“Só quem tem fortuna pode dedicar-se ao bem comum”, considera José Pedro Aguiar-Branco, uma situação “inaceitável em democracia” porque é como um regresso ao “feudalismo”. É neste contexto, defende o presidente da Assembleia da República, que é preciso “tocar” no estatuto remuneratório dos políticos. O tema não pode ser tratado num “debate demagógico” porque isso, “a prazo, paga-se de forma muitíssimo mais elevada”.

Em entrevista ao jornal Expresso, Aguiar-Branco diz que “quem tenha mérito na sociedade, quem tenha capacidade na sociedade para ser reconhecido pelos pares em qualquer atividade — seja carpinteiro, seja advogado, seja médico —, se for bom e tiver mérito, ganha e tem capacidade para ter fontes de rendimento que não são hoje sequer concorrenciais com quem exerce um cargo político”.

“Voltamos ao feudalismo, em que só quem tem fortuna é que pode dedicar-se à causa do bem comum”, afirma o presidente da Assembleia da República, considerando que “essa é uma discriminação inaceitável em democracia, provavelmente perdendo-se muito talento, muita gente competente e com mérito que não pode ir [fazer política] porque não pode prescindir das remunerações que tem”. “Ou, então,”, acrescenta, “vai [fazer política] quem infelizmente não consegue melhor na sociedade, não tem essa capacidade — e então tem os ganhos na atividade política para poder ter a retribuição que de outra forma não tinha”. “Ambas as hipóteses são más”, atira.

A questão tem de ser realista e não o debate demagógico ou que pode render alguma popularidade — mas que vai contribuindo para a degradação da qualidade da nossa democracia. A prazo, isso paga-se de forma muitíssimo mais elevada do que a demagogia sobre aquilo que é o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos. Deve [ser uma valorização salarial] porquê? Porque é inadmissível que se faça uma discriminação, por exemplo, de que só quem tem fortuna pode fazer política. É uma discriminação inaceitável”, afirma José Pedro Aguiar-Branco.

O presidente da Assembleia da República diz que “quando se diz que é preciso que haja maior disponibilidade, que é preciso que existam pessoas com reconhecido mérito na sociedade… é uma matéria que não permite uma qualificação da nossa democracia — e nós precisamos de democracia forte, com grandes interventores na ação política, nos cargos políticos, para que a sociedade se reveja”. “Eu acredito muito na liderança e acho que está a faltar muitas vezes essa liderança, para que os cidadãos se sintam motivados, confiantes e acreditem na democracia. E acho que quanto mais essa liderança pelo exemplo existir, mais os populismos, mais as demagogias, mais os extremos tendem a desaparecer”, afirma.

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Uma boa governação, uma boa liderança amortece os populismos e as demagogias, e os portugueses poderão, espero eu, confiar que assim se resolvem os seus problemas”, conclui.

Aguiar-Branco considera, também, que “as incompatibilidades são excessivas e fazem com que, hoje, praticamente (estou a caricaturar) só quem não tenha nada que fazer, quem não represente nada na sociedade, a quem a própria sociedade reconheça mérito e competência é que pode estar disponível para o exercício de cargos políticos — nomeadamente, parlamentares”.

“Acho excessivo, ainda para mais quando [as incompatibilidades] não são só do próprio, mas da tia, do primo, do cunhado… Isso leva a que haja uma situação de recrutamento muito difícil”, afirma o presidente da Assembleia da República, que se diz “favorável à redução — a avaliar em concreto —, que tornasse as situações das incompatibilidades menos restritivas”.

Isso seria compensado, acrescenta, por um “máximo registo de interesses”, um registo de interesses que esteja “acessível, declarado e de fácil escrutínio para que houvesse — numa situação de conflito de interesses ou de interesses que não estejam registados — um sancionamento violento, rigoroso e rápido (o que tem importância para a respeitabilidade do exercício da função pública)”.