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O Terno despede-se de nós numa cartada de mestre e mesmo que acabe, não vai terminar

No adeus aos palcos, a banda de São Paulo mostrou porque é que vai deixar saudades. E porque é que não são precisos naipes mais altos quando os trunfos são grandes canções.

Tim Bernardes, o alquimista pop que a partir desta banda construiu uma carreira a solo e fundou um lugar muito próprio na pop transatlântica
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Tim Bernardes, o alquimista pop que a partir desta banda construiu uma carreira a solo e fundou um lugar muito próprio na pop transatlântica

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Tim Bernardes, o alquimista pop que a partir desta banda construiu uma carreira a solo e fundou um lugar muito próprio na pop transatlântica

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Quem aqui veio ver o show d’O Terno pela primeira vez?”, perguntou Tim Bernardes ainda o concerto do trio paulista não ia a meio. Perante o bruáá do público no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o vocalista e compositor respondeu de forma tão direta quanto divertida: “também vai ser a última”.

Ao verificarmos a página de Wikipedia de O Terno, vemos que todos os verbos foram editados para o pretérito perfeito, sugerindo expiração, fim de vida. Tal deve-se ao facto da banda já se ter despedido do Brasil, faltando só completar os concertos em Portugal — depois deste em Lisboa, segue-se outro no Coliseu do Porto, no dia 21 — antes de entrar num hiato prolongado.

Em retrospetiva, o álbum de 2019 d’O Terno, Atrás/Além, já prenunciava um fim de ciclo. “Recuperando as memórias do que eu fiz / no tempo junto ao seu lado, fui feliz / quem sabe um dia eu te encontro por aí / será que ainda vai lembrar de mim?”, ouve-se na faixa-título. No entanto, a confirmação chegou pela boca da banda este ano, de que a ideia era fazer uma digressão antes de Tim Bernardes, Gabriel d’Almeida e Biel Basile (que substituiu o baterista original, Victor Chaves, em 2015) seguir cada um o seu caminho. No entanto, abateu-se a pandemia e os planos mudaram, ficando arredados dos palcos enquanto trio até este ano, entre carreiras a solo e novos capítulos familiares. Curiosamente, os últimos concertos antes dessa paragem foram mesmo no nosso país, incluindo uma passagem pelo Capitólio.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Não obstante a vontade de completar esse capítulo incompleto — o conjunto matou saudades numa série de concertos em março deste ano no Brasil —, a banda foi mesmo avante com a ideia de virar a página. Depois de um derradeiro espetáculo no festival Coala em São Paulo, a 6 de setembro, O Terno seguiu para algumas datas internacionais que Bernardes definiu numa entrevista à CNN Brasil como as cenas que passam nos créditos de um filme que já terminou, ou uma “lua de mel do divórcio”. Para trás ficam 15 anos como uma das bandas mais importantes deste século no panorama indie rock do país além-Atlântico.

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Nesse percurso, os três alquimiaram a mistura entre as sensibilidades da música popular brasileira e do rock de conterrâneos como Os Mutantes com a fórmula pop clássica dos Beatles e de outras bandas dos anos 60 e 70, sem fazer disso pastiche nem deixar-se cair no pecado fatal da pretensão que tantas bandas afeta quando se trata de reatualizar o passado. No fundo, um caso sério, feito por tipos que não se levam assim tão a sério.

O Terno: o segredo desta costura está nos belos arranjos

Nessa mesma entrevista, Bernardes — que muitos haveriam de conhecer pela fulgurante carreira a solo antes mesmo de descobrirem a banda que o lançou — deixa bem claro que foram sugeridas várias datas para o trio tocar na Europa, mas optaram apenas por Portugal porque queriam fazer “mais uma celebração do que uma turnê”. No palco do Coliseu, o vocalista fez questão de salientar a importância do nosso país para o trio, recordando a estreia por cá em 2016, tocando em Lisboa, no Porto e, mais inusitadamente, no Texas Bar, em Amor, “para umas oito pessoas”. Oito anos depois, vieram dizer adeus numa das mais nobres salas do país, o que diz bem do estatuto que passaram a granjear.

