Se a decisão de convidar João Pereira foi “ingrato e um convite envenenado”, a tomada de posição um mês e meio depois de dispensar o técnico foi uma das mais complicadas de tomar de Frederico Varandas. Por um lado, o presidente do Sporting não queria deixar cair aquele que continua a considerar um grande treinador em potência, que estava a ser preparado para uma situação que se precipitou e foi antecipada depois da saída de Ruben Amorim para o Manchester United. Por outro, depois da desconfiança mostrada por várias pessoas do seu círculo mais próximo, teve de admitir que, por múltiplas razões, as coisas não estavam a correr bem nem mostravam sinais de poder melhorar. A saída foi quase “natural”, tanto como o regresso.
No dia seguinte ao nulo do Sporting em Barcelos frente ao Gil Vicente, que fez com que os leões perdessem um total de oito pontos em 12 possíveis com o sucessor de Ruben Amorim, Frederico Varandas e Hugo Viana começaram e acabaram a operação de mudança no comando técnico. Rui Borges não foi o único treinador a ser contactado pelos responsáveis leoninos mas acabou por “vencer” a corrida entre disponibilidade, vontade, condições de chegada, ordenado e projeto desportivo (fatores que fizeram com que outros técnicos saíssem de cena), ficando “fechado” logo no dia 23 e sendo apresentado na manhã depois do Natal. Antes, João Pereira tinha também negociado a saída do comando da equipa principal sem qualquer encargo extra.
Nessa mesma conversa, Varandas e João Pereira concordaram que as coisas não correram bem. Nada ajudou na transição, uma ideia que também partilharam: as lesões de jogadores importantes na equipa que foram diminuindo e muito o leque de opções, a forma como a equipa teve dificuldades em ultrapassar aquele que foi descrito como um “choque emocional” pela saída de Amorim a meio da época, alguns encontros onde com outras decisões de arbitragem o resultado poderia ter sido diferente. Facto: em oito jogos oficiais entre Liga, Taça de Portugal e Champions, o Sporting ganhou apenas três e somou quatro derrotas consecutivas.
Até pela forma como João Pereira assumiu a saída sem exigir qualquer pagamento extra ao Sporting a não ser os dias em que trabalhou, o presidente leonino lançou o convite ao técnico para regressar à equipa B e continuar o crescimento que estava a ter na nova carreira antes da súbita ascensão antes de tempo. A ideia passava por criar condições para que, a breve ou médio prazo, o treinador pudesse encarar novos objetivos profissionais sem o “peso” das seis semanas sem sucesso no conjunto principal, no Sporting ou em qualquer outro clube que mostrasse interesse. João Pereira ouviu e pediu algum tempo para refletir.
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Agora, a decisão está tomada: João Pereira irá regressar ao comando da equipa B, numa decisão que teve também o aval e confirmação de Rui Borges, com quem o jovem técnico passará agora a trabalhar de forma mais direta pelos constantes jogadores que vão subindo ao plantel principal como Henrique Arreiol, Mauro Couto ou Alexandre Brito (João Simões já é considerado como jogador de equipa A, podendo voltar a “descer” caso tenha menos oportunidades e necessite de tempo de jogo). Esse regresso irá também promover alterações nos restantes escalões, que tiveram neste período Pedro Coelho na equipa B, Filipe Neto na formação Sub-23 subindo dos juniores e Mauro Miguel a assumir o comando dos juniores (Sub-19). Ainda não é conhecida a equipa técnica que acompanhará João Pereira mas Tiago Teixeira, adjunto que assumia o papel de treinador principal pela falta de nível 3 do número 1, não continuará como adjunto.
“O João Pereira entrou num momento que todos conhecemos, num desafio extremamente complicado e desafiante. A verdade é que, tanto nós Sporting, como o João, chegámos à conclusão que não correu bem. Sabíamos das dificuldades, do choque emocional brutal pela saída de Ruben Amorim. Consideramos que experienciou verdadeiramente uma lei de Murphy, teve uma onda de lesões que nunca tivemos desde que cheguei a presidente do Sporting e também uma onda de arbitragens infelizes, que prejudicou a carreira do treinador. Sabíamos de tudo isso, a opção era de continuidade do processo, alguém que conhecia o processo e conhecia os jogadores. Mas hoje, olhando para trás, o problema foi que João Pereira não pôde ser João Pereira”, tinha salientado Frederico Varandas na apresentação oficial de Rui Borges como sucessor.
“Perdemos Ruben Amorim, também não conseguimos ter João Pereira. Inconscientemente, teve de adaptar-se e fazer com que uma máquina montada continuasse a rolar à medida do ex-treinador. Olhando para trás, fosse João Pereira ou outro qualquer, infelizmente iria passar por isto. A única coisa que lamento foi não ter conseguido ajudar mais o João Pereira, é algo que vou carregar comigo para sempre. Ao João, desejamos todas as felicidades. Não temos dúvidas de que, quando for João Pereira, terá o seu devido sucesso, pelo mérito que tem, pelas suas competências e pelo caráter. Tantas vezes nesta indústria se fala de exemplos de pessoas que se agarram a determinados valores de rescisões. Gostaria de dizer que, quando me sentei com João Pereira para negociar a rescisão, ele não quis nem um cêntimo de dois anos e meio de contrato. Apenas me disse que o clube lhe deu tudo e jamais lhe irá ter de pagar o que quer que seja. Esta nobreza diz muito do que é o João e, enquanto presidente do Sporting, quero agradecer-lhe por tudo o que tentou e não conseguiu”, acrescentou na mesma intervenção em Alvalade no dia 26 de dezembro.