Ruben Amorim já se queixou da quantidade de compromissos com a comunicação social a que está obrigado enquanto treinador do Manchester United, referindo até que já falou mais em semanas em Inglaterra do que em quatro anos no Sporting. Ainda assim, as entrevistas continuam a aparecer. E a mais recente até aborda mais o passado de Ruben Amorim do que propriamente o futuro.
Em conversa com a BBC Sport, em Carrington, o treinador português mostrou-se como habitualmente: calmo, tranquilo, sorridente e sempre com uma piada na ponta da língua, algo que não deixou de surpreender o jornalista. “Vai correr tudo bem. Independentemente do que possa acontecer, nesta fase da minha vida vou ficar bem. Por isso, estou tranquilo. Toda a gente me diz que esta experiência vai mudar-me, mas não concordo. Se alguma coisa acontecer ficarei frustrado durante algum tempo, mas depois recupero”, começou por dizer, admitindo que a decisão de deixar Alvalade foi “difícil” para os jogadores do Sporting.
Ruben Amorim celebrou efusivamente o golo da vitória contra o Bodø/Glimt, na semana passada — num claro contraste com a postura mais fria que Erik ten Hag assumiu durante os anos que passou em Old Trafford. Algo que, para o treinador português, se explica a partir da sua “maneira de ser”. “Não se pode mudar. Não se pode ser emotivo num dia e no outro já não ser. Também penso com a minha cabeça, nem sempre com o coração. Mas quando faço as coisas, faço com emoção. Como treinador podes ser muito bom do ponto de vista técnico e tático, mas se não fores emotivo não consegues ligar-te aos jogadores nem consegues fazer nada com uma equipa de futebol”, atirou.
“Cresci numa família que não era muito grande, mas que sempre foi forte em termos de emoção. Sou um tipo latino, sou assim. Gosto de pessoas, ligo-me a elas, e penso que isso é uma das melhores coisas deste trabalho. Podes fazer muitos amigos e ainda trabalhar. Podes ser exigente e mesmo assim ter uma boa ligação com toda a gente”, completou, assegurando que sente “uma conexão” com os adeptos do Manchester United e repetindo a ideia de que é “o homem certo” para o futuro do clube.
Ainda na linha de pensamento da emoção e da motivação, Ruben Amorim falou abertamente sobre o facto de ter recorrido a um psicólogo no fim da carreira de jogador e para lidar de forma positiva com a despedida dos relvados. “Não tenho vergonha de dizer que tinha um terapeuta, um psicólogo. Penso que ajuda imenso, porque estava a preparar-me para terminar a carreira. Queria mudar algumas coisas para me preparar para ser treinador. Fui para a universidade porque era jogador de futebol e às vezes pensa-se que, por saberem de futebol, os jogadores estão prontos para lidar com as exigências de um cargo como o de treinador”, indicou, recordando a licenciatura em Gestão do Desporto que frequentou na Universidade Autónoma de Lisboa.
Por fim, na mesma entrevista, o treinador de 39 anos abordou as decisões que foi tomando ao longo da carreira — e explicou o porquê de não ter integrado as camadas jovens do Benfica, um episódio que já tinha sido revelado por Luís Filipe Vieira. “Às vezes é o destino. No Casa Pia queria treinar, ser treinador principal. Fui para a 3.ª Divisão para ter essa oportunidade, precisava de sentir como era ser treinador. Tenho dois filhos pequenos, tentei um clube perto de minha casa. Esses detalhes levaram-me ao Casa Pia e depois fui para o Sp. Braga”, começou por explicar.
“Não fui para o Benfica porque lá não temos controlo total sobre as camadas jovens. Sentia que isso era importante para mim porque, da maneira como vejo o futebol, o treinador precisa de controlar isso. Não é decidir tudo, isso é diferente. Fui para o Sp. Braga B porque queria sentir um clube maior e tinha estado lá enquanto jogador. É um clube com melhores condições, queria conhecer isso. Depois o destino levou-me para a equipa principal e tive muita sorte nos primeiros jogos, foi uma armadilha para o presidente António Salvador. O Sp. Braga tinha uns cinco jogos seguidos contra Sporting e FC Porto e sei que tive muita sorte. Muita, muita sorte. E isso mudou a minha vida. Fui para o Sporting e o resto é história. Fui um sortudo na minha carreira, até agora”, terminou.
Curiosamente, também esta terça-feira, Ruben Amorim foi tema numa outra entrevista. Nas primeiras declarações enquanto novo treinador do Leicester e apenas duas semanas depois de ter deixado o Manchester United, Ruud van Nistelrooy assumiu que ficou “magoado” com a saída de Old Trafford. “Fiquei desiludido, sim, muito desiludido. Doeu-me”, começou por dizer o neerlandês, que ainda foi interino durante três jogos entre a saída de Erik ten Hag e a chegada de Amorim.
“Mas acabei por me mentalizar, porque também compreendo o novo treinador. Estou no futebol há tempo suficiente e eu próprio já fui treinador, compreendo. Falei com o Ruben sobre o assunto, foi justo para ele e a conversa foi grata, de homem para homem, de pessoa para pessoa, de treinador para treinador. Isso ajudou muito a seguir em frente e a entrar imediatamente em conversações com novas possibilidades. O que, naturalmente, me animou”, concluiu o antigo avançado dos Países Baixos.