António Mexia e João Manso Neto, ex-líderes do Grupo EDP, foram acusados pelo Ministério Público da alegada prática de crime corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político. É o fim de uma investigação aberta em janeiro de 2012 com uma denúncia anónima (houve mais cinco denúncias ao longo do inquérito) mas que só começou realmente em junho de 2015.
De acordo com a acusação, Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, terá sido alegadamente corrompido por Mexia e Manso Neto para favorecer a EDP na legislação relacionada com os contratos de fornecimento de eletricidade e com a adjudicação da exploração de duas barragens sem o respetivo concurso público. Tudo aconteceu durante o período de 2006 a 2014. A notícia foi avançada pelo Observador em primeira mão e confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR) em comunicado.
A alegada contrapartida para Pinho terá sido um patrocínio do Grupo EDP à Universidade de Columbia para que esta prestigiada faculdade norte-americana contratasse o ex-ministro da Economia como seu professor.
Caso EDP: uma história de poder, suspeitas de corrupção e portas giratórias
João Conceição e Rui Cartaxo, ex-assessores de Manuel Pinho, e Miguel Barreto, ex-diretor-geral de Energia, foram igualmente acusados de corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político em regime de co-autoria com Manuel Pinho.
O MP requereu ainda a perda de bens dos arguidos e de duas empresas do Grupo EDP (EDP, SA e EDP Gestão de Produção de Energia, SA) no valor de 840 milhões de euros a favor do Estado, confirma o comunicado da PGR. O valor corresponde ao alegado benefício que terá sido concedido pelos arguidos acusados de corrupção passiva ao Grupo EDP.
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O valor de 840 milhões de euros é descrito pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto com base em diversos pareceres de peritos técnicos juntos aos autos durante a fase de investigação. Estão em causa os contratos de fornecimento ao sistema elétrico nacional, como também a entrega das barragens de Alqueva e Pedrógão à EDP sem concurso público.
Um dos factos indiciários relacionados com Miguel Barreto por ter alegadamente favorecido a EDP tinha a ver com a alegada concessão de uma licença ilimitada de exploração da central térmica de Sines à EDP com a data de 28 de junho de 2007. Estão em causa factos indiciários que o Observador já tinha noticiado em 2018. Mas estes factos indiciários foram arquivados por falta de provas.
Depois da alegada concessão da licença à EDP relativa a Sines, Miguel Barreto propôs, em maio de 2008, apenas quatro meses após ter deixado de ser diretor-geral, à Martifer a criação da empresa Home Energy II, SA, para operar no mercado da certificação energética — mercado que foi por si criado enquanto diretor-geral da Energia. Este veio a constituída com capital social de 50 mil euros, sendo o mesmo detido em 60% pela Martifer e em 40% por Miguel Barreto.
“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”
No início de 2011, a Home Energy foi vendida por 3,4 milhões de euros à EDP, tendo Miguel Barreto encaixado cerca de 1,4 milhões de euros relativo aos 40% do capital que detinha. É precisamente este último valor que o MP entendeu durante grande parte da investigação que era o valor da alegada contrapartida paga pela EDP a Barreto pela concessão da licença ilimitada da centra térmica de Sines. Agora, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto decidiram arquivar tais suspeitas.
Os acusados e os crimes imputados pelo MP
António Mexia — Ex-presidente executivo da EDP
Um crime corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político
João Manso Neto — Ex-presidente da EDP Renováveis e ex-administrador da EDP
Um crime corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político
Manuel Pinho — Ex-ministro da Economia do Governo de José Sócrates
Um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político
João Conceição — Ex-assessor do ministro Manuel Pinho no Ministério da Economia
Um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político
Miguel Barreto — Ex-diretor-geral da Energia
Um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político
Rui Cartaxo — Ex-assessor de Manuel Pinho no Ministério da Economia
Um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político
Comunicado da Procuradoria-Geral da República
“No âmbito do designado “Processo EDP/CMEC”, o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) deduziu acusação para julgamento por tribunal coletivo contra seis arguidos.
