O caso teve origem a 28 de novembro, quando foi adiantado que Gregg Wallace ia ser afastado de MasterChef por decisão da empresa televisiva Banijay UK, que produz o famoso concurso culinário e já abriu uma investigação interna. A BBC, que emite o programa, também fez saber que tinha desencadeado os procedimentos adequados a lidar com o caso.

Em causa estão várias acusações de pessoas que trabalharam com o apresentador em variados programas ao longo da sua carreira quanto a alegados comentários sexuais e comportamento inapropriado nos bastidores. Tanto Wallace quanto os seus advogados negam todas as alegações, sendo que o visado estará a cooperar abertamente com a investigação que pende sobre si.

Entretanto, a polémica ganhou contornos maiores por dois motivos distintos. Por um lado, este domingo, Wallace disse num vídeo publicado nas suas redes sociais que nunca teve queixas de “absolutamente ninguém” que trabalhou consigo noutros programas e criticou as pessoas que o acusaram de serem “mulheres da classe média de uma certa idade”. Por outro, a BBC — emissora do MasterChef — também ficou debaixo de fogo quando foi revelado que já tinha recebido denúncias quanto ao comportamento do apresentador, sem lhe dar o devido respaldo.

O caso tomou proporções tais que o governo britânico fez saber que a Secretária de Estado para a Cultura, Media e Desporto, Lisa Nandy, encontrou-se com os líderes da BBC e uma deputada trabalhista já sugeriu publicamente que a emissão de MasterChef seja interrompida enquanto decorrer a investigação a Wallace.

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Quem é Gregg Wallace?

O apresentador e empresário de 60 anos é uma das figuras mais reconhecíveis da televisão britânica, particularmente no segmento de programas sobre culinária e gastronomia.

Wallace figurou em diversos programas espalhados por vários canais desde que se estreou com Saturday Kitchen, programa do canal BBC One, em 2002. Foi, contudo, como uma das caras de MasterChef — tanto quanto apresentador como um dos jurados — que granjeou maior notoriedade, ao lado de John Torode desde 2005.

Com a fama que foi acumulando, Wallace não só participou em vários programas como convidado, como se tornou um autor publicado de sucesso. Em 2022, foi feito membro da Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel II pelo seu trabalho de promoção alimentar e também caritativo.

Como é que o caso surgiu?

O escândalo ocorreu após duas investigações paralelas, por parte do jornal The Daily Telegraph e do serviço noticioso da própria BBC, ambas reclamando que foi o seu trabalho jornalístico a espoletar o caso.

O Telegraph noticiou uma queixa formal feita à emissora por parte de uma ex-colega que se queixa que Wallace agarrou na sua cabeça quando esta estava ajoelhada a tirar-lhe uma nódoa das calças e movimentou o corpo como se estivesse a fazer sexo consigo. Além disso, a denúncia também fala de uma ocasião em que o apresentador terá entrado no estúdio de MasterChef “totalmente nu, à exceção de uma meia a cobrir-lhe o pénis” e terá começado a dançar, além de “piadas sexuais nojentas e recorrentes”.

Já a BBC News — que já estava a investigar Wallace desde o verão — enviou uma carta aos advogados do apresentador, detalhando 13 acusações distintas contra si decorrentes da sua participação em cinco programas diferentes, de 2002 a 2005 a 2022.

Como reação a ambos os artigos, a Banijay UK, empresa televisiva que produz o MasterChef, emitiu um comunicado público a anunciar que tinha aberto uma investigação interna, considerando “apropriado efetuar uma análise externa imediata para investigar de forma completa e imparcial”. Wallace foi então afastado do programa, mas a produtora afirma que este está “empenhado em cooperar plenamente durante todo o processo”.

Entretanto, não só a BBC fez saber que ia investigar as denúncias que recebeu quanto ao comportamento de Wallace ao longo de vários anos, como o Channel 5, outro canal britânico, confirmou ao The Times estar a verificar alegações quanto ao apresentador quando este fez o programa Big Weekends em 2019.

Em que consistem as acusações?

