liberdade e dizemos para nós mesmos: ‘O que há de errado comigo?’. Conheço a teoria, mas vivê-la é outra coisa”, partilhou Varane.

Varane: o “ministro da defesa” francês que estudou Ciências Económicas e foi discípulo de Bölöni

Quanto ao Real Madrid, clube que representou durante dez temporadas, o antigo internacional francês explicou que “teve a sorte de chegar a um clube que dá aos jovens jogadores tempo para aprenderem a um nível muito elevado e amadurecerem fisicamente” e deu como como exemplo “[Fede] Valverde, Vinícius e Rodrygo”. “Todos os grandes clubes deveriam copiar o Real Madrid. O clube melhora o centro de treinos, enquanto que em outros lugares os jovens começam mais cedo e esgotam-se mais cedo”, sublinhou.

Foi nos merengues que Varane se cruzou com José Mourinho, técnico que considerou ter “iniciado algo enorme” no clube. “[Carlo] Ancelotti conseguiu convertê-lo e depois tivemos a geração dourada no seu apogeu, com Zizou [Zidane] na frente. Mou chamou-me no Lens para que assinasse pelo Real Madrid. Aprendi muito com ele, ainda que nem sempre estivéssemos de acordo em tudo. Ele entende muito bem os jogadores, sempre os defendeu e sempre assumiu os momentos difíceis”, acrescentou.

Quanto ao estado atual do futebol, o defesa explicou que agora “há muito menos criatividade e menos genialidade em campo, há mais perfis físicos em todas as posições e há menos jogadores desequilibrados”. Contudo, nem tudo é positivo: “Muitos jogadores ficam calados porque quando exigimos coisas aos outros, o futebol tende a pensar que as exigimos para nós próprios. Mas isso é falso. Quando falo de saúde mental, não é para jogar menos, é porque o futebol está acelerado e a máquina vai partir-se”.

A terminar a entrevista, Varane assumiu que vai sentir mais falta dos momentos “antes da partida”, em que estava “pronto para se transcender” e assegurou que vai continuar no Como, embora com funções mais institucionais. “Vou juntar-me ao comité de desenvolvimento do Como. Ainda tenho algo a acrescentar ao futebol e isso permite-me ver a outra cara do mesmo. Ser um desportista de alto nível é algo muito mais complicado do que as pessoas pensam. Tive a sorte de estar rodeado de gente boa, mas ainda assim foi muito, muito difícil”, completou.