Dois arguidos foram acusados pela prática do crime de corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político e quatro arguidos pela prática de crime de corrupção passiva, também para ato ilícito, de titular de cargo político.
De acordo com a acusação, os factos ocorreram entre 2006 e 2014 e, em síntese, relacionam-se com a transição dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) para os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), designadamente com a sobrevalorização dos valores dos CMEC, bem como com a entrega das barragens de Alqueva e Pedrógão à Eletricidade de Portugal (EDP) sem concurso público e ainda com o pagamento pela EDP da ida de um ex-ministro para a Universidade de Columbia dar aulas.
Ainda segundo a acusação, um dos arguidos, à data ministro da economia, apoiou a nomeação de outro arguido como presidente executivo da EDP e favoreceu indevidamente essa empresa, mediante contrapartidas. Ao acordo, que para o efeito ambos fizeram, vieram a aderir os restantes arguidos, que o concretizaram também mediante contrapartidas.
O Ministério Público entende que o Estado sofreu um prejuízo superior a 840 milhões de euros, pelo que requereu a perda de bens dos arguidos e da EDP Gestão de Produção de Energia e da EDP. S.A. a favor do Estado, em montante correspondente a esse valor.
Alguns dos factos pelos quais foi investigado um dos arguidos acusados, antigo Diretor-Geral de Energia e Geologia, relacionados com o negócio da Home Energy, foram arquivados por falta de prova da prática de crime de corrupção.”
Manuel Pinho diz que todo o processo já foi escrutinado pela Comissão Europeia
O antigo ministro da Economia Manuel Pinho, reagindo à acusação, disse que “todo o processo foi oficialmente escrutinado pela Comissão Europeia” e que não precisou “da ajuda de ninguém” para ensinar em universidades estrangeiras.
Em reação enviada à Lusa, Manuel Pinho começou por declinar comentários por até ao momento o seu advogado não ter sido notificado da acusação. “Todo o processo [de definição dos CMEC e extensão do domínio hídrico relativo a barragens] foi oficialmente escrutinado pela Comissão Europeia e (…) não precisei nem preciso da ajuda de ninguém para ensinar em sete universidades estrangeiras, três das quais das 20 melhores do mundo”, acabou por acrescentar o antigo governante, sublinhando que o processo foi também “alvo de uma investigação aprofundada” pelas instâncias europeias.
Defesa de João Conceição diz que acusação estava “há muito anunciada”
Em nota enviada à Lusa, os advogados de João Conceição afirmam não ter recebido ainda a acusação, tendo tido apenas conhecimento dela pela nota do Ministério Público para a comunicação social e pelas notícias entretanto divulgadas. “E, quando recebermos, teremos de ler e analisar. Tomaremos oportunamente decisões sobre o modo como entendemos melhor exercer a defesa no processo. De qualquer forma, qualquer acusação neste processo não será surpresa, e está há muito anunciada”, afirmam Rui Patrício e Tiago Geraldo, os advogados do administrador da REN , acusado de corrupção passiva no processo em que o Estado terá sido lesado em cerca de 840 milhões de euros a favor da EDP.
Os advogados entendem que a acusação era esperada “acontecesse o que acontecesse no processo” e tivesse este as “fragilidades e as impossibilidades factuais, lógicas e jurídicas que tivesse”. “Era só uma questão de saber a data, pelos visto foi agora. Ou seja, a notícia, sendo aparentemente nova, é velha”, afirmam os defensores.
“Não haverá seguramente do nosso lado muito a acrescentar, em termos de factos, ao que foi explicado e clarificado pelo nosso constituinte desde sempre, nomeadamente desde o seu primeiro interrogatório, aliás por si requerido. E também não haverá muito a juntar ao catálogo das muitas inconsistências de várias naturezas (e não apenas jurídicas) que ao longo dos anos tivemos oportunidade de identificar no processo, e que serão esgrimidas no momento e do modo que nos parecerem melhores, e apreciadas correspondentemente”, concluem Rui Patrício e Tiago Geraldo.