Este artigo foi originalmente publicado no 17.º número da

revista DDD – D de Delta.

Primeiro Encontro

Esta história, longa e repleta de pormenores que lhe dão sentido, começa em 2016, numa das mais antigas roças de São Tomé, o Monte Café. É lá que Amedy Pereira, mais conhecido por Catoninho, produz cacau e café, num pequeno negócio familiar a que tem dado novos sentidos nos últimos anos – mas já lá vamos.

Num belo dia como outro qualquer, Catoninho recebeu na roça uma turista portuguesa e fez-lhe a visita guiada completa, mostrando, passo a passo, o ciclo de vida e de transformação do café que ali produz. A turista ouviu atentamente e fez dezenas de perguntas. Terminada a visita, apresentou-se: era Rita Nabeiro, que estava em São Tomé para seis semanas de voluntariado e que, nesse período, se dedicou a seguir as rotas do cacau e do café na ilha. Naquele dia, esse caminho levou-a à emblemática roça Monte Café, para ver de perto a pequena produção. Amedy lembra-se como se fosse hoje: “Conversámos sobre todos os pontos que tínhamos em comum: famílias ligadas ao café, com negócios passados de geração em geração, e a paixão por aquele produto tão especial.”

O paralelismo entre o avô Rui Nabeiro, fundador da Delta, e o pai de Amedy, Manuel Catone Pereira, foi imediato. Além de terem fundado negócios que passaram às famílias, ambos eram figuras inspiradoras. “Aprendi muito com o meu pai. Sempre foi uma pessoa apaixonada pelo seu trabalho. Transmitiu–me a forma de gerir o negócio, mas também de cuidar do produto, de respeitar cada grão de café”, lembra Amedy. Depois de muitas partilhas, o encontro terminou com um convite. “Disse-me que não hesitasse em a contactar quando fosse a Portugal.”

Universo Delta

Foi o que Amedy fez no final de 2016, quando mergulhou no vasto universo da Delta Cafés, em Portugal. Foram semanas de aprendizagem – de parte a parte. O santomense visitou os escritórios e a fábrica, conheceu trabalhadores e a família Nabeiro, além de ter feito um conjunto de formações relacionadas com a sua área. “Fiz um curso de barista, um sobre a físico-química do café e outro sobre máquinas e equipamentos de café, em que aprendi a usar corretamente as ferramentas e a solucionar pequenas avarias. Aprendi muito com o senhor Adelino [Cardoso, coordenador da torrefação da Delta Cafés], que me fez perceber que o café é uma ciência. Foi muito bom.”

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A estadia culminou num encontro marcante com Rui Nabeiro. “Recebeu-me no seu escritório e deu-me conselhos sobre como cultivar o produto, mas também sobre como cultivar a paixão no negócio.” Desse dia ficou, além dos conselhos, a fotografia do Comendador a entregar o certificado de formação a Amedy. Até hoje, está pendurada no escritório do jovem empreendedor, logo à entrada, “para os visitantes verem” – em especial os portugueses, que “reconhecem logo” a figura de Rui Nabeiro.

O regresso às origens

As semanas em Portugal foram, por um lado, a confirmação do bom trabalho de Amedy e, por outro, o despertar para novas possibilidades. O regresso a São Tomé deu-se no início de 2017, a apenas três meses da colheita de café. Tudo o que aprendeu, partilhou com os seus irmãos, que ainda hoje trabalham na Firma Efraim, fundada pelo pai. “Aprendi muito sobre o tratamento adequado do café em todas as suas fases, por isso tinha de ser rápido a passar o conhecimento, para o pormos em prática naquela safra.”

As novas técnicas foram implementadas a partir dessa primeira colheita, com resultados estrondosos: “Tanta precisão tinha mesmo de melhorar a nossa técnica de produção.” De tal forma que Amedy fez questão de enviar amostras do seu novo café à família Nabeiro. “Eles também notaram a melhoria, e o café foi um êxito.”