Uma das principais partiu de uma colega de estação, Kirsty Wark, apresentadora e jornalista que participou na edição de 2011 de Celebrity MasterChef, spinoff onde os participantes são figuras públicas. Wark acusa Wallace de ter feito piadas sexuais durante a gravação dessa temporada, considerando-as “mesmo, mesmo erradas, dado o local” e que as pessoas presentes ficaram “desconfortáveis” e “envergonhadas” com tais demonstrações. A apresentadora menciona também na denúncia que levantou objeções junto da Shine — empresa sucursal da Banijay UK —, não tendo obtido respaldo.

De acordo com a BBC News, entre as denúncias contra Wallace estão as queixas de que o apresentador falava abertamente sobre a sua vida sexual e de que era um bom amante, de que terá ficado em tronco nu para dar um “espetáculo de moda” a uma colega e que terá dito a uma outra que não estava a usar roupa interior debaixo das calças.

O caso tomou ainda maiores proporções mediáticas quando o cantor Rod Stewart acusou Wallace de “humilhar” a sua mulher, Penny Lancaster, em 2021, quando esta participou no MasterChef. Recorrendo à sua conta de Instagram, Stewart classificou o apresentador como um “bully gorducho, careca e mal-educado”.

Outra das acusações de peso partiu da apresentadora Ulrika Jonsson, que afirmou ao Daily Telegraph que Wallace fez uma “piada de violação” a outra concorrente durante as filmagens de um episódio de Celebrity MasterChef em 2017. Esta, “altamente angustiada”, fez uma denúncia no local, o que obrigou o apresentador a fazer um pedido de desculpas “de lágrimas nos olhos”, mas o sucedido não foi reportado à Banijay.

Este domingo, foi a vez da apresentadora Kirstie Allsopp revelar publicamente na sua conta da rede social X que Wallace lhe começou a falar “de um ato sexual e a sua parceira gostavam de fazer todas as manhãs” apenas uma hora depois de se conhecerem. “Será que ele se excitou com a minha vergonha? Foi completamente pouco profissional”, apontou.

Como é que Wallace reagiu?

A resposta oficial partiu primeiramente dos advogados de Wallace, que numa carta à BBC News negaram que este tenha tido comportamentos “de natureza de assédio sexual”. A título individual, o apresentador publicou um vídeo no próprio dia em que saíram as notícias do seu afastamento, agradecendo o apoio dos seus fãs e parecendo demonstrar alguma contrição. No entanto, este domingo, três dias depois do caso tornar-se público, Wallace decidiu reagir contra as acusações.

Num vídeo entretanto apagado da sua conta de Instagram, o apresentador, segundo o The Guardian, disse que há cerca de 20 anos que apresentava as várias versões de MasterChef e que nelas trabalhou com “mais de 4.000 concorrentes de todas as idades e de todas as origens”. “Aparentemente, consigo ler nos jornais que houve 13 queixas durante esse tempo”, apontou, dizendo que essas denúncias vieram de “de um punhado de mulheres da classe média de uma certa idade, apenas do Celebrity MasterChef”.

“Em 20 anos de televisão, conseguem imaginar quantas mulheres, concorrentes femininas no MasterChef, fizeram comentários sexuais ou insinuações sexuais? Conseguem imaginar?”, questionou, para de seguida afirmar “absolutamente nenhum” dos membros das equipas de outros programas em que participou alguma vez se queixou de si.

Tais declarações mereceram condenação quase unânime, chegando mesmo a motivar uma resposta do governo britânico, com um porta-voz de Downing Street a caracterizá-las como “inapropriadas e misóginas”.

Perante esta reação, Wallace voltou a publicar um vídeo, desta feita pedindo desculpa pelas suas palavras. “Não estava num bom estado de espírito quando publiquei-o. Tenho estado sob muito stress, muita emoção, senti-me muito sozinho, cercado, ontem, quando o publiquei”, admitiu, dizendo também que é “óbvio” que precisa de retirar-se “durante algum tempo”.

Em que é que o caso implica a BBC?

Quando o escândalo rebentou, a BBC foi expedita a reagir através de um porta-voz. “Levamos a sério todas as questões que nos são colocadas e dispomos de processos sólidos para tratá-las”, afirmou.

“Somos sempre claros quanto ao facto de não tolerarmos qualquer comportamento que não se enquadre nos padrões esperados pela BBC. Quando um indivíduo é contratado diretamente por uma empresa de produção externa, partilhamos quaisquer queixas ou preocupações com essa empresa e apoiá-la-emos sempre que as resolver”, disse ainda o comunicado.

No entanto, o que as investigações revelaram nos dias seguintes é que a BBC teve dificuldades quanto a lidar com o histórico de comportamento dúbio e denunciado de Wallace.

De acordo com o The Times, a radialista Aasmah Mir fez uma queixa formal quanto ao apresentador em 2017, quando participou na edição desse ano de Celebrity MasterChef, endereçando-a tanto à Banijay como à BBC. A comprová-lo está um email interno enviado por uma executiva da emissora, Kate Philips, que confirmou que o comportamento de Wallace era “inaceitável e não pode continuar”.

Nessa mensagem a que o jornal teve acesso, Philips disse que queria ser “informada o quanto antes” se outras alegações surgissem contra o apresentador, mas tal denúncia não teve sequência, já que vários casos noticiados pela BBC News são posteriores a 2017.

Noutra ocasião, Wallace terá sido alvo de queixas ao gravar o programa Impossible Celebrities, também da BBC, em 2018, por “comentários sexuais inapropriados”. Nessa situação, o apresentador foi apenas sujeito a uma conversa de 90 minutos onde Phillips censurou o seu comportamento “inaceitável e pouco profissional”.

Quanto a este incidente em específico, noticiado em outubro pelo Telegraph, Wallace fez declarações na sua conta de Instagram, afirmando que “foi investigado prontamente pela BBC quando aconteceu há seis anos e o resultado foi que não tinha dito nada de carácter sexual”.

Já numa terceira instância, o The Observer revelou este fim de semana que uma carta com algumas das alegações tinha sido enviada à BBC em 2022 e, como aconteceu nos restantes casos, não resultou em qualquer medida disciplinar. Essa missiva, inclusive, alerta para um “padrão de comportamento” do apresentador, que “claramente não cumpre as normas de assédio sexual e bullying que proíbem avanços sexuais indesejados e insinuações sexuais”.

Todas estas investigações que apontam para a inabilidade da BBC em lidar com denúncias quanto a Wallace são particularmente incómodas para a emissora britânica porque nem sequer é a primeira vez este ano que vê um dos seus profissionais enredado num escândalo sexual. Em abril, o apresentador Huw Edwards — que já tinha sido afastado da posição de pivô em 2023 — foi condenado a seis meses de pena suspensa por pagar e obter fotografias explícitas de menores de idade.

O que se sucede agora?

Enquanto prosseguem as investigações internas, o governo britânico decidiu proceder a averiguações quanto à atuação da BBC, tendo a Secretária de Estado para a Cultura, Media e Desporto, Lisa Nandy, reunido com os líderes da BBC.

“A Secretária para a Cultura falou com a direção da BBC no final da semana passada sobre este assunto e sobre questões mais amplas de cultura no local de trabalho, a fim de obter garantias de que existem processos sólidos para lidar com as queixas”, referiu um porta-voz de Downing Street.

Entretanto, começaram a surgir pressões para a própria BBC interromper a emissão de MasterChef enquanto Wallace está a ser investigado. A mais notória partiu da deputada trabalhista Rupa Huq, membro da comissão do parlamento britânico para a cultura e os media. Em declarações à BBC Radio 4, Huq afirmou que “há razões para fazer uma pausa enquanto a investigação decorre”, considerando que a sua emissão pode ser “traumatizante” [“triggering”] para as pessoas envolvidas e que devia ser interrompida “por uma questão de sensibilidade”.

A série que está neste momento no ar — um spinoff chamado MasterChef: The Professionals — teve já 21 episódios pré-gravados, 15 dos quais já foram emitidos. Huq defende que o 16.º, que tem emissão programada para esta segunda-feira, seja adiado, assim como os episódios a serem transmitidos nos dias 3 e 5 de dezembro. Tanto quanto a BBC deixou saber, não há previsão para interromper a emissão dos programas gravados — nem de dois especiais de natal já filmados também.