A queda do regime de Bashar al-Assad precipitada pelo avanço do grupo rebelde islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) levou esta segunda-feira o líder desta formação, Abu Muhammad al-Jolani, a reunir-se com o primeiro-ministro sírio deposto, Mohammed al-Jalali, para negociar um governo de transição.

Deste encontro foi adiantado um nome pela imprensa síria e dos países vizinhos: Mohammed al-Bashir. Ainda que não tenham sido adiantados grandes detalhes, al-Bashir parece ter sido o consenso entre as duas partes porque já liderava o Governo de Salvação, o braço civil e político dos rebeldes que já governava de facto o noroeste da Síria como um proto-estado desde 2017.

Quem são os rebeldes que colocaram um ponto final ao regime de Assad — e o líder que outrora operava na sombra?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De acordo com o próprio perfil disponível no website do Governo de Salvação — informação corroborada também pela Al-Jazeera e o jornal dos Emirados Árabes Unidos The National —, Mohammed al-Bashir nasceu em 1983 na região de Idlib.

A sua formação académica é em Engenharia Eléctrica e Eletrónica, com especialização em comunicações, na Universidade de Aleppo, tendo concluído a licenciatura em 2007. Somou a isto um curso avançado de inglês — ministrado pelo Ministério da Educação sírio — concluído em 2010.

Mohamed al-Bashir fez parte dos quadros da empresa de gás estatal enquanto chefe do departamento de instrumentação de precisão na central em Homs até pelo menos 2011, ano do início da guerra civil da Síria, não se sabendo ao certo quando abandonou o cargo e integrou os rebeldes do HTS.

O seu currículo é retomado em 2021, tendo voltado à vida académica para tirar uma licenciatura em Sharia e Direito com distinção pela Universidade de Idlib. Nesse mesmo ano, recebeu também um certificado em planeamento administrativo e um certificado em gestão de projetos da Academia Internacional Síria de Formação, Línguas e Consultoria.

Tais graus académicos terão sido o que levou o Governo de Salvação a convidá-lo para assumir o ministério do Desenvolvimento e dos Assuntos Humanitários durante o quinto mandato deste proto-estado, entre 2022 e 2023.

Entretanto, a 13 de janeiro de 2024, foi nomeado pelo Conselho Geral da Shura — um corpo legislativo característico dos regimes islâmicos, composto por representantes de vários segmentos da sociedade — como primeiro-ministro do sétimo mandato do Governo de Salvação.

Além de al-Jolani, al-Bashir começou a tornar-se numa das faces visíveis deste regime contrário a al-Assad, dando conferências de imprensa quanto às movimentações do HTS, inclusive durante a ofensiva surpresa dos últimos dias que derrubou o governo.

Do pai ditador ao filho oftalmologista que tentou seguir as suas pisadas. A ascensão e a queda do regime dos Assad

Em que é que al-Bashir acredita?

O futuro político da Síria reveste-se neste momento de incerteza, já que apesar do seu reposicionamento mais moderado, tanto al-Jolani como o HTS têm ligações prévias ao movimento jihadista islâmico — em particular, a Al-Qaeda. Alimentando este ceticismo está também o facto de al-Bashir ser formado na Sharia, a lei islâmica cuja interpretação estrita pode significar assim um modelo de governação mais estrito e conservador.

No entanto, a plataforma eleitoral de al-Bashir para ser nomeado primeiro-ministro do Governo de Salvação foi de governação tecnocrática, estabelecendo como prioridades a automatização dos serviços públicos e a digitalização da administração pública. Segundo o Levant24, meio de comunicação sírio, alguns dos pontos-chave que assumiu para a sua atuação foram “o avanço tecnológico, o desenvolvimento económico, os projetos humanitários, as iniciativas de investimento e as reformas educativas”.

Ao que é adiantado pelo meio de comunicação qatari The New Arab, al-Bashir cumpriu alguns destes desígnios. No seu período à frente do Governo de Salvação, pautou-se por medidas de flexibilização dos regulamentos de planeamento urbano de Idlib, redução dos impostos sobre o imobiliário e foram iniciadas consultas para expandir o plano de ordenamento da capital do proto-estado.

Al-Bashir ainda não se pronunciou sobre a sua visão e estratégia para um governo de transição, mas o desafio que agora enfrenta é bem maior do que políticas de urbanismo. Como primeiro-ministro de transição, terá a responsabilidade de lidar com um país devastado por uma guerra civil de 13 anos e com a instabilidade política de lidar com grupos rivais de agendas distintas.

Por outro lado, existe a necessidade de normalizar relações com a comunidade internacional, já que vários países ocidentais ainda consideram o HTS um grupo terrorista de índole jihadista. Além disso, pendem acusações de violação dos direitos humanos nas regiões controladas por estes rebeldes, nomeadamente devido a execuções de cidadãos acusados de estarem afiliados com grupos rivais ou face a alegações de adultério ou blasfémia.