A amizade entre as famílias Pereira e Nabeiro foi-se estreitando, sempre com uma via de comunicação aberta entre São Tomé e Portugal, ao longo dos anos. “A Rita Nabeiro tornou-se uma madrinha deste projeto. É uma pessoa com um espírito de resiliência e de ajuda que me surpreende muito.” Rita Nabeiro resume, com igual admiração: “As pessoas que semeiam também colhem – é o caso do Amedy, uma pessoa que faz todo o sentido apoiar, porque multiplica o apoio dado e o estende a quem está à sua volta.” Da amizade aos projetos comuns foi um passo.

Monte Café. A tradição das roças

São Tomé e Príncipe tem um passado histórico na produção de café, em especial das variedades arábica e robusta. No final do século XIX e no início do século XX, o arquipélago chegou mesmo a ser um dos maiores produtores mundiais. Nas roças – grandes plantações agrícolas que dominavam a economia local – produzia-se café de qualidade e com um sabor distinto, resultado do solo vulcânico e do clima tropical.

O Monte Café foi fundado em 1858 e, durante muitos anos, foi uma das roças mais produtivas. Após a independência de São Tomé e Príncipe, em 1975, a produção de café entrou em declínio devido à falta de investimento e à exaustão das plantações. As terras de Monte Café foram nacionalizadas e distribuídas por pequenos agricultores – entre eles, Manuel Catone Pereira,  que conseguiu ir mantendo o negócio nas décadas seguintes.

Impossible Coffees. De um arquipélago para outro

A iniciativa da Delta, Impossible Coffees, materializou-se pela primeira vez nos Açores, onde o apoio a pequenos produtores de café foi fundamental para realizar o sonho de ter café inteiramente produzido em Portugal. O objetivo parecia impossível, mas provou-se tangível em 2023.

Um ano depois, é a vez de São Tomé e Príncipe. “Queremos dar a conhecer muitos outros cafés impossíveis – cafés raros, cafés únicos, que são sobretudo fruto de sonhos”, diz Rui Miguel Nabeiro, ceo da Delta Cafés, explicando o que o levou a avançar para esta aventura. “Sentimo-nos envolvidos por projetos pautados pela resistência, resiliência e até pela teimosia.”

Com um passado fortemente marcado pela produção de café, a ilha de São Tomé tem hoje no café biológico e premium um novo rumo. Em parceria com a Delta – mentora na produção e aliada na distribuição –, o objetivo deste Impossible Coffee é ousado, mas possível: impulsionar a revitalização da produção de café santomense.

Em escala reduzida, a produção deste café destaca-se pelas características únicas do clima tropical e do solo vulcânico. Adelino Cardoso, mestre cafeeiro da Delta Cafés, explica que é a altitude e o clima tropical que confere a este café “as notas frutadas de manga e maracujá, o corpo aveludado e alguma acidez”. Assim nasce o Café Catoninho, um produto tão especial como exclusivo, de edição limitada e à venda apenas nas lojas Delta The Coffee House Experience e online.

Produzido em condições ambientais e sociais desafiantes, os Impossible Coffees são um exemplo de como da colaboração entre pequenos produtores e grandes empresas podem resultar produtos de alta qualidade, que contribuem para manter vivas tradições e promover o desenvolvimento sustentável. “Contra tudo e contra todos, natureza incluída, nasce mais um café impossível”, resume Rui Miguel Nabeiro. “Não é só uma ideia poética – é uma grande oportunidade de desenvolver iniciativas capazes de fazer a diferença nas comunidades e de gerar um impacto positivo no seu desenvolvimento económico.”

“Nos últimos anos, já temos enviado café para Portugal e para a Delta, mas a marca Impossible Coffees traz maior responsabilidade e compromisso a esta parceria”, assegura Amedy. O santomense espera aumentar, já em 2025, a produção de café anual (atualmente perto das três toneladas), sem descurar a qualidade do produto final. Nesse sentido, o cultivo mantém-se o mais tradicional possível: é biológico e não põe em causa o meio ambiente. “É um diamante”, garante Amedy, sorridente. “É um produto praticamente extinto em São Tomé: um verdadeiro diamante nos dias de hoje.” E encontrar um diamante, para quem acredita e luta todos os dias, representa mesmo atingir o impossível.

Texto: Mariana Abreu Garcia

Fotografia: Dário Pequeno Paraíso