O ex-banqueiro Ricardo Salgado assegurou no interrogatório perante o Ministério Público, em 2015, que nunca foi avisado para consolidar as contas da ESI, a holding que controlava a área financeira e não financeira do Grupo Espírito Santo (GES).
No segundo dia do julgamento do processo BES/GES, no Juízo Central Criminal de Lisboa, a tarde ficou marcada pela reprodução das declarações em interrogatório do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES).
A defesa de Salgado apresentou requerimento antes da reprodução, defendendo a nulidade da situação, uma vez que o arguido não está em condições de saúde para fazer o contraditório, mas o tribunal rejeitou e determinou a reprodução.
Todavia, além de longos períodos de espera em que no ficheiro áudio não se ouvia nada além do cumprimento dos formalismos do interrogatório de julho de 2015 perante o juiz de instrução Carlos Alexandre e a falta de qualidade do som, também a transcrição fornecida ao intérprete dos arguidos suíços Etienne Cadosch e Michel Creton não estaria completa, pelo que o tribunal ordenou a interrupção da reprodução desse interrogatório.
Na sequência dessa decisão, avançou-se então para a reprodução de um outro interrogatório feito dias antes do anterior, também em julho de 2015, mas nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), perante o procurador José Ranito, que liderou a investigação do processo BES/GES e é atualmente procurador europeu de Portugal na Procuradoria Europeia.
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Desta feita, e com as imagens desse interrogatório a serem reproduzidas em cinco televisões na sala de audiência, foi possível ver Ricardo Salgado recordar a reconstrução do GES após a nacionalização da banca em 1975 até chegar ao colapso em 2014, depois de se descobrir a situação de insolvência da ESI e a manipulação das respetivas contas a partir de 2009, segundo o Ministério Público.
“Nunca tínhamos tido problemas em relação às holdings. A gestão administrativa das holdings era feita à distancia, de tal maneira que assinávamos as atas, as contas eram depositadas no Luxemburgo e durante 40 anos nunca ninguém nos disse que devíamos consolidar as contas. Nunca houve das autoridades luxemburguesas um alerta para consolidar as contas, apesar de a Espírito Santo Financial Group estar dentro da ESI”, disse, então, o ex-banqueiro.
O antigo presidente do BES sublinhou que o grupo “nunca teve dificuldade nenhuma em obter capitais, fossem de bancos, de empresas privadas, de grupos estrangeiros e de particulares” e destacou que os aumentos de capital tiveram sempre uma enorme procura. “Havia à partida e continuou a haver até ao desfecho final, ao colapso, um interesse evidente nos investimentos do GES”, resumiu.
Ricardo Salgado abordou também a Eurofin, uma das três sociedades acusadas neste julgamento, para explicar como Etienne Cadosch construiu e desenvolveu a instituição, mas demarcou-se das atividades que a envolviam.
“Não quero parecer que me estou a escudar em não saber as coisas, mas quem tratava com a Eurofin era o Departamento Financeiro, Mecados e Estudos (DFME), ou seja, o Dr. Amílcar Morais Pires e a Dra. Isabel Almeida”, referiu Salgado, ladeado no interrogatório pelos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce.
A reprodução deste interrogatório não chegou a completar uma hora, sendo interrompida. A continuação da reprodução das declarações de Ricardo Salgado está prevista apenas para sexta-feira, uma vez que para quinta-feira está já calendarizada a audição do depoimento do antigo presidente do Conselho Superior do GES, comandante António Ricciardi, falecido em 2022, e a inquirição do filho e antigo presidente do BESI José Maria Ricciardi.
O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.
Segundo o MP, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.