O Tribunal de Veneza, em Itália, condenou esta terça-feira a prisão perpétua um jovem estudante universitário que assassinou a ex-namorada há cerca de um ano, num crime que chocou o país e reacendeu o debate sobre a violência de género.
Num veredicto aguardado com muita expectativa em Itália, cuja leitura foi presenciada pela família da vítima, o tribunal condenou a prisão perpétua Filippo Turetta, de 23 anos, pelo homicídio de Giulia Cecchettin, a 11 de novembro de 2023, a poucos dias de a jovem completar a licenciatura em engenharia biomédica na Universidade de Pádua.
Turetta, que frequentava o mesmo curso de Giulia Cecchettin, admitiu ter esfaqueado até à morte a sua ex-parceira, de 22 anos, na localidade de Fossò, perto de Veneza, no norte de Itália, tendo a autópsia revelado que a jovem sofreu 75 golpes de arma branca.
APAV regista 15 mil crimes de violência doméstica no primeiro semestre do ano
Apesar da brutalidade do crime, o Tribunal de Justiça de Veneza excluiu as circunstâncias agravantes de crueldade e o crime de ameaça, como pedia a acusação, mas ordenou também uma indemnização às partes civis, com o pagamento de um montante provisório de 500 mil euros ao pai de Giulia, Gino Cecchettin, e de 100 mil euros a cada um dos irmãos, Elena e Davide, além das custas judiciais.
O assassinato de Giulia, na altura a 105.ª mulher morta em Itália em 2023, teve um impacto particular no país em virtude dos contornos brutais do crime e devido ao facto de envolver dois jovens estudantes universitários oriundos de famílias da classe média.
O crime lançou um debate político em Itália sobre a violência sobre as mulheres e a cultura patriarcal no país, que é liderado atualmente por uma mulher pela primeira vez na sua história, a primeira-ministra Giorgia Meloni, o que não impediu que o atual governo de direita e extrema-direita cortasse em 70% o financiamento de medidas de prevenção de violência machista.
No mês passado, o ministro da Educação, Giuseppe Valditara, membro do partido de extrema-direita Liga, que faz parte da coligação governamental, provocou polémica ao declarar que “o patriarcado já não existe” na legislação italiana e ao atribuir a culpa da violência contra as mulheres à imigração ilegal, tendo a irmã de Giulia, Elena Cecchettin, recordado então que a sua irmã foi morta por um “jovem italiano branco”.
A 5 de dezembro do ano passado, milhares de pessoas concentraram-se diante da basílica de Santa Giustina, em Pádua, norte de Itália, para acompanhar o funeral da jovem Giulia Cecchettin. Poucos dias após a notícia da morte da jovem, cerca de meio milhão de pessoas desfilaram nas ruas de Roma, Milão, Turim e outras grandes cidades de Itália, por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
Itália nega ter removido referências a LGBTQ e ao aborto da declaração do G7
Giulia Cecchettin foi dada como desaparecida a 11 de novembro do ano passado, depois de se ter encontrado com Turetta, a pedido deste, tendo o seu corpo sido encontrado numa ravina perto do Lago Barcis, em Friuli, a 18 de novembro de 2023.
Turetta pôs-se em fuga depois de ter abandonado o cadáver, tendo sido localizado uma semana após o assassinato, na berma de uma estrada perto de Leipzig, na Alemanha, depois de ter ficado sem dinheiro e sem gasolina no seu carro.
No seu funeral, há cerca de um ano, o pai da vítima, Gino Cecchettin, disse esperar que a morte da sua filha marcasse um ponto de viragem na luta contra a violência de género em Itália.
Esta terça-feira, após lida a sentença, Gino Cecchettin considerou que “foi feita justiça”, mas disse sentir-se “derrotado, como ser humano”, em virtude do fenómeno de violência de género estar longe de ser erradicado e de não se fazer o suficiente em termos de prevenção e pedagogia.
“Todos nós perdemos como sociedade [face à violência de género]. Não me sinto nem mais aliviado nem mais triste do que ontem ou amanhã. É uma sensação estranha”, disse à saída do tribunal.