Foi justamente nesse clima de celebração que a banda foi recebida no Coliseu, com uma plateia praticamente esgotada e em ponto de rebuçado, num daqueles concertos em que, com certas canções, a banda podia dar-se ao longo de desligar os microfones e deixar o público cantar. Talvez com o afã de tomar parte nesta despedida, viram-se abraços, lágrimas a correr, gritos de incentivo entre temas e até foram cantados os parabéns a Biel, cujo aniversário estava a meras horas de ser assinalado.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Terno só de nome, em palco apresentaram-se com mais quatro elementos, um naipe de sopros entre saxofones, trompete e trombone. Sendo esta uma banda cujo material de estúdio começou a enveredar por arranjos cheios de cordas e orquestras, a decisão em causa foi mais do que acertada: além de evitar recorrer a secções pré-gravadas (ainda que estas tenham surgido aqui e ali), este reforço deu outro élan às mais de 20 canções apresentadas. Se em alguns momentos serviram para dar espessura ao baixo e à guitarra, noutros pintalgaram paisagens de melancolia reconfortante, banda-sonora de uma manhã solarenga de inverno. Veja-se a forma como e Nada/Tudo, apesar de serem de álbuns diferentes, foram casadas com um acompanhamento similar, como se do mesmo movimento orquestral se tratassem. O silêncio reverencial quase total em que o Coliseu mergulhou no fim desta sequência tornou claro o sucesso da escolha.

Mas se sopros, baixo e bateria todos assumiram um papel essencial ao longo de quase duas horas de espetáculo, seria ingrato não destacar Tim Bernardes como o coração desta operação. Ora pela voz, não de milhafre, mas de rouxinol ferido na asa, naturalmente, bela e dorida, ora pela mestria ao piano, ora pelo som bem sacana que ia tirando da sua guitarra semi-acústica, optando entre melaço sonoro nos solos e apontamentos delicados quando a canção assim pedia.

Atrás/Além e Tudo Que Eu Não Fiz arrancaram com a banda envolta em penumbra, mostrando-se depois alva — todos vestidos de branco como vieram a habituar-nos — e no registo delicado mas decidido, otimismo de quem já lambeu as feridas e quer recomeçar, do seu mais recente e derradeiro disco. No entanto, algo importante a frisar quanto a O Terno é que o trio nunca deixou de saber rock and rollar, e tal capacidade ficou bem patente nas saraivadas de Não Espero Mais ou Lua Cheia, que cumpre a sua promessa de ameaça com uma caçada psicadélica bem animal, pontuada pelas strobes em palco. O principal momento deste registo, no entanto, deu-se em O Cinza, canção solitária no alinhamento do auto-intitulado de 2014, transfigurada ao vivo num assomo alucinado a roçar o krautrock.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Aquilo que viria a popularizar O Terno, porém, seria mesmo a sua faceta mais cançoneteira, e essa era verdadeiramente o que o público mais queria ver, quer na pseudo-valsa delicada de O Bilhete, na beleza esperançosa de Eu Vou, no perfume oriental de Volta e Meia ou na toada ligeira e brincalhona de Culpa. Volta, exemplo sublime de uma balada, levou o público a sacar dos telemóveis e a agarrar as caras-metade que estivessem à mão. No entanto, um concerto tão longo assim precisava de momentos de rasgo e diferenciação, que aconteceram com Bielzinho — tema que os Fleetwood Mac de Rumors teriam escrito se fossem de São Paulo e soubessem sambar — ou Morto — do longínquo primeiro álbum, blues cambaleante de faca e alguidar que mostra que alguém na banda ouviu Nick Cave na adolescência.

Na reta final do espetáculo, feitos os agradecimentos, Tim Bernardes disse que iam terminar com duas músicas muito simbólicas para a banda e também “para todo o mundo”, já que tratam de “coisas universais”. Em Passado/Futuro, O Terno optou por dotá-la de um ritmo samba a contrastar/adensar o binómio que a encerra, entre “Nunca mais o meu passado /Para sempre o meu futuro”. Já E No Final surgiu sem quaisquer artifícios para pontuar o fim de ciclo a que a banda chegou, com Bernardes ao piano.

Todavia, apesar de toda a conversa de finitude e finalidade, o trio ainda respeita os rituais clássicos do rock, um deles o encore. Apesar de toda a banda aproximar-se boca de cena para dizer adeus, voltaram para mais duas: Melhor Do Que Parece — cujo refrão, cantado acapella pelo público já a música tinha terminado, demonstra a comunhão vigente nesta noite — e 66 — homenagem/lamento enérgico da banda quanto à dificuldade de tentar ser original quando tanto já foi feito, contando com Tim Bernardes apenas de microfone no fosso a cantar com o público.

Aí sim, O Terno despediu-se de nós. Recorrendo à letra de uma das mais belas canções que apresentaram, Pra Sempre Será: “Mas quando é pra sempre, pra sempre será / Mesmo que acabe, não vai terminar”. Até um dia